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GERÚNDIOS

Clotilde Tavares | 21 de julho de 2024

ESTOU…

 

… BEBENDO o mar quando está salgado e o rio quando está doce.

… CONTANDO calorias e estrelas.

… COMENDO menos do que a fome pede e mais do que preciso para perder peso.

… ESCREVENDO pouco mas

… IMAGINANDO pra caramba.

… CAMINHANDO e cantando e seguindo a canção.

… LENDO o livro sobre história cultural do parto, da maravilhosa Simone Diniz.

… OUVINDO música revolucionário latino-americana.

… COMPRANDO objetos e utensílios de cozinha para mais uma experiência como dona-de-casa.

… PREPARANDO receitinhas no Air Fryer.

… SENTINDO que uma nova mudança em breve vai acontecer.

… ADIVINHANDO chuva.

… DORMINDO como criança.

… SONHANDO como adulta.

… ESQUECENDO de tudo minutos depois.

… ACOMPANHANDO o trajeto das nuvens e o rumor dos rios subterrâneos.

… PROCURANDO fatias do rio entre os edifícios que pontuam o horizonte.

… ACENDENDO velas para Santa Zoraide na tela do iPhone.

… ACREDITANDO em milagres, sempre.

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Gerúndios

Estranhas iguarias

Clotilde Tavares | 3 de julho de 2024
Uma das mais doces recordações da minha infância – e quando uso a palavra doce peço que me entendam literalmente – era quando minha tia Adiza, que morava conosco em Campina Grande, fazia uma de suas viagens ao interior da qual sempre trazia, como raro e precioso troféu, uma ou duas latas de chouriço. Esta estranha iguaria, que é na verdade um doce feito com sangue de porco, açúcar, farinha e especiarias era considerado artigo de luxo entre nós, pela dificuldade em obtê-lo, e vinha acondicionado em latas de leite em pó, que ficavam na mais alta prateleira do armário. Nada, porém, era suficientemente inacessível para a nossa gulodice e, armados de uma colher de sopa, abríamos as latas e mergulhávamos a colher naquela substância negra e macia, ornada de castanhas, e roubávamos uma ou duas colheradas. Era o bastante, pois a mistura era forte e podia nos colocar com os intestinos desregulados se comêssemos muito, denunciando o atentado ao doce patrimônio de Mamãe e Titia.
Há um doce muito parecido com esse no universo culinário nordestino: é um doce de gergelim, chamado “espécie”, que conheci já na idade adulta por um amigo que, indo ao confins paraibanos, trouxe para mim a preciosidade, que tem a mesma aparência do chouriço mas difere em relação à base, ao ingrediente principal, que no chouriço, é o sangue de porco e, na “espécie”, é o gergelim. Além disso, o chouriço é mais compacto, mais consistente e a “espécie” mais cremosa, e de sabor mais suave.
Cascudo define um e outro. Segundo o Mestre, chouriço é o mesmo que “morcela”, nome comum em Portugal, e dá a receita, constante no seu Dicionário do Folclore Brasileiro: uma tigela de farinha de mandioca peneirada e outra tigela contendo os seguintes ingredientes: erva doce, pimenta do reino, gengibre, cravo, castanha de caju assada bem seca, gergelim, tudo pilado junto e passado na peneira. Faz-se o mel de rapadura, esfria-se e mistura-se em fogo brando com o sangue de porco, mexendo para não encaroçar. Depois de fervido, coa-se, junta-se a farinha e os temperos, leva-se novamente ao fogo e vai-se despejando lentamente a banha derretida de porco, em fogo alto, mexendo-se vigorosamente até despregar do tacho, coisa que deve acontecer depois de umas duas horas. Come-se frio, com farinha fina.
E as quantidades, perguntaria você, meu caro e exatíssimo leitor. De que tamanho é essa tigela? Quantas rapaduras se usa para fazer o mel? Qual a quantidade de sangue de porco, e como se deve obtê-lo? E eu sei? Quem sou eu para saber de coisas tão misteriosas? Receitas como essas, feitas “no olho” durante tantos séculos, passadas de mãe para filha desde os tempos em que se amarrava cachorro com linguiça, nunca trazem as quantidades e para realizá-las você vai usando o bom-senso, repetindo o preparo e testando as quantidades até encontrar a medida certa.
Então, para a sua satisfação, passo-lhe também a receita do doce de gergelim, a famosa “espécie”, uma das muitas que existem na Internet, dessa vez com as quantidades exatas e perfeitamente passíveis de reprodução.
Coloca-se um copo americano (chama-se “copo americano” aquele comum, de bar) de gergelim em uma panela e leva-se ao fogo para torrar. Quando estiver estalando retira-se do fogo e mexe-se até esfriar um pouco quando se deve misturar uma colher de sopa de cravo da Índia torrado e meio copo americano de castanha de caju assada e sem pele. Passa-se tudo no moinho ou no liquidificador, coloca-se numa panela, junta-se uma colher de sopa de manteiga e quatro copos americanos de mel de rapadura. Leva-se ao fogo, mexendo sempre até aparecer o fundo da panela. Enfeita-se com castanhas. Quem ensina a receita, acrescenta que o gergelim pode ser moído ou liquidificado. Para não “embolar”, deve-se colocar no liquidificador, uma porção de gergelim e igual quantidade de farinha de mandioca, pois a farinha “enxuga” o gergelim.
Quanto ao chouriço, há o doce e há o embutido, uma espécie de linguiça, que recebe o mesmo nome. Tratei aqui somente do doce e, se for procurar a receita na Internet, fique atento para não confundir um produto com outro.
No mais, é ter muito cuidado com essas preciosidades culinárias pois são hipercalóricas, desequilibrando sem remédio qualquer dieta de emagrecimento. E bom apetite.
Ah, e esqueci de dizer que quem tiver acesso e quiser me dar um ou outro de presente, eu aceitarei de bom grado e garanto que lhe serei eternamente agradecida pela doce oferenda.
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Campina Grande, chouriço, culinária nordestina, culinária popular, doce de gergelim, doce de sangue, espécie, receita de doce

