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Lenine, o mameluco endiabrado

Clotilde Tavares | 30 de outubro de 2011

Acabo de ver o show de Lenine aqui em Natal, no Teatro Riachuelo. Um show redondo, sem muita conversa fiada, só com música, música boa, bem feita e bem executada. Uma beleza.

Depois do show, fiquei pensando e me transportando para o ano de 1978, quando eu fazia mestrado na UFPE e morava no Recife. Uma noite, fomos a um show no auditório do Colégio Vera Cruz em homenagem aos presos políticos, contra a ditadura – era um tipo de evento que acontecia muito naquela época. No palco, o poeta Thiago de Melo, e mais outras figuras famosas. Depois, “a prata da casa”, os artistas locais, a se apresentarem com duas ou três músicas cada. Aí sobe no palco um garoto de seus 18, 20 anos, alto, com pernas finas de palito num jeans justísimo, uma camisa amarela, a juba loura se derramando pelas costas, o olhar de louco e tomado pelo grandioso espírito do rock and roll, que também baixou sobre a platéia. A criatura pulava, cantava, e eu, com uma barriga de 6 meses (estava grávida de Ana Morena) pulava também, junto com outras 600 pessoas.

Foi assim, desde a primeira vez que o vi, que senti que aquele garoto tinha algo diferente dos outros. E hoje fico feliz de me sentar numa platéia lotada para ver, como na primeira vez, Lenine aumentar a pressão e mandar ver nas sonoridades que consegue arrancar do violão com uma puxada de cordas que se tornou sua marca registrada. Toma conta do palco. Dança, pula, faz cabriolas, faz que vai mais não vai, careteia, ora é galã enlouquecendo as moças que só faltam se atirar em cima do palco, ora é o velho faceta, de pernas tortas e sorriso de coringa.

Vi o show há pouco e garanto: a voz dele está cada vez melhor, respira que é uma beleza, a pegada segura, a nuance exata. Do repertório nem vou falar, sou suspeita. Acho lindas as músicas “Lá vem a cidade”, com letra de Bráulio, meu irmão; e “Magra”, de Ivan Santos.

Uma coisa que eu gosto de Lenine é que ele junta a musicalidade de Geraldo Azevedo com a doidice no palco de Alceu Valença, tocando música pra pular brasileira, com uma pegada segura de rock and roll e a bateria sustentando um baque de maracatu que ecoa lá no fundo da nossa alma.

Antes de ficar famoso, vinha pra Natal e ficava lá em casa. Com ele, meu filho Rômulo, ainda muito jovem e iniciante na música, ficava horas fazendo um som. Ele fez muitos shows aqui com Bráulio, show muitas vezes sem cachê, com pouco público, somente a estudantada. Depois desses shows, a gente saía para os circuitos dos bares da praia dos Artistas em cervejadas memoráveis, eu, ele, Bráulio e um ou dois aficcionados, tocando violão, cantando e farreando.

Quando gravou o “Olho de peixe”, seu primeiro disco, veio a Natal para um show no Bar do Buraco, em Ponta Negra, junto com o percussionista Marco Suzano. Somente duas pessoas compareceram para assistir ao show: eu e minha irmã Inês, que estava passando uns dias na minha casa. O bar vazio, nós duas sentadas em frente ao pequeno palco e Lenine e Suzano mandando ver no som.

Hoje, no camarim, matamos as saudades num encontro rápido, de cinco minutos, pois havia uma fila enorme de fãs, cada uma com sua câmera, à espera de um minuto com o ídolo.

Despedi-me dele e ameacei: “Assim que chegar em casa, vou escrever no meu blog sobre o show.” E ele: “De bom ou de ruim?” E eu: “Aí você só vai saber depois que ler…”

Pronto: escrevi. Menos que crítica, mais memória e declaração de amor do que qualquer outra coisa. E ponto final.

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Voltei!

