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Anacoreta urbana

Clotilde Tavares | 19 de junho de 2021

Tenho 73 anos de idade, e sou uma sobrevivente. Sobrevivi a uma ditadura militar, quatro casamentos, dois partos, uma dependência química, um grave acidente de carro, um tumor na coluna, vinte e seis anos de docência universitária que incluíram cerca de trezentas reuniões de departamento, trinta anos de teatro, onze cirurgias e doze anos de farra e loucura.

Tenho um passado, e isso me alegra, porque penso que não há coisa mais sem graça do que uma mulher sem passado.

Hoje, sinto que a vida é só isso: hoje. Aprendi com os monges a viver o presente, esse milagre que se reproduz a cada minuto, no suave pressionar das teclas pelos meus dedos. Aprendi também que a verdade, o tempo, o passado, tudo é construção. Mas isso eu só aprendi depois de ter acreditado muito, esperado muito, recordado muito. Venho aprendendo a construir minhas narrativas, minhas epopeias, meus dramas, que assim passam a me pertencer, de maneira inquestionável.

Esse roteiro que traço entre um fato e outro, essa intriga, como diria Paul Veyne, me ajuda a encontrar meu lugar no mundo. A cada ano que passa, vou me livrando da dimensão material, externa, e me expandindo no nível da introspeção, das viagens interiores, confirmadas pela presença de Netuno em Libra, na nona casa da minha carta astral.

A pandemia reforçou minha atitude de anacoreta urbana. Na Bolha, a cavaleiro de Petrópolis, vivo sozinha com minha nesga de mar e o farol, que sinaliza as distrações e aponta o caminho de casa para a minha mente, errante e navegante. Encontrei na crise do planeta a desculpa que eu precisava para me recolher com meus livros, meus filmes, meus cadernos, minhas traquitanas eletrônicas, meus quadros e plantas, e as pedras espalhadas por toda a casa, atestando que sou filha de Xangô, kawó-kabiesilé!

A vizinhança é silenciosa. Aqui, nas alturas do 10º, o passarinho fez um ninho na janela, a um metro de onde me sento para ler todo final de tarde, enquanto o sol se põe sobre esta cidade linda e impossível.

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Comportamento, Memória, Pop-filosofia
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aprendizado, Farol de Mãe Luiza., Memória, Natal, Paul Veyne, Petrópolis, Xangô
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A máquina do tempo

Clotilde Tavares | 16 de abril de 2021
Nesta sexta-feira, 16 de abril de 2021, estou no segundo dia das férias de quatro dias que me propus, sem ler nenhum texto acadêmico, para sossegar a cabeça de tanta teoria e dos abruptos deslocamentos temporais que as duas disciplinas que estou cursando na UFRN me proporcionam. Vivo em constante e sobressaltado traslado entre o século XIX da época atual (História do Brasil Império) e o século XX da era pré Cristã (História Antiga), com rápidas e traumáticas passagens pelo Brasil de 2021 (ano 2 da Era Pandêmica). Minha vontade mesmo é me mudar para o tempo de Amenophis IV e ser vizinha de Nefertiti. Aí, como sempre estou enrolada com essas questões de tempo, repito abaixo esse pequeno exercício, que já fiz algumas vezes, e que deixo como sugestão para que você também o faça, se o tédio estiver lhe perturbando e você não acha nada de interessante pra fazer.
Em 16 de abril de … eu estava em…
1971, sexta-feira – Em Natal, eu cursava o 2º ano de Medicina. Fui à aula de Neuro-Anatomia, e à tarde Bioquímica. Morava na rua Pinto Martins.
1981, quinta-feira – Morava na rua da Saudade. A anotação no diário é lacônica: “O dia lendo.” Não diz se dei aula, ou se fui trabalhar, ou o que seja.
1991, terça feira – Tem escrito: “Ensaio”. Provavelmente da peça Papai Pirou nas Ondas do Rádio, primeira peça que fiz com a Stabanada Cia. de Teatro.
2001, segunda-feira – Há uma anotação para ligar para Hugo Manso e Tácito Costa. À noite, eu coordenava o projeto Sala de Leitura, na livraria A.S. Livros. Nesse dia, a convidada foi a professora Vania Gicco.
2011, sábado – Eu estava em Belo Horizonte, passando uma semana com minha nora, Valentina. Nesse dia fomos almoçar com Rômulo, meu filho, e o pai dela, Roberto, no restaurante Xapuri, onde comi todas aquelas gostosuras mineiras.
2021, sexta-feira – Aqui com você, refletindo como o tempo passa e como 50 anos (1971-2021) terminam ocupando poucas linhas de um registro como esse.
COMO SEI tudo isso? Pelas minhas agendas e cadernetas, que guardo desde a adolescência.
#Tempotempotempotempo #FaçoUmAcordoContigo
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Comportamento, Curiosidades, Pop-filosofia
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passagem do tempo, tempo
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Felicidade em si

Clotilde Tavares | 15 de abril de 2021
Um dia desses eu andava meio chateada da vida e uma pessoa amiga, com quem eu iniciei um desabafo, disse: “Besteira, Clotilde. A vida é assim mesmo, tem dias bons e ruins. Sabe o que é que eu faço quando estou assim? Faço uma relação de todos os momentos bons que já vivi na minha vida.”
Eu, que adoro uma novidade, parti imediatamente para fazer a tal lista onde relacionei as obviedades: nascimento de filhos, netos, meus livros lançados, os prêmios que ganhei, o dia da formatura, o dia em que passei no vestibular… Aí depois descobri que não era isso que aquela pessoa queria dizer. Descobri que aquelas coisas boas que eu havia listado eram maravilhosas, e eu agradeço aos deuses todos os dias por elas. Mas descobri também outra dimensão da felicidade, que eu chamo de “felicidade-em-si”, cujo prazer é tão intenso mesmo na sua recordação que espanta para longe qualquer tristeza e chateação. São os chamados “momentos plenos”, onde é quase possível sentir a respiração de um deus sentado ao nosso lado. Quer ver?
Momento um. É uma tarde de verão. Estou no Recife, na garupa da moto de Morse Lyra Neto, procurando um apartamento para alugar. O ano é 1978 e meu curso de mestrado se inicia daí a alguns dias. Estou mudando de cidade, excitada e curiosa pela nova vida. Serpenteando velozmente por entre os carros, com o vento desarrumando meu longo cabelo – não era obrigatório usar capacete nessa época – a sensação é de liberdade plena e excitação com a nova vida.
Momento dois. Tenho três ou quatro anos de idade e minha tia Adiza acaba de me vestir e pentear. Sinto a aspereza do piquê do vestido, um tecido branco, encorpado, com minúsculos pois vermelhos salientes, e o cabelo repuxado para cima e torcido sobre si mesmo, abraçado no aperto do laço de fita em tafetá de seda. Titia arremata a obra com gotas de água de colônia Regina e diz para minha mãe: “Vem ver, Cleuza, como Clotilde está linda!” E eu, que sempre fui muito feia na infância, experimento esse raro momento onde sou envolvida por uma temporária aura de beleza.
Momento três. Sento-me ao computador para escrever. Não tenho assunto. Mas sei que, tão logo coloque os dedos sobre o teclado, os temas surgirão. Uma eletricidade toma conta das minhas mãos e se irradia para a ponta dos dedos. O coração “fica aflito, bate uma, a outra ‘faia’”, como na canção popular. Respiro fundo e vou em frente, com a cabeça cheia de ideias e a plenitude de poder compartilhar essas coisas com você, aqui e agora, meu caro leitor.
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Comportamento, Memória, Pop-filosofia, Qualidade de vida
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felicidade
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A guerra.

Clotilde Tavares | 17 de abril de 2018

sol na cama

O amor não abre portas
e das janelas
só deixa frestas
que desenham espadas
no lençol.
Uma guerra.

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poema, poesia
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Um duro ofício

Clotilde Tavares | 30 de janeiro de 2018

Balzac

Aqui escrevendo, rasgando, corrigindo, deletando, copiando, colando, me irritando, me aborrecendo, querendo desistir, jurando que vou fazer outra coisa. Aí vejo os originais do grande Honoré de Balzac – diz a lenda que ele corrigia as provas impressas até por 20 vezes e enlouquecia os editores. Relaxo, tomo um café e volto ao duro e delicioso ofício de inventar do nada personagens e situações, porque a história já está dentro da minha cabeça e se não sair termina me fazendo adoecer. #AVidaÉBoa #VidaDeEscritor#NóisSofreMaisNóisGoza

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Arte, Cultura, Pop-filosofia
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atividade de escritor, balzac, copy & paste, correção, escrever, escritor, revisão, trabalho de escritor
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Amor, paixão, essa-coisa.

Clotilde Tavares | 1 de agosto de 2017

namorados

Hoje o assunto é o amor.

Ô assunto complicado. Uns chamam de amor, outros chamam de paixão, outros de afinidade, outros de escrito-nas-estrelas. É essa coisa misteriosa, essa força centrífuga que lhe arranca de onde você está e lhe joga em cima de outra criatura, muitas vezes exatamente o oposto daquele ser ideal que você sonhava para a sua vida. Ai, amor, a quanto obrigas! Ai, surpresas do amor.

A criatura está assim distraída, à toa na vida, sentada no shopping ou no restaurante, quando aparece aquela pessoa que, assim que você põe o olho em cima, seu corpo se liquefaz, se derrete, que nem uma lava de vulcão, escorre pelo chão ficando na cadeira somente o vestido inútil, a bolsa esquecida, o relógio, o colar. Você não existe mais, derreteu-se, liquefez-se, desmanchou-se, apaixonou-se, incendiou-se.

Enquanto o amor-paixão-essacoisa consome a mata atlântica da sua vida com suas chamas incontroláveis, você descobre que a vida é boa, que você pode até morrer mas nem liga, que é preciso comprar novas taças, novos lençóis, novos óleos e incensos perfumados.

Tem coisas das quais você não abre mão – você continua sendo #ForaTemer – mas no resto, ah, no resto, o que é o amor senão dar razão a quem não tem? Se você quer ter razão, não serve pra amar, vá procurar outra coisa pra fazer.

Mas o bom é que tudo isso um dia passa. A ficha cai, a razão volta, o fogo recua e se solidifica outra vez, dando novamente uso ao vestido, à bolsa, ao relógio, ao colar. E você está pronta para outra, e você se lembra de Guimarães Rosa, quando disse que “o amor é um pássaro que põe ovos de ferro”.

Apois.

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Arte, Comportamento, Pop-filosofia
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amor, apaixonar-se, armadilhas do amor, Guimarães Rosa, paixão
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Decifro e devoro

Clotilde Tavares | 17 de janeiro de 2015

Você fala e eu decifro. O que você não quer dizer, e não diz com palavras, diz com o gesto, com o olhar que foge do meu, com os dedos que pegam e soltam os objetos, com a ponta do pé que desenha círculos no ar. Você fala e pausa, e hesita, e omite – mas eu sei. A sua sobrancelha que se ergue um milímetro me diz o que quero saber, e quando você entreabre a boca e toca o lábio superior com a ponta da língua é como se escrevesse uma carta, um bilhete, demonstrando suas intenções. Falou sem respirar? Ou respirou antes de falar? A respiração foi longa ou curta? Onde estava o olhar, enquanto respirava? Qual a parte do corpo que você me mostra sem querer enquanto fala? Apalpa a nuca me mostrando o cotovelo? Ou abre os braços me mostrando a palma da mão? Adianta o ombro direito ao falar? Ah, esfinge, eu te decifro inteira e depois, saciada, também te devoro.

 

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Pop-filosofia
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édipo, esfinge, linguagem corporal, o corpo fala, popfilosofia
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Selfie

Clotilde Tavares | 8 de janeiro de 2015

Quem sou eu? A desorientada que acorda de manhã, sem saber em que planeta ou encarnação se encontra? A energética do meio-dia, andando de lá para cá, começando mais tarefas do que consegue terminar? A sempre-repleta do pós-almoço, dividida entre a gulodice e a disfunção hiatal? A que quer estar na rua quando está em casa e, na rua, não vê a hora de voltar pra casa? A feliz e cheia de paz no final da tarde, que lê na varanda, enquanto o mundo fica banhado na luz rósea do pôr-do-sol? A mal-humorada e impaciente quando precisa conviver contra a vontade? A seriemaníaca e noveleira noites em claro em frente à TV? O fantasma trôpego que acorda na madrugada para ir ao banheiro? A que se recusa a pendurar as sapatilhas? Ou aquela absolutamente feliz no momento em que a caneta desliza sobre o papel?

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Comportamento, Pop-filosofia
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autoretrato, selfie
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