Imagine um hipopótamo

Clotilde Tavares | 11 de julho de 2023

Pablo Escobar, o traficante colombiano de quem a maioria conhece a história, era doido por animal selvagem e montou um zoológico particular na sua propriedade, mandando buscar no continente africano girafas, zebras, elefantes, dromedários, búfalos, cangurus, flamingos, avestruzes e outros.
Trouxe também hipopótamos. Alguns acabaram por fugir e ao que parece já são cerca de 120 animais, habitando em liberdade e causando desequilíbrio ecológico ao longo do rio Magdalena. Se você teclar no |Google <hipopótamos de Pablo Escobar> vc vai encontrar muitos artigos e repoetangens que dão detalhes do caso.

No Spotify, no link a seguir, você também encontra a canção “A Hipótese do Hipopótamo Tartamudo”, criação genial de Braulio Tavares, que merece uma “oitiva” atenta. De tanto acompanhar as CPIs incorporei o termo oitiva ao meu vocabulário corriqueiro. <https://open.spotify.com/track/52BBz1rxn3WtslVR8XYldp?si=Mr-WDs0ySQKKmuvI6xkD6w&context=spotify%3Asearch%3Abraulio%2Btavares%2Bhipopotamo>

Eu queria muito falar mais sobre esses animais espetaculares, pelos quais tenho fascinação e encanto; mas meus poucos leitores vivem reclamando dos meus longos textos (ah, vou publicar algo sobre isso em breve); por isso vou economizar para transcrever abaixo um texto poético sobre o portentoso bicho, pescado diretamente do Livro de Jó, Capítulo 40, versículos 15 a 23, na tradução publicada na Bíblia do Peregrino (Editora Paulus, 3ª. edição, 2011), tradução que recomendo a quem, como eu, lê este livro espetacular pelo seu valor histórico, poético e literário..

“… Olha o hipopótamo,
que eu criei como a ti;
come erva como as vacas.
Olha a força de suas ancas,
a potência do seu ventre musculoso
quando ergue sua cauda como um cedro,
trançando os tendões das coxas.
Seus ossos são tubos de bronze,
sua ossatura, barras de ferro.
É a obra prima de Deus,
só seu criador pode aproximar dele a espada.
Os montes lhe trazem tributo,
os animais selvagens brincam junto a ele;
ele se deita debaixo dos lótus,
e se esconde entre os juncos do pântano;
cobrem-no os lótus com sua sombra,
envolvem-no os salgueiros da torrentes.
Embora o rio desça bravo, não se assusta,
está tranquilo, ainda que o Jordão
espume contra seu focinho. …”

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A máquina do tempo

Clotilde Tavares | 16 de abril de 2021
Nesta sexta-feira, 16 de abril de 2021, estou no segundo dia das férias de quatro dias que me propus, sem ler nenhum texto acadêmico, para sossegar a cabeça de tanta teoria e dos abruptos deslocamentos temporais que as duas disciplinas que estou cursando na UFRN me proporcionam. Vivo em constante e sobressaltado traslado entre o século XIX da época atual (História do Brasil Império) e o século XX da era pré Cristã (História Antiga), com rápidas e traumáticas passagens pelo Brasil de 2021 (ano 2 da Era Pandêmica). Minha vontade mesmo é me mudar para o tempo de Amenophis IV e ser vizinha de Nefertiti. Aí, como sempre estou enrolada com essas questões de tempo, repito abaixo esse pequeno exercício, que já fiz algumas vezes, e que deixo como sugestão para que você também o faça, se o tédio estiver lhe perturbando e você não acha nada de interessante pra fazer.
Em 16 de abril de … eu estava em…
1971, sexta-feira – Em Natal, eu cursava o 2º ano de Medicina. Fui à aula de Neuro-Anatomia, e à tarde Bioquímica. Morava na rua Pinto Martins.
1981, quinta-feira – Morava na rua da Saudade. A anotação no diário é lacônica: “O dia lendo.” Não diz se dei aula, ou se fui trabalhar, ou o que seja.
1991, terça feira – Tem escrito: “Ensaio”. Provavelmente da peça Papai Pirou nas Ondas do Rádio, primeira peça que fiz com a Stabanada Cia. de Teatro.
2001, segunda-feira – Há uma anotação para ligar para Hugo Manso e Tácito Costa. À noite, eu coordenava o projeto Sala de Leitura, na livraria A.S. Livros. Nesse dia, a convidada foi a professora Vania Gicco.
2011, sábado – Eu estava em Belo Horizonte, passando uma semana com minha nora, Valentina. Nesse dia fomos almoçar com Rômulo, meu filho, e o pai dela, Roberto, no restaurante Xapuri, onde comi todas aquelas gostosuras mineiras.
2021, sexta-feira – Aqui com você, refletindo como o tempo passa e como 50 anos (1971-2021) terminam ocupando poucas linhas de um registro como esse.
COMO SEI tudo isso? Pelas minhas agendas e cadernetas, que guardo desde a adolescência.
#Tempotempotempotempo #FaçoUmAcordoContigo
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O testamento do Judas

Clotilde Tavares | 3 de abril de 2021

Em Campina Grande, onde nasci e fui criada, era tradição malhar o Judas na noite de sábado de Aleluia. A gente construía o boneco, pendurava num poste, e ficava vigiando pra ninguém roubar; à noite, lia-se o testamento onde ele relatava as maldades e distribuía o que tinha. Depois, começava a malhação. Os testamentos eram muito engraçados mas esse que publico hoje já é fruto da minha mente mais madura e menos dada aos desfrutes da adolescência. Foi escrito há uns dez anos, e dormia sossegado numa gaveta. Agora, acordou.

O TESTAMENTO DO JUDAS – Versos de Clotilde Tavares

Eu vou ler para vocês
Com toda solenidade
O testamento de quem
Na vida só fez maldade
Foi só ódio e avareza
Zombou da honestidade
Praticou tanto a mentira
Que se esqueceu da verdade
Semeou fofoca e intriga
Cultivou a inimizade
Nunca soube o que era amor
Muito menos lealdade.

E o que diz o testamento
De quem nunca fez o bem?
– Não diz nada, meus amigos
Nada deixou pra ninguém
É uma página em branco
Nem uma linha contém.

E quem é essa pessoa?
Quem é esse marginal?
– É Judas Iscariotes
Que de forma tão brutal
Vendeu Jesus ao carrasco
Causando dor sem igual
Mas também é qualquer um
Que pratique obra do mal
Seja mulher, seja homem
Seja qualquer um mortal
Que tenha o crime na mente
Seja cruel, desleal
Ladrão, voraz e corrupto
Demagógico e venal
Falso, orgulhoso, bandido
Desprezível e imoral.

O Judas Iscariotes
Não está muito longe, não
Vive tão perto de nós
Ombro a ombro, mão a mão
É aquele parlamentar
Vendido à corrupção
É o burocrata cretino
Que nega autorização
Pelo prazer de negar
Porque ama dizer não
É o playboy dirigindo
Bêbado e na contramão
É o pai que abandona os filhos
É o padre que, no sermão
Prega uma coisa e faz outra
Sem a menor contrição
É o médico que atende mal
Buscando só o cifrão
É quem depreda o ambiente
Causando a poluição
Quem agride a natureza
Sem pensar no seu irmão
Quem liga o som nas alturas
Enlouquecendo o cristão
Quem falsifica remédio
Quem põe bromato no pão
Quem pratica só pecado
E prega a religião.

O fantoche pendurado
Que vemos nesta viela
Simboliza todos eles
Filhos de uma cadela
Vamos acabar com eles
Acabando por tabela
Com toda a raça de Judas
Aqui desta cidadela!

Mas antes de fazer isso
Eu peço mais paciência:
Vamos fazer autocrítica
Com a mão na consciência
Será que também não somos
Como Judas, com frequência?
É fácil olhar os defeitos
Dos outros na sua essência
E esquecer dos que nós temos
Disfarçar sua aparência
Posar de honesto e bonzinho
E simular coerência.
É certo que muitas vezes
Praticamos conivência
Permanecemos calados
Por medo e por displicência!
Vamos fazer este exame
Sem a menor complacência
Quem sabe não será isso
A sonhada transcendência
Que vai nos aproximar
Da mais divina indulgência?

Pois vamos malhar no Judas
Sem dó e sem compaixão
O tom da maldade humana
Da qual temos um quinhão
Mas vamos malhar sem raiva
Fazer disso diversão
Vamos malhar com alegria
Com prazer e com tesão
A raiva ofende a saúde
E contrai o coração
Dá cefaleia e gastrite
Provoca a hipertensão
Vamos fazer o brinquedo
Começar a malhação
Vamos lá, rapaziada!
Arraste o Judas no chão!

Versos de Clotilde Tavares

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O banho

Clotilde Tavares | 3 de fevereiro de 2015

banhoidademedia

Nesses tempos de falta de água, talvez a coisa certa seja retomar um costume da Idade Média, quando o banho era um acontecimento anual. Uma grande tina com água quente era colocada no aposento principal – muitas vezes o único aposento do domicílio – e o dono da casa tinha o privilégio de se banhar primeiro. Depois, e nesta ordem, vinham os filhos homens, e outros homens como sobrinhos e cunhados, então as mulheres, as crianças e, finalmente, os bebês. Nessa fase a água já estava tão suja que era fácil algo ou alguém se perder dentro da tina. Daí a frase, “Não jogue fora o bebê junto com a água do banho.”

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idade media, nao jogue fora o bebê com a agua do banho, seca no sudeste
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Uma visita importante

Clotilde Tavares | 24 de janeiro de 2015

Alessandra Stewart e eu. Dezembro de 1989.

Em 1989 eu morava em Capim Macio. Numa noite de dezembro, convidei uns amigos para comemorar meu aniversário e preparei tudo para recebê-los no jardim da frente. Dezembro todo mundo sabe como é: festa em todo canto, e como meu aniversário é no dia 14, sempre há dificuldade de juntar gente nesta data ou perto dela. Principalmente nesse ano, pois a minha festa coincidia com o FESTNATAL/Festival de Cinema e o Carnatal. Ao convidar meu vizinho da frente, Mano Macário, nome artístico de Luiz Antonio da Silva, ele disse logo que não podia vir, pois ia sair no bloco das Kengas, no Carnatal.

Mano era – e ainda é – um homem muito bonito. Nessa época, estava usando cerrada barba negra e me disse que ia tirar a barba para a caracterização que usaria no bloco, onde ia fazer “uma mocinha”. “Não seja por isso”, eu falei. “Quando sair do bloco, passe aqui, com o visual de mocinha mesmo, que eu terei prazer em lhe receber. Vou inventar para os convidados que estou esperando uma atriz do Festival de Cinema.” E assim ficamos combinados, as horas passaram, chegou a noite e os convidados começaram a chegar.

Anunciei que estava esperando a atriz Alessandra Stewart, amiga minha, que estava no elenco do filme “Faca de Dois Gumes”. Falei que tinha conhecido ela no Rio há tempos e que tínhamos ficado muito amigas. O nome, obviamente, era inventado e não havia atriz com esse nome no elenco do filme. Uma das minhas amigas disse logo: “Ah, eu sei quem é.” E outra perguntou: “Não é aquela que trabalhou no filme Tal?” e eu: “É essa mesma.” E enfeitei a mentira: “Ela passou um tempo nos Estados Unidos e voltou só pra fazer esse filme.” A primeira amiga comentou: “Ela é linda! Muito boa atriz.” E a outra: “Não é ela que teve um caso com Reginaldo Farias?” E eu: “Essa mesma!”

Essas minhas duas amigas são daquele tipo que sabem de tudo, viram todos os filmes, leram todos os livros e conhecem tudo – você entende, você deve conhecer gente assim. E a festa foi correndo e eu alimentando o suspense: “Alessandra está demorando!” E as outras, ansiosas pra conhecer a celebridade: “Mas ela vem?” E eu: “Vem sim, ela prometeu.”

E lá pras tantas chega no portão Mano Macário, com um minivestido preto de bolas brancas, peruca arrasadora, sem barba, maquiadíssimo, salto alto, uma verdadeira patricinha. Obviamente, via-se que era um homem vestido de mulher, mas irreconhecível até para os seus amigos, acostumados e a vê-lo com a frondosa barba preta. Quando eu o vi, saí aos gritos: “Alessandra Stewart, quanta honra! Entre, querida, pois quero apresentá-las às minhas amigas.” E vou te contar: dinheiro nenhum paga a cara das duas quando viram a presepada.

Foi lindo.

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Alessandra Stewart, Carnatal, cinema brasileiro, Faca de dois gumes, FestNatal, hoax, Kengas, Mano Macário, Memória
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Noite de terror

Clotilde Tavares | 12 de janeiro de 2015

ogrito

Em meados dos anos noventa a Reitoria da UFRN me convocou para acompanhar uns alunos em um projeto. Quarenta e cinco rapazes e moças, de cursos variados, três dias numa cidade pequena para “um experiência de troca com a comunidade”, seja lá o que isso signifique. Minha função era circular pela cidade olhando o que os estudantes estavam fazendo e dando uma força se necessário.

E lá fui eu arrumar a bagagem: colchonete, cobertor, travesseiro, uma toalha, roupas. Como sempre, levei caderno, caneta, um livro pra ler, o celular (que não funcionou – era anos 90), a câmera. Nessa época, eu estudava astrologia e tarô, e levei meu baralho, uma caixa de fósforo e a vela que acendia sempre quando estudava o oráculo. Em um carro da universidade lá fomos nós, Serra do Doutor acima, muito acima de Currais Novos para esse lugar chamado Lagoa Nova, em pleno mês de maio, onde o clima era igualzinho ao da minha Campina Grande, aquela aragemzinha fina, fria, tão gostosa e tão limpa, principalmente com céu azul e sol brilhando. Os quarenta e cinco estudantes descobrindo a América. Dormir no chão, sobre o colchonete de 2 cm de espessura, usar banheiros alagados e unissex, comer gororobas indescritíveis e ensinar ao povo “inculto” o que é certo, o que se deve comer, como lavar as mãos, como se deve educar os filhos e etc. Investigar, pesquisar, