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As esquinas da Avenida Brasil

Clotilde Tavares | 3 de setembro de 2012

Eu estava sábado no shopping quando um jovem aproximou-se de mim, identificou-se, e perguntou onde encontrar uma crônica que eu havia publicado há tempos no jornal. Escrevi na Tribuna do Norte/Natal-RN durante quase dez anos, de 1998 a 2007, todo domingo, e fiz uma grande legião de leitores. A prova disse é que mesmo depois de cinco anos afastada da colaboração semanal os leitores ainda se lembram de mim.

Para aqueles que não conhecem Natal, a Avenida Engenheiro Roberto Freire referida no texto é a que liga a cidade à Praia de Ponta Negra, destino turístico conhecido no Brasil inteiro. À margem dos seus poucos quilômetros situam-se bares, restaurantes, shoppings e todo tipo de empreendimento, com grande circulação de pessoas.

O título “Avenida Brasil” nada tem a ver com a novela de sucesso que a TV transmite toda noite uma vez que a tal crônica foi escrita em agosto de 2001, há exatos nove anos.

Se calou tão fundo na mente do leitor que me encontrou, por certo o tema continua interessante. Então, compartilho aqui.


 

Avenida Engenheiro Roberto Freire. Ao fundo, o Morro do Careca, cartão postal da cidade de Natal-RN

AS ESQUINAS DA AVENIDA BRASIL

(Publicada na Tribuna do Norte, em agosto de 2001).

Na criação dos filhos, uma das coisas mais interessantes são as perguntas que as crianças fazem. “Por que o céu é azul?” ou “Por que eu sou eu e não outra pessoa?” são questões que tive que responder quando meus filhos eram pequenos. Como ainda não se auto-censuram, perguntam exatamente o que querem saber, nos colocando muitas vezes em sérias dificuldades na hora das respostas.

A propósito disso é que um amigo me contou que, quando passa de carro com os filhos pela Avenida Engenheiro Roberto Freire fica sem saber o que dizer quando as crianças querem saber sobre os travestis, que são quase a marca registrada da Avenida e proliferam em cada esquina, exercendo o seu sofrido e controverso ofício. Lembrei-me então de uma matéria que saiu um dia desses nos jornais, onde algumas pessoas pediam a retirada dos travestis, por sua presença ser “ofensiva às famílias”.

Não tenho mais filhos pequenos, mas já tenho netos. E se eles viessem me perguntar o que são e o que fazem aquelas pessoas na esquina da Avenida, porque se vestem daquela maneira, descobrindo partes do corpo que habitualmente ficam ocultas, eu responderia simplesmente que são pessoas que usam o corpo como instrumento de trabalho.

Muitas pessoas trabalham com o corpo. O trabalho braçal, nas diversas atividades que exigem força física; os atores, que emprestam o corpo, o olhar, a voz e a energia para dar vida aos personagens que encarnam; os bailarinos e atletas, que domesticam sua musculatura para alcançar performances invejáveis; e também os chamados “trabalhadores do sexo”. Eu explicaria aos meus netos que estes últimos alugam temporariamente os seus corpos a outras pessoas, de comum acordo entre as partes, para que elas possam satisfazer desejos e fantasias, numa atividade que não me cabe julgar se é certa ou errada pois não sou dona da verdade.

Explicaria aos meus netos que aquelas pessoas que estão nas esquinas da Avenida só estão ali exercendo aquela atividade difícil e perigosa porque existe quem pague por isso, e que muitas vezes esses que pagam são os mesmos que, em outro momento, se dizem ofendidos com o ofício ali exercido. Quanto às roupas que usam, os trejeitos que fazem e a exibição de partes do corpo não iria precisar explicar nada pois meus netos já devem estar fartos de ver coisa igual ou pior todo dia na TV. Aliás, as coisas na televisão são tão bizarras que às vezes fazem os rapazes das esquinas da Avenida parecerem anjinhos de procissão.

Diria ainda aos meus netos que aqueles rapazes da esquina da Avenida são, antes de qualquer coisa, seres humanos com sonhos, emoções, planos e desejos como qualquer um de nós, e que se estão ali é porque não tiveram as mesmas oportunidades que eles, os meus netos, estão tendo.

Explicaria finalmente que o verdadeiro crime não é vender ou alugar o corpo, mas vender a alma, a consciência e a vergonha na cara.

E digo mais, caro leitor, a você, aos meus netos e a quem interessar possa: não troco um só dos rapazes da esquina da Avenida por uma centena desses figurões venais, corruptos e desonestos que empesteiam e denigrem não só a família mas a totalidade da nação brasileira.

Esses sim é que, a bem da moral e da decência, deveriam ser retirados das esquinas da grande Avenida chamada Brasil.

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Avenida Brasil, Avenida Engenheiro Roberto Freire, moralismo, Ponta Negra, preconceito, prostituição
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Pior do que o soneto

Clotilde Tavares | 19 de março de 2010

Nesta semana vimos nas telas da TV, nos noticiários, o caso da mulher que, segundo denúncias, esmolava usando a filha. Vimos como, através de uma denúncia anônima, a autoridade judicial ordenou o recolhimento da criança a um abrigo.

Vimos também que, entre a letra e o ato há diferenças, nesse caso nada sutis. A ordem judicial foi executada com extrema brutalidade, sem respeitar os sentimentos da criança e da mãe, separadas com força física e sem a presença de suporte psicológico para ambas. A policial que recolheu a menina usava uma arma na cintura, e penso – não sei se com razão – que qualquer pessoa que lidar com uma criança não pode estar ao mesmo tempo usando uma arma. Além disso, a policial entrou com a criança no colo no banco da frente do carro, e esse carro arrancou bruscamente, saindo em velocidade, contrariando frontalmente as leis de trânsito. A profissional da unidade que abrigou a criança condenou a forma como a ordem foi executada; e todo o Brasil ficou constrangido com a brutalidade.

Um detalhe não me escapou: a mãe é uma cigana, e também não me escapou toda a carga de preconceito que existe contra essa cultura, que não conhecemos, não entendemos e tememos. Associamos sempre os ciganos com ladrões e vagabundos, raptores de crianças e outras bobagens, percepção essa reforçada por uma literatura romântica e sem fundamento na realidade.

É claro que só estou falando de tudo isso porque havia, na hora, uma câmera para filmar o acontecido e em seguida colocar tudo em rede nacional de televisão. A minha pergunta é: quantos abusos desse tipo existem por aí, com ordens que na letra da lei parecem limpas e razoáveis mas que na prática são executadas de forma errônea, cruel, desastrosa, com mais prejuízo para os implicados do que se permanecer a situação original?

O Brasil está ainda engatinhando nessa área de proteção aos direitos de crianças, idosos, portadores de deficiência e outros grupos considerados vulneráveis. É preciso evitar que, na ânsia de resolver uma situação que aprece inaceitável não se crie outra mais inaceitável ainda. É preciso evitar que, nesses casos, a emenda se torne pior do que o soneto.

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