O Clube Peripécia de Leitura Teatral para Não Atores
Clotilde Tavares | 4 de abril de 2021Todo mundo que me acompanha nas redes sociais sabe que eu tenho um Clube de Leitura, que criei e coordeno, existindo há três anos, praticamente sem interrupção, mesmo com a pandemia.
Pois bem: no primeiro ano de funcionamento, todo mundo já empolgado com a experiência de leitura e discussão coletiva, uma das pessoas me perguntou: – Clotilde, porque não lemos uma peça de teatro? E continuou: – Eu já tentei ler, queria ler, mas achei muito chato.
E é mesmo. As peças de teatro não são feitas para serem lidas, mas para serem representadas por atores em frente a uma plateia. O fenômeno teatral, além do texto, precisa de outros elementos para acontecer, como a cenografia, a sonoplastia e a interpretação dos atores. O texto é apenas mais um dos elementos da linguagem teatral.
Mas continuava o problema. Pessoas queriam ler peças. Como fazer?
Aí, em setembro de 2019, nós criamos o Clube Peripécia de Leitura Teatral Para Não Atores, que chamamos carinhosamente de “o Peripécia”.
Somos 11 pessoas, comigo 12. O número ideal de participantes, como a experiência nos mostrou depois de um ano de funcionamento, é entre 6 e 12. Menos de 6 fica muito restrito e sem animação. Mais de 12, dispersa. Somos pessoas de idades e formações diversas, e como regra principal temos: nada de atores ou pessoas ligadas ao teatro. Por que? Porque inibe os participantes, que ficam “acanhados” de ler teatro na presença de gente de teatro. No grupo temos professores de ensino médio e superior, advogados, cabeleireiros, aposentados, designers, comerciários.
E como funciona? Eu escolho uma peça e coordeno a leitura, que é feita “em círculo”, sem encarnar personagem, cada participante lendo sua fala, e o próximo leitor lendo a próxima fala. A leitura é simples, sem interpretação. O objetivo não é interpretar, porque sempre tem um que lê de forma mais expressiva do que o outro, inibindo quem é tímido ou desajeitado na leitura. O objetivo é o texto, é conhecer a obra. Não há plateia.
Tudo só funciona porque temos a incansável Eloiza Cirne, que organiza as reuniões, que começaram na casa dela e depois da pandemia passaram a ser virtuais, pelo zoom. Cabe a ela “juntar o povo” e cuidar do grupo de WhatsApp que mantém os membros informados das datas e horários. Na verdade, o Peripécia é dela, eu apenas escolho as peças e oriento a leitura.
Sempre nos reunimos nos domingos às 17 horas, primeiro presencialmente e agora pelo zoom. Nos adaptamos bem à nova plataforma e nos divertimos bastante. Quando a peça é grande, continuamos no domingo seguinte até terminar. Depois, damos um tempo de um ou dois domingos.
Já lemos:
Édipo Rei – Sófocles
A Mandrágora – Maquiavel
O Auto da Compadecida – Ariano Suassuna
O Tartufo – Molière
Hamlet – W. Shakespeare
A Farsa do Advogado Pathelin – Anônimo
O Moço que Casou com Mulher Braba – D. João Manoel
Aquele Que Diz Sim, Aquele Que Diz Não – Bertholt Brecht
A Cantora Careca – Ionesco
Romeu e Julieta – W. Shakespeare
O Pavão Misterioso – José Camelo de Melo Rezende
O grupo pediu para ler umas peças minhas, e eu fiquei toda feliz. Lemos Lamatown, O Dia em que Papai e Mamãe Fumaram Maconha e Os Contos de Fadas Politicamente Corretos.
Neste domingo, 4 de abril, vamos continuar a leitura do Sonho de Uma Noite de Verão, de W. Shakespeare, que começamos domingo passado.
Só resta dizer: saudemos Dionyso, e viva o Teatro. Evoé!
As calçadas de Natal
Clotilde Tavares | 4 de setembro de 2010Hoje envolvi-me em uma atividade que há muito eu não fazia. Precisei de um cartucho para a impressora e, como a loja só entregava em casa contra dinheiro ou cheque e eu não tinha nenhum dos dois, lá fui eu a pé, passar a compra no cartão. A loja era perto, uns 400 metros de casa, e não compensava chamar um táxi.
Era de manhã, no sábado ensolarado desta minha cidade Natal, e lá saí eu dispostíssima, calçada afora, aproveitando para cumprir minha meta diária de meia-hora me movimentando, de preferência andando e fora da minha poltrona.
Ah, meu caro leitor. Como é difícil andar na rua. As calçadas são verdadeiras pistas de obstáculos. Nenhuma é igual à outra. Uma é de pedra, a outra é de ladrilho, na seguinte encontro paralepípedos; nesta outra, que vem depois, há veículos estacionados e tenho que ir pelo asfalto, com os carros me tirando cada fino!
Fico pensando nas pessoas que põem um tênis e descem para caminhar no bairro. Como caminham, com tais calçadas? É um segredo que não consegui decifrar ainda. Pior ainda: o sofrimento daquelas que caminham porque precisam, porque têm que ir de um lugar a outro e que não têm carro. E as grávidas, e cadeirantes, e mulheres com carrinhos de bebê, e idosos? – é, também sou idosa sim senhor!
Essas calçadas são verdadeiros obstáculos ao meu direito constitucional de ir e vir. Como posso fazer isso em condições tão ingratas? E a avenida, tão convidativa no ano de 1982, quando eu ia diariamente a pé de onde morava, na rua da Saudade, ao prédio onde hoje é o Sebrae – e onde era naquele tempo a Alcanorte, à qual prestei serviços durante seis meses, agora me parece uma verdadeira Linha Vermelha, com todo o respeito aos meus leitores da maravilhosa cidade do Rio de Janeiro.
Mudaria a cidade, ou mudei eu? Ah, meu caro leitor. Mudamos ambas. Eu fiquei mais lenta, mais amante do silêncio e da solidão, e a avenida cresceu, inchou, com tanto carro e caminhão! As calçadas, que antes eram lisas e uniformes, hoje estão de um jeito que não dá nem pra gente desfrutar do passeio olhando o mundo porque senão tropeça em algo ou enfia o pé num buraco.
Enfim, cumpri lá a minha missão e, 400 metros de ida e mais outro tanto de volta, comprei meus preciosos cartuchos. Ao chegar ao prédio onde moro, encontrei o rapaz da oficina: tinha vindo trazer o meu carro. Ninguém merece.
O “meu” banco?
Clotilde Tavares | 30 de julho de 2010Hoje fui protagonista de uma aventura que muitos brasileiros fazem todo dia: fui ao banco pagar uma conta. Mais precisamente na agência do Natal Shopping, onde cheguei às 13h31 e fiquei na fila do atendimento por mais de uma hora e meia, tendo admitida à boca do caixa ás 15h05.
Tudo estaria normal se na minha cidade – Natal/RN – não existisse uma lei municipal que prevê que o tempo máximo que o cidadão deve permanecer na fila é de meia-hora. Meia-hora, meu caro leitor. TRINTA minutos. E hoje eu gastei exatamente NOVENTA E QUATRO minutos para chegar à boca do caixa, isso mesmo porque, como pessoa idosa, tenho direito a atendimento preferencial. Avalie quem tem menos de 60 anos o que não deve sofrer naquele banco.
Cerca de oitenta pessoas estava na agência, e esse número se manteve praticamente constante durante o tempo em que estive lá. Havia umas 50 cadeiras, e muita gente de pé, incluindo gente mais velha do que eu.
Quando passou da meia-hora, liguei para o Procom. O atendente perguntou meu nome, registou a reclamação e disse que a fiscalização estava indo para o banco. Isso foi às 14 horas, mas saí de lá 15h30, depois que fiz os meus pagamentos, e não vi fiscalização nenhuma chegar.
Nunca fiz reclamação ao Procom, por isso não sei qual é o “protocolo”. Hoje, fiquei insatisfeita por não ter retorno da minha demanda. Liguei para lá de novo, e o atendente – era outro – me disse que a fiscalização não tinha condições de atender a todos os chamados – o que é razoável; e que se eu quisesse podia ia lá registrar a queixa.
Fiquei sem saber se o banco vai ser multado ou não. Fiquei sem saber se a fiscalização foi lá ou não.
Era apenas três caixas funcionando no Banco, numa agência sempre muito movimentada e no último dia do mês.
Queixei-me à funcionária do caixa que me atendeu a respeito da demora e invoquei a lei do atendimento em meia hora. Com muita delicadeza ela me informou que “a pessoa que fez a lei nunca havia sido caixa de banco”, o que me lançou em profundas reflexões sobre o ato de legislar. Então só homicidas podem fazer leis sobre homicídio?