Clotilde Tavares | 24 de outubro de 2011

Depois de “um longo e tenebroso inverno”, expressão que Mamãe usava para se referir a um longo período de inatividade em qualquer setor de sua vida, eu estou de volta. Pelo menos, penso que estou, porque após um bom período de preguiça, inatividade, ocupação em outras tarefas, realização de diversos projetos e o mais que você possa imaginar, hoje eu amanheci com aquela coceira na ponta dos dedos e aquela agonia na cabeça que sempre sinto quando vem a vontade de escrever, de me comunicar de forma mais extensa do que os 140 caracteres do Twitter, que tem sido ultimamente minha plataforma de comunicação

Nesses dias em que andei ausente fiz coisa que só.

Acrescentei um novo livro à minha produção. É O Verso e o Briefing: a Publicidade na Literatura de Cordel, editado pelos Jovens Escribas, uma editora jovem, inteligente e antenada aqui de Natal.

Trabalhei que só um bicho, em coisas que fazem parte da vida do escritor: palestras em escolas para divulgar os livros, jurada de concursos literários diversos, artigos para essa ou aquela publicação.

Li pra caramba e vi muitos filmes e séries na TV. Mergulhei no mundo maravilhoso e alucinante das Crônicas de Gelo e Fogo/Game of Thrones, de George R. R. Martin, do qual já li os três primeiros livros e vi a 1ª temporada da série que passou no HBO.

Aos poucos, estou conseguindo decifrar os segredos da leitura musical e acostumar meus dedinhos toscos a reproduzirem no piano as deslumbrantes melodias que estão aí, adormecidas nas partituras, à espera de que a gente descubra o seu encanto. Meu professor, Leandro Rocha (veja o blog dele, Em volta da arte) com quem estudo desde 28 de março, é um santo em figura de gente, paciente e todo musical.

Essa coisa da música também me levou ao canto coral, e faço parte agora do Coral Harmus, sob a regência de Leninha Campos, onde acrescentei minha voz grave ao naipe dos baixos. É isso mesmo, é lá onde eu canto, com os homens, na clave de fá.

Para “fechar o firo”, realizei o meu projeto para este ano de 2011 que era perder 10 kg até 31 de dezembro. Consegui isso no final de setembro, graças à reeducação alimentar e muita disciplina.

Enfim, é isso.

Voltei.

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Oito livros

Clotilde Tavares | 7 de janeiro de 2011

As pessoas não tomam jeito na sua curiosidade e no seu voyeurismo.

Não acho isso nada demais. Eu mesma sou uma curiosa sem concorrentes, e se não sou voyeur é porque talvez não ache a vida alheia suficientemente interessante a ponto de deixar de viver a minha vida para espionar a dos outros.

Pois então: como falei que havia trazido uns livros para este meu isolamento, já teve gente que queria saber que livros eram!

Como não é segredo, vou informar aos curiosos as minhas escolhas.

O primeiro deles foi o texto de William Shakespeare “Tróilo e Créssida”, uma peça pouco conhecida e que eu nem sequer me lembrava da história. Tinha começado a ler em Natal, e hoje de manhã li o 4º. e o 5º. ato, concluindo a obra. Trouxe também o DVD, que vou ver mais tarde.

Trouxe três livros que me ajudam na construção da narrativa que estou esboçando. São livros que sempre estou lendo e relendo, e que toda vez que os abro saio cheia de insights poderosos: A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento, de Mikhail Bakhtin; As Raízes Históricas do Conto Popular, de Wladimir Propp; e Fábulas Italianas, de Ítalo Calvino.

Outros três livros, esses novos, que comprei ou ganhei, e que estou doida para ler: Leite Derramado, de Chico Buarque, presente de amigo secreto da maravilhosa Atalija Lima; Uma Viagem pela Idade Média, organizado por Adriana Zierer, da Universidade Estadual do Maranhão, que comprei diretamente à autora pela Internet; e Minha Vida Meu Tudo, memórias de Francisco Nunes da Costa, que o autor me deu de presente antes de ontem e que eu já li bem umas 50 páginas.

Tem ainda um ensaio “Contra o Amor”, de Laura Kipnis, que já comecei trocentas vezes, que acho ótimo, mas que sempre acontece algo para interromper essa leitura. Esse livro é muito, mas muito bom mesmo.

Pronto, meu curioso leitor. Eis aí o que estou lendo. Pensei que eram dez, mas são só oito.

Satisfeito?

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Adriana Zierer, Atalija Lima, Bakhtin, Chico Buarque, Ítalo Calvino, Laura Kipnis, leitura, Literatura, livros, Nunes da Costa, Propp, Troilo e Cressida, William Shakespeare
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O aplauso e a vaia

Clotilde Tavares | 15 de setembro de 2010

Há uns três dias recebi um email muito simpático, de uma pessoa que me pede para ler alguns textos escritos por ela, e me pede também uma opinião. Eu fiquei aqui quebrando minha cabeça para ver de que forma eu ia responder isso e aí achei melhor escrever um post sobre essa situação, que é bem freqüente na minha vida: pessoas que me pedem opiniões sobre seus textos.

Para começar, minha rotina de trabalho é muito pesada. Sou professora universitária aposentada, o que faz muita gente pensar que eu não faço nada. Eu mesma alimento essa fábula quando me auto-descrevo no twitter como “fiscal da natureza…” e por sempre estar assim de forma leve e solta nas coisas que escrevo. Mas isso, essa leveza, essa soltura, tem a ver com meu temperamento e não com o volume de coisas que requerem minha atenção e com as quais me ocupo da hora que acordo à hora em que vou dormir – e algumas delas continuam a me ocupar mesmo durante o sono, povoando meus sonhos de interrogações.

Sou uma escritora em tempo integral. Isso quer dizer que eu escrevo de verdade, todo dia. Sempre estou escrevendo algo, como agora, e ao final deste post terei escrito aí umas 700 palavras. A maior parte das coisas que escrevo não se aproveita, e é assim mesmo em qualquer ofício ligado à Arte. Mas é preciso escrever, escrever sempre, para manter a habilidade em forma.

Fora escrever, é preciso ler, ler muito, ler os blogs e comentar, responder aos emails, administrar as listas de discussão na internet (umas 3 ou 4), atender aos telefonemas, preparar propostas de cursos e palestras e enviar a quem me pede, trabalhar nas pesquisas que dão suporte aos temas sobre os quais escrevo, ver filmes, ver programas de TV, assistir entrevistas, ouvir música. É preciso também fazer a comida, lavar a louça, limpar o apartamento, sair de casa para as inúmeras coisas da vida prática, conversar com os amigos e sair com eles, recebê-los em casa às vezes, dar atenção aos filhos e aos netos.

Então, dentro dessa rotina, não sobra muito tempo para ler e opinar sobre trabalhos que as pessoas me enviam, mesmo porque esse é um trabalho demorado porque dificílimo, delicado, cheio de implicações, onde a leitura tem que ser atenta e a opinião ou crítica expressa tem que ser ponderada, muito bem pensada e – mais difícil ainda – expressa com delicadeza de forma que não fira de nenhuma maneira o postulante que, ansioso, espera a opinião desta escritora que vos tecla.

Por isso optei e opto por não ler e opinar sobre escritos dos outros. E tenho aqui uma recomendação a quem tem seus textos na gaveta e fica querendo uma avaliação: busque essa avaliação sim, mas não de um escritor. Busque do seu público, porque é para ele que você escreve e é ele quem consagra – ou desconsagra – um autor.

Escreve contos ou poesias? Imprima e distribua, ou pregue no quadro de avisos de onde você trabalha, ou ainda mande para a sua lista por email. E não peça opinião. Se as pessoas gostarem, elas lhe escrevem ou lhe procuram pedindo mais.

Se você escreve para teatro, faça cópias e entregue aos professores de teatro das escolas, para que eles, se gostarem, montem com seus alunos.

O escritor que lê os textos de um principiante pode gostar, ou então não gostar. Isso é apenas a opinião dele, do escritor, e não deve significar nem a glória nem a desgraça para quem está começando. O maior sucesso editorial brasileiro é o escritor Paulo Coelho, para quem os escritores como eu torcem o nariz.

Então, aposte no seu trabalho, entregue-o ao público. Só o público pode dar ao artista o tão necessário aplauso ou a vaia, esta mais necessária ainda, porque nos faz repensar, retrabalhar e melhorar aquilo que fazemos.

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Hoje estou poeta

Clotilde Tavares | 14 de agosto de 2010

VINDIMA

Poema de Clotilde Tavares

Espero a madrugada,

por entre os cajueiros

e fiapos persistentes de noite.

A violenta calma

amadurece os frutos

concentra a seiva

e diz:

– Espera.

Faz frio. Mas o sol que não vejo

mantém líquida a lágrima.

O leite está morno e a saliva

ainda é doce.

Estou calma. E espero.

A ilustração é a Imperatriz, Arcano III do Tarot, desenhada por Robert M. Place.
Achei aqui.


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A preparação espiritual do ator

Clotilde Tavares | 25 de abril de 2010

Hoje deixem-me falar sobre teatro. O teatro, arte onde milito há anos, ora como atriz, ora como dramaturga, ora com professora, é uma atividade absorvente e muitas vezes ingrata, principalmente quando perseguimos um resultado que pretende ser mais artístico do que comercial, quando buscamos mais a evolução estética da arte que praticamos do que uma gorda bilheteria e casas lotadas.

Por outro lado, como viver de teatro sem atender aos aspectos comerciais da arte? Como pagar o aluguel, a escola das crianças e a conta do supermercado sem vender ingressos? Artistas moram, comem, têm filhos, usam luz elétrica e água encanada. Parece óbvio, mas muita gente esquece disso e adora pedir uma cortesia para não pagar dez reais por um ingresso. Conciliar arte com mercado, eis o grande dilema de produtores, diretores e atores, que vivem tendo o palco como o centro pulsante e apaixonado de suas vidas.

Entre os vários problemas que o teatro nos coloca, está um, crucial nos dias de hoje, que é a formação do ator. O espaço aqui é pequeno para uma discussão dessas, mas é possível levantar alguns pontos. Sempre defendi, como pessoa de teatro, aquilo que chamo de preparação espiritual do ator.

Essa tal preparação “espiritual” não tem nada a ver com religião, mas com a elevação do espírito, do intelecto, das idéias, dessa parte imponderável do ser humano que extrapola as habilidades corporais desenvolvidas pelos exercícios, que hoje em dia são muitas vezes colocadas como os principais requisitos para o trabalho teatral. Essas técnicas são importantes mas ficam vazias e mecânicas se o ator não tiver esse desenvolvimento interno, do “espírito”, da sua essência enquanto ser humano.

Ler, pensar, trocar idéias, ver filmes, ver quadros, ouvir música, experimentar outros tipos de artes, experienciar a transcendência, a ampliação da consciência, praticar a felicidade, tocar um instrumento musical, observar a natureza e aprender com ela…

Mas tudo isso dá trabalho e a maioria dos jovens atores continua com um pé no palco e os olhos e o desejo na TV Globo, sem sequer ir ao cinema, quanto mais ler um livro! Aí fica aquela casca seca, dominando técnicas corporais, encostando o calcanhar na nuca, mas sem referências interiores para cumprir a tarefa do ator que é criar do nada, tendo como ponto de partida apenas as falas do texto, um personagem completo.

E é aí que reside a mágica desta arte. Criar um ser humano de verdade – de verdade enquanto a cena existe – dando-lhe alma, vida, energia, emoções, suor, sangue, lágrimas e risos! Quem poderia aspirar a uma tarefa mais empolgante do que esta? Um tarefa de deuses? E isso acontece todo dia no teatro, mas num teatro feito por pessoas que, além de músculos, ossos, tendões e ligamentos tenham também espírito, alma e essência.

Este post é dedicado aos participantes da oficina “Devorando Hamlet”, promovida pelo Núcleo dos Jovens Artistas, que ministrei de 19 a 23 deste, e que me afastou deste blog por uma semana. Comemoramos com esta oficina, como o faço anualmente, o aniversário de Mr. William Shakespeare.

Entre os jovens, fico mais jovem. Da esquerda para a direita: Neto, Alexandrina, Liana, David, Maria, Thales, Ranieri, Ana Carolina e Múcia. A foto fica melhor se você clicar em cima dela para vê-la em tamanho grande.


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Parabéns para Shakespeare!

Clotilde Tavares | 23 de abril de 2010

Hoje, 23 de abril, comemora-se o aniversário do nascimento de William Shakespeare, ocorrido no ano de 1564, em Stratford-on-Avon. Aqui faço esta homenagem ao poeta inglês, objeto da minha profunda admiração e paixão desvairada, para sempre e eternamente.

Toda a produção de Shakespeare é estupenda. Foram 38 peças, além de 154 sonetos, considerados entre os mais belos em língua inglesa. Morreu em 1616, aos 52 anos, depois de uma noitada alegre com os amigos, tendo vivido toda a sua vida ligado à prática teatral, onde fez fortuna e fama.

Segundo o crítico Harold Bloom, no seu livro “A Invenção do Humano”, Shakespeare “pensou mais originalmente do que qualquer outro escritor e tinha um domínio quase sem esforço da linguagem”. Seus personagens tão humanos, quase mais humanos do que nós mesmos, nos lançam numa investigação interior da qual não podemos escapar. Ao ler, ou ver qualquer das suas tragédias, principalmente “Hamlet” ou “Macbeth”, é como se estivéssemos abrindo nossa alma no divã de um psicanalista. As comédias também não são um simples passatempo, mas nos levam à nossa própria “floresta de Arden”, onde nos perdemos para nos encontrar, como Rosalinda, em “Como Gostais”.

Bloom diz ainda que ele criou mais contextos para nos explicar, a nós, seres humanos, do que somos capazes de criar para explicar seus personagens: Hamlet, Lear, Falstaff, e os vilões Iago, Ricardo III, Edmundo e Macbeth, são um estudo profundíssimo da natureza humana. E as mulheres! Cordelia, Rosalinda, Viola e a maravilhosa Beatrice de “Muito Barulho Por Nada”… Seres que povoam os palcos do mundo há quatrocentos anos e cujas possibilidades estão longe de serem esgotadas.

Mas afinal, Shakespeare existiu mesmo? É uma pergunta que sempre escuto quando o assunto vem à tona. Quem conhece e estuda a obra do poeta inglês já está acostumado com isso e sabe que periodicamente aparece alguém colocando em dúvida a autoria das peças e sonetos, já atribuída a mais de cinqüenta nomes, incluindo Christopher Marlowe, Francis Bacon, o Conde de Oxford e até a própria rainha Elizabeth I!

Felizmente para os bardólatras, como eu, não há mais dúvidas sobre quem escreveu as peças: foi ele mesmo, William Shakespeare, quem em 1582 já vivia em Londres, fazendo e escrevendo teatro.  O jovem William foi para Londres aos vinte e três anos de idade onde, começando como ator, passou depois a escrever peças e em 1599 tornou-se um dos sócios do Globe Theatre. Em 1603, passou a fazer parte dos “Homens do Rei”, a mais importante companhia teatral da Inglaterra. São também desse período, início do século XVII, as suas obras mais importantes, como “Hamlet” (1601), “Rei Lear” (1605) e “Macbeth” (1606).

Unânimes nesse reconhecimento, os estudiosos shakespearianos já se acostumaram com o fato de que vez por outra aparece alguém em busca da notoriedade conferida por uma crítica ou um fato em relação a Shakespeare. É a grandeza do poeta inglês que leva o mundo a ficar sempre de olho nele, mesmo depois de decorridos quase quatrocentos anos da sua morte.

Foram muitos os nomes que duvidaram da sua real existência, como Mark Twain, Henry James, Sigmund Freud, Charles Dickens, Walt Withman e Charles Chaplin. A autoria foi questionada a primeira vez em 1796, por um certo Herbert Lawrence, e em 1848, por Joseph Hart. Surgiu então Delia Bacon, uma americana radicada na Inglaterra em 1853, que se dizia descendente do filósofo inglês Francis Bacon, e afirmou ter provas de que fora o seu antepassado e não Shakespeare o autor das obras famosas. O debate pegou fogo nos meios acadêmicos, nada foi provado e a sra. Bacon terminou seus dias num manicômio, talvez por não ter sido levada a sério.

Roger Pringle, diretor da Fundação Shakespeare Birthplace, não acredita nos argumentos apresentados pelos pesquisadores que vez por outra aparecem com dientidades novaa para W Shakespeare. Diz ele que o que os move é apenas o desejo de vender livros. Já Ann Thompson, professora do King’s College London e editora da série Arden Shakespeare, defende que tudo isso é puro preconceito: setores do meio acadêmico e intelectual jamais aceitaram que um homem sem instrução universitária pudesse erguer tais monumentos literários. É mais uma vez o preconceito do erudito contra o popular, deformação que persegue Shakespeare há quatrocentos anos e que nossos autores de cordel e poetas populares já experimentaram várias vezes, na própria pele.

Compartilho aqui com você algumas jóias do poeta inglês. Vejam esta, bem adequadas a estes nossos tempos, onde se fala sem pensar e se difama por distração: “O bom nome para o homem e para a mulher, meu caro senhor, é a jóia suprema da alma. Quem rouba minha bolsa, rouba uma ninharia. É qualquer coisa, nada; era minha, era dele, foi escrava de outros mil. Mas quem surrupia meu bom nome tira-me o que não o enriquece e torna-me completamente pobre.” (“Othelo”, Ato III, Cena 3).

Há, também uma peça dele, não tão conhecida, “Como Gostais” (“As you like it”), uma deliciosa comédia, cheia de tramas, onde a heroína se disfarça de homem e os poemas de amor parecem nascer nas árvores. Um dos seus melhores momentos é a fala do personagem Jacques, na Cena 7 do Ato II, sobre as “sete idades do homem” e traça um retrato entre trágico e irônico do que é a nossa vida.

Jacques começa dizendo que “…O mundo é um palco; os homens e as mulheres, meros artistas, que entram nele e saem. Muitos papéis cada um tem no seu tempo; sete atos, sete idades. Na primeira, no braço da ama grita e baba o infante. O escolar lamuriento vem depois, com a mala, de rosto matinal, e como serpente se arrasta para a escola, a contragosto. Então vem o amante, fornalha acesa, celebrando em balada dolorida as sobrancelhas da mulher amada. A seguir, estadeia-se o soldado, cheio de juras feita sem propósito, com barba de leopardo, mui zeloso nos pontos de honra, a questionar sem causa, buscando a falaz glória até mesmo na boca dos canhões. Segue-se o juiz, com ventre bem forrado de cevados capões, olhar severo, barba cuidada, impando de sentenças e de casos da prática; desta arte seu papel representa. A sexta idade em calças magras tremelica, óculos no nariz, bolsa de lado, e a voz viril e forte, que ao falsete infantil voltou de novo, chia e sopra ao cantar. A última cena, remate desta história aventurosa, é mero olvido, uma segunda infância, falha de vista, de dentes, de gosto e de tudo.”

Ah, meu caro leitor! Ninguém descreveu com tanta poesia e capacidade de síntese esta vida que levamos. Shakespeare é uma leitura grandiosa, a qualquer estado de espírito, a qualquer necessidade da alma. Sempre haverá uma peça, ou trecho dela, que exprima exatamente aquilo que estamos pensando e às vezes nem compreendemos direito; ou aquilo que queremos dizer mas não sabemos como.

E é por isso que nós aqui, mais de quatrocentos anos depois, estamos repetindo as palavras deste homem que com sua arte, conseguiu levantar o véu que encobre essa matéria sutil: a Alma Humana.

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Dia Mundial do Teatro

Clotilde Tavares | 27 de março de 2010

E neste Dia Mundial do Teatro, juntando com as comemorações de primeiro aniversário deste blog, sugiro que revisite o post do ano passado, nesta mesma. data. Nele digo tudo que penso desta arte à qual estou unida de forma sempre apaixonada há mais de 50 anos, uma vez que pisei num palco pela primeira vez como atriz, com papel decorado e ensaiado, em 1959, em Campina Grande-PB.

Leia o post clicando aqui.

Como a Condessa Rosenda von Kraken, em 1995, no espetáculo "A Maldição de Blackwell", direção de Marcos Bulhões.

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Grandes atrizes

Clotilde Tavares | 23 de fevereiro de 2010

Como gosto de ler e vivo lidando com idéias, as pessoas que me conhecem pensam que eu só gosto de filme “cabeça”, de filme complicado, do chamado “filme-de-arte”. Até que gosto mas, normalmente minhas predileções vão para os filmes históricos e de época, thrillers de suspense e comédias românticas. Também acompanho a obra dos meus diretores preferidos, como Clint Eastwood, Quentin Tarantino e or irmãos Coen.