Outra coisa que a gentil funcionária me informou foi que eu “havia ido ao banco num dia ruim, o último dia do mês”. Eu contrapus que a lei não dispõe sobre isso; que não há nenhum artigo sobre a exigência dos trinta minutos ser dispensada no último dia do mês. Finalmente ela disse que isso – a demora no atendimento – só acontecia porque as pessoas não usavam as máquinas que o banco tão generosamente colocava à disposição de todos.
Ainda levantou a possibilidade – tudo com muita gentileza – de que talvez eu pudesse ter usado as máquinas para o pagamento que eu ia fazer. Eu, também muito gentilmente, mostrei a ela o aviso impresso no DARF que eu estava apresentando no caixa. Como eram impostos atrasados, eu era OBRIGADA a pagar na boca do caixa.
Do episódio todo, fiquei com as seguintes impressões:
– O Procom atende com gentileza mas a gente fica sem saber se a queixa surtiu efeito ou não.
– Não sei se há site do Procom na Internet no qual eu possa reclamar. O atendente não me informou.
– A funcionária do Banco, sempre com muita gentileza, procurou argumentar comigo como se eu fosse uma débil-mental.
– Não adianta de nada este banco abrir na tela do meu computador dizendo que é “o banco da Clotilde”. Não é mesmo! Como poderia ser, tratando-me assim?
– Perdi duas preciosas horas da minha vida, roubadas ao trabalho que estava fazendo.
– Das cerca de oitenta pessoas que estavam na agência, a não ser eu, nenhuma reclamou, e também eu não encontrei solidariedade de ninguém na hora que reclamei. As pessoas desviaram o olhar quando eu reclamei em voz alta.
– Enquanto todo mundo ficar calado e não reclamar, nada vai mudar. Eu fiz – e faço – a minha parte.
Tenho os comprovantes de atendimento fornecidos pelo Banco, com os horários discriminados, para comprovar tudo o que afirmei aqui.
A cama show
Clotilde Tavares | 16 de abril de 2010Um dia desses fui em casa de uma pessoa conhecida e por algum motivo tive que ir ao interior da casa; vi então que a cama não estava feita, ou melhor, que os lençóis estavam apenas recolhidos para os pés da cama, os travesseiros amarfanhados guardando ainda o formato da cabeça de quem havia dormido ali.
Comentei com uma amiga sobre isso e ela disse: “Ah, Clotilde, pois eu também não forro as camas. Dá trabalho, e à noite vamos ter que desmanchá-las de novo para dormir! Assim eu acho que não vale a pena.” E perguntando a uma e a outra eu descobri que muita gente que não tem empregada e que faz sozinha ou com a ajuda do marido e dos filhos as tarefas domésticas não tempo nem costume de forrar as camas diariamente.
Pois eu aprendi desde menina quando fui interna no colégio de freiras a forrar a cama todo dia de manhã. E depois de adulta sempre ficava encantada com as maravilhosas camas dos hotéis em que me hospedava. Adorava chegar num hotel e me refestelar naquelas camas maravilhosas, cheias de lençóis, colchas, edredons, travesseiros altos e fofos, tudo meticulosamente arrumado.
Assim, numa época – há bem uns 20 anos – em que as camas-box não eram ainda tão acessíveis, comprei uma para mim e passei a produzi-la como uma cama de hotel. Bons lençóis, travesseiros fofos, edredons, almofadinhas, tudo combinando, com cores que variam a cada semana.
Assim o faço até hoje.
Tenho 62 anos, sou aposentada, escritora e blogueira em atividade e moro sozinha. Forrar a cama exerce um efeito muito benéfico na minha vida, pois quando entro no quarto para dormir todas as noites e vejo aquela cama show, sinto que não posso me deitar ali com o moleton ou o vestidinho caseiro que estava usando no sofá para ver TV. Seria quase como “estragar” a produção da cama. Aí, entro no banheiro, tomo um banho morno, visto uma camisola, escovo o cabelo, boto perfume…
Faz toda a diferença e não preciso estar dormindo acompanhada para sentir isso.
Parece bobagem, não é? Pois para mim, a cama-show é o barco que me levará aos calmos oceanos dos sonhos, aos mares tranqüilos do repouso reparador e que me trará, depois dessa viagem noturna, ao porto seguro da manhã seguinte.
Criança feliz
Clotilde Tavares | 13 de abril de 2010Vivo cercada por jovens, começando pelos filhos e sobrinhos, os amigos desses filhos e sobrinhos e os alunos e ex-alunos que sempre estão em torno de mim naquele eterno vai-e-vem que me deixa tão feliz.
A maioria deles vai casar, casou há pouco ou tem filhos pequenos. E me perguntam, até levando em conta minha condição de ter sido profissional de saúde durante boa parte da minha vida, quais são as coisas mais importantes para a saúde dos seus filhos.
Ora, é claro que são importantíssimos todos os cuidados gerais com a saúde da criança, como a observação do crescimento e desenvolvimento, as vacinas, a prevenção de problemas ortopédicos, a alimentação adequada, o sono. Mas existem três coisas que, na minha maneira de ver – e digo isso também como mãe – são fundamentais para uma criança.
A primeira delas é a segurança. E isso significa que a criança precisa saber que os pais estão por perto, que estão cuidando dela, que ficarão do lado dela quando for preciso, e que ela pode confiar neles. Pra se sentir segura, a criança precisa também de horários pra dormir e pra se alimentar. Precisa ainda de um lugar só dela, onde ela possa guardar seus objetos e brinquedos e ficar sozinha quando quiser. E precisa de disciplina, de limites, precisa saber exatamente o que pode e o que não pode fazer. Isso dá segurança a qualquer pessoa, e não somente à criança.
A segunda coisa que a criança precisa é a possibilidade de brincar. Hoje em dia, as crianças têm tantas atividades – natação, judô, balé, computação, inglês – que não podem mais nem brincar. E a brincadeira dramatizada, aquela brincadeira de criança de fundo de quintal, de faz de conta, de casinha, de soldado e ladrão, é fundamental para o desenvolvimento da criatividade e da expressividade do indivíduo, além de possibilitar a sua compreensão do mundo, da sociedade e dos seus semelhantes.
Finalmente, a terceira coisa e a mais importante: o AMOR. E não basta amar sua criança. É preciso demonstrar esse amor, sempre, todo o tempo, não só com palavras, mas com olhares, gestos e carinhos, de forma que a criança se sinta sempre e a todo momento envolvida numa aura permanente de afeição, segurança e amor.
Sem glúten e sem lactose
Clotilde Tavares | 5 de abril de 2010Pois então: uma das aquisições da minha terceira idade foi a descoberta de que não me dou bem com alimentos que contenham glúten. Quero dizer: nunca me dei bem mas só agora, com tempo para prestar atenção em mim mesma, vim me dar conta disso.
O glúten está presente no trigo, na aveia, no centeio e na cevada. E mais em um monte de alimentos que contêm esses cereais, ou que usam a farinha de trigo como espessante. É por isso que a gente encontra glúten em alguns alimentos como requeijão, por exemplo, que teoricamente não deviam conter essa substância.
Existem pessoas que não podem ter o menor contato com o glúten. São portadores da doença celíaca. Não é o meu caso. Eu tenho apenas uma intolerância média à substância e tenho vivido bem melhor depois que a retirei quase que completamente da minha alimentação.
Acabou-se todo o desconforto intestinal que era constante na minha vida e que se traduzia ora por constipação, ora por diarréia, e outros sintomas como distensão abdominal, por exemplo. Tudo me “fazia mal”. Eu, gulosa que sou, sofria. Consultados, os médicos diziam que eu tinha “síndrome do colón irritável”, prescreviam medicamentos sintomáticos, dieta sem tempero, sem cominho (que eu adoro), mas eu não ficava melhor. Então, observando e lendo, eu mesma entendi o que se passava comigo.
Além de não me dar bem com glúten, descobri que não me dou bem com a lactose – que é o açucar do leite, encontrada nesse alimento, nos produtos lácteos e em tudo o que leva leite na sua preparação. Isso também não é coisa nova, pois eu sempre passei mal quando havia excesso de leite e produtos derivados do leite na alimentação.
O complicado dessa situação é que eu fico com dificuldade de encontrar o que comer. Uma pessoa que não pode ingerir glúten nem lactose vai comer o que no café da manhã, que é geralmente à base de pão, biscoitos, queijo, leite? Pois é. Eu comi hoje iogurte com lactobacilos (os lactobacilos digerem parcialmente a lactose, diminuindo seu efeito danoso) com uma colher de sopa de linhaça. Depois, tapioca com manteiga, ovo e café. Estão vendo, como a gente consegue dar um jeito em tudo?
Voltarei outras vezes com esse tema. E veja esse blog que parece ter sido feito de encomenda para mim e que tem sido uma mão-na-roda nesses dias: Sem Glúten e Sem Lactose.
Dia Mundial da Água
Clotilde Tavares | 22 de março de 2010Há alguns anos, escrevi um folheto de cordel para ser usado numa campanha da Secretaria de Recursos Hídricos do meu estado, o Rio Grande do Norte. A Secretaria Nacional gostou tanto que reconheceu a autoria – coisa que raramente se faz em peças publicitárias feitas de encomenda – e incluiu na sua biblioteca de publicações.
Hoje, comemorando o Dia Mundial da Água, divulgo aqui esse trabalho
A ÁGUA É UM BEM DE TODOS, por Clotilde Tavares
Peço à Musa da Poesia
Que me dê inspiração,
E a você, caro leitor,
Eu peço a sua atenção.
Escute bem o que eu digo
E depois responda, amigo,
Se não estou com a razão.
Vou lhe falar sobre a água,
Este líquido precioso,
Que nos dá saúde e vida,
Torna o mundo mais ditoso.
Mata a sede da criança
E recobre de esperança
O chão mais seco e terroso.
A água é o grande recurso
Da nossa Mãe Natureza.
Seu valor é inestimável,
Quem tem água, tem riqueza.
Tudo brota, tudo cresce,
Com ela a terra floresce
E se cobre de beleza.
A água serve pra tudo
Que você possa pensar.
Serve pra matar a sede,
Pra comida preparar.
Serve pra molhar as plantas,
Suas vantagens são tantas
Que ninguém pode negar.
Serve para tomar banho,
Pra lavar roupa também.
Com ela se lava a casa,
O paiol e o armazém.
Água fornece saúde,
E a limpeza é uma virtude
Que só traz o nosso bem.
Leia o restante aqui.
As urupembas de alumínio
Clotilde Tavares | 29 de dezembro de 2009Uma das imagens que mais me impressiona quando viajo pelo interior é a visão das antenas parabólicas sobre os telhados das casas. Em alguns lugares, a imensa antena em forma de panela escora o casebre que parece se sustentar de pé apenas por obra da antena. Por pobres que sejam, a maioria tem parabólica. Numa pousada em que me hospedei um dia desses, a TV fica na sala, uma TV enorme, com uma imagem espetacular; sentado no sofá, um garotinho de calção e descalço, um indiozinho cariri, com o controle remoto na mão, dominando todas as estações, passeando pelos canais.
Aí está, penso eu, a síntese da nossa realidade. Imagens aparentemente contraditórias, inconciliáveis, mas que terminam resumindo as mudanças pelas quais o nosso país está atravessando, principalmente longe dos centros adianatados: o casebre e a parabólica, o indiozinho cariri e o controle remoto.
O dono da casa comentou comigo: “Antes dessa televisão, eu pensava que só tinha duas línguas no mundo: essa que a gente fala e o inglês. Agora eu sei que tem muitas línguas diferentes, língua que não acaba mais. Deve ser por isso que tem tanta guerra. Ninguém se entende…”
Em outra casa, vi uma mulher de 82 anos, professora aposentada, que mora com a irmã de 89 anos, já doente, de quem cuida. Sobre a velha e escalavrada mesa de madeira, que parece ter mais de um século, um espetacular aparelho desses grandes e modernos, em frente ao qual as duas se distraem. “E vêem que tipo de programa?” pergunto eu. “De um tudo, minha filha”, diz a mais nova. ” Mas o que a gente gosta mesmo é de rezar”. Rezar junto com a TV, evidentemente, acompanhando os inúmeros programas religiosos que existem.
O professor e poeta Geraldo Bernardo, que vive em Sousa, sertão da Paraíba, escreveu um divertido texto no qual fala sobre a parabólica, que ele chama de “arupemba de alumínio”, onde o matuto descreve o que viu na TV: “A primeira imagem que apareceu era uma galega toda entroncada, fazendo muganga com a bunda, uns negão com os dentes no quarador, a meninada inventou de rebolar, chamando aquilo de pagode.” E continua, divertido e espantado: “E o cabra continuou mudando de imagem, era cada coisa diferente, tinha desenho de bicho fazendo papel de gente, cada lapa de mulher, Zé de Lídia chega babava…”
O matuto, então, questiona: “Agora pergunto pra que? Uma bacia de alumínio em cima da casa, encandeando os olhos dos outros? Não serve para soprar arroz, café ali não se torra, se pelo menos juntasse ága! Mas eu mesmo espondo qual a sua serventia, ou será que ninguém percebeu, que com esse progresso da ciência muito menino nasceu? Hoje em dia, mulher velha, parideira, sabe menos das coisas de que essas meninas, de tanto verem nas novelas amancebo, baitolagem e coisa e tal, em tudo que é canal. Enquanto isso, as parabólicas vão aumentando, as saias diminuindo e o sertão se enchendo de menino…”
Natal: a festa da Fé
Clotilde Tavares | 24 de dezembro de 2009Observo, com alguma surpresa, que o Natal já foi uma festa pagã, depois tornou-se cristã, e pelo visto está prestes a se tornar pagã novamente pela corrida desenfreada às lojas, pela substituição das igrejas pelos shopping-centers como lugares de celebração, e por ter se tornado para muita gente uma festa sem significado, sem reverência, sem milagre.
Há ainda um aspecto interessante. O Natal é antes de tudo uma festa de família, que desde o tempo do paganismo sempre foi comemorada em família, no interior do lar, em volta de uma ceia. Mas hoje em dia geralmente estamos cansados, estressados e cheios de obrigações de última hora. São as duras injunções da vida moderna, dita “civilizada”, que nos arrasta a esse torvelinho de compras de última hora, embalagens para presentes, confraternizações, amigos secretos e muita agitação no trânsito, aumentando o número de acidentes.
Não posso deixar de me lembrar dos natais da minha infância, quando não existia essa entidade chamada shopping-center em torno da qual se estrutura praticamente toda a nossa atividade natalina. Naquele tempo as coisas eram mais simples, menos sofisticadas. Quando criança, nunca me levaram para “ver Papai Noel no shopping” ou em qualquer outro lugar. Em Campina Grande, no início da década de 1950, coisas como essas eram distantes dos nossos festejos, e como Papai vez por outra estava desempregado, havia natais em que não adiantava colocar o sapatinho na janela do quintal porque o bom velhinho não vinha mesmo.
Mamãe, com sua sabedoria, contou a mim e a Bráulio que Papai Noel era o pai da gente mesmo, mas só quando havia dinheiro; e que se em um ano as coisas estavam ruins, era sinal de que no outro ano elas estariam melhores. Dessa maneira simples, nos ensinou a Esperança. E não sei como, dava um jeito de arranjar uns trocados e nos levava para “a festa”, que era como chamávamos o parque de diversões armado em toda a extensão da avenida Floriano Peixoto, a principal rua da cidade, com roda-gigante, carrossel e os pavilhões onde todos bebiam e comiam à vontade. Lá, dava algumas voltas conosco no carrossel e depois voltávamos para casa, ainda tontos e com os olhos cheios das luzes em redemoinho… Não havia ceia, nem presentes, mas estávamos felizes.
Hoje não é mais assim. As estatísticas mostram que na época de Natal há maior incidência de crises de depressão e de suicídios, principalmente entre pessoas idosas. Há uma condição já reconhecida na clínica chamada “Christmas blues” ou “depressão de Natal”. A pessoa sente-se triste, desamparada, desanimada, sem perspectiva. Os encontros de família contribuem para tornar mais intensos ainda esses sentimentos, e fica-se muitas vezes lembrando do que passou, mas não com aquela saudade boa e nostálgica, de quem “foi feliz sem saber”: ao contrário, a lembrança vem cheia de dor e solidão, de sentimento de perda irreparável, de profunda tristeza, de angústia extrema.
É por isso que tem gente que simplesmente “detesta o Natal”. Esta “depressão de Natal” tem alguns fatores desencadeantes: sentimentos de culpa por coisas mal resolvidas do passado, estresse e cansaço (isso acontece quando o freguês entra na maratona de compras-ceia-comemorações) e dificuldades com a família.
Como se defender da praga? Cuidar da cabeça, de preferência com ajuda profissional; minimizar as expectativas, não esperando de uma simples festa de Natal mais do que ela pode dar; procurar não se cansar muito fisicamente, comer e beber com moderação, pois afinal não estamos cobertos de neve para precisarmos nos empanturrar de calorias; ter tolerância e compreensão com a família reunida, e respeitar as esquisitices de cada um, não se envolvendo em disputas; não tomar resoluções drásticas e superiores às nossas capacidades; e, finalmente, permitir-se ficar triste e ter saudade, pois a tristeza e a nostalgia pelo que se foi são sentimentos naturais e devem ser experimentados, respeitados, aceitos e vivenciados.
Finalmente, lembrar novamente do Milagre. Sugiro a você, que está triste, que escolha o Natal deste ano como a festa da Fé, a festa do Milagre e a celebração da Esperança. Não importa o que aconteceu: se houver Fé na possibilidade do Milagre isso já é garantia de que o Milagre aconteça.
Feliz Natal.