Tudo isso para dizer que há uma comédia romântica que adoro assistir e que vejo sempre quando passa na TV: “Legalmente Loira”, de Robert Luketic. O filme é tão equilibrado no romantismo, na evolução dos personagens como na transformação da loira fútil em advogada de sucesso, e principalmente na frescura – comedia romântica sem frescura não dá – que dá gosto assistir.

Entre os desempenhos irrepreensíveis que permeiam o filme quero salientar um: o da atriz Holland Taylor, que faz o papel da professora Stromwell, aquela que logo no começo do filme arrasa com a loira do título logo na primeira aula em Harvard.

Aqui, algumas reflexões. Depois que entram para a chamada terceira idade, atrizes muito boas entram num limbo de falta de trabalho. É claro que não me refiro a atrizes como Meryl Streep, Shirley MacLaine ou outras famosas e oscarizadas; mas a todo aquele cortejo de coadjuvantes que conseguem dar vida e destaque a seus papéis.

Uma das coisas que mais gosto de dizer é que não existem pequenos papéis; existem pequenos atores. Neste filme “Legalmente Loira”, Holland Taylor consegue ser irrepreensível nas pequenas cenas em que aparece, e a gente vê claramente onde está o trabalho do ator: no tom da voz, na forma de colocar as mãos, no olhar, no erguer de uma sobrancelha… Ah, é um supremo prazer ver uma atriz como essa trabalhar.

Você pode também vê-la todo dia na série “Two and a half man”, onde ela está completamente diferente fazendo o papel de Evelyn Harper, a impagável e politicamente incorreta mãe de Charlie e Alan.

Vida longa a Holland Taylor!

Holland Taylor

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O inferno feminino

Clotilde Tavares | 27 de janeiro de 2010

Ivana Arruda Leite

Ontem, um dos links que publiquei foi o do blog da escritora Ivana Arruda Leite. Como eu gosto dos livros dela, meu caro leitor! O que mais gosto nela é a forma como aborda os temas ligados ao universo feminino, completamente alheio aos edulcorantes artificiais que geralmente cercam as chamadas “coisas de mulher”.

Como está escrito sobre as portas do inferno, ao entrar nos seus livros o leitor precisa abandonar toda a esperança, e nutrir-se de coragem para encarar a profunda tragédia que muitas vezes permeia o cotidiano feminino, aqui exposto sem dó nem piedade. No seu livro “Falo de mulher”, o aparente paradoxo do título, repleto de duplos entendimentos, se derrama pelos contos, como “Receita para comer o homem amado”, “A puta seletiva”, “Mulher é tudo igual” e outros, onde a mulher, eviscerada e nua em seus desejos e impulsos mais secretos, fala sempre a verdade.

Mas Ivana é também lírica e memorialista , no seu livro “Eu te darei o céu”, recuperando para nós, mulheres nascidas no inícios dos anos 1950, a infância e adolescência perdidas, com as músicas de Celly Campelo e Roberto Carlos, vestidos rodados e cabelos armados nos assustados da adolescência, seguidos pela fase “caia na real”, onde os anos de chumbo vieram, descendo com seu punho selvagem, esmagando e escurecendo o céu da nossa geração.

Fã de seus livros desde alguns anos atrás, conheci-a pessoalmente em São Paulo no final de 2008, na “Balada Literária”, evento organizado pelo escritor Marcelino Freire nas quebradas da Vila Madalena. Bom papo, boa conversa, alegre, divertida, ficamos horas falando das nossas séries preferidas na TV por assinatura. Tentei olhar para aquela mulher morena, miúda, sentada ao lado de sua filha Bebel e tomando um café, com a bolsa no colo, e fiquei a imaginar o violento pulsão criativo escondido por trás de pessoa tão amável e simples. Pulsão este que faz com que Ivana consiga desvendar o mais grotesco do universo existencial feminino e expor suas chagas ocultas, seus sonhos inconfessáveis, seus amores maníacos, seus ideais inúteis, com um toque profundo de humor, mas humor negro, é bom que se diga.

Ivana Arruda Leite é uma escritora que é preciso conhecer, sem perda de tempo, pelo muito de Humanidade que expõe nas histórias e personagens.

Eu recomendo. Leia alguns dos seus contos aqui.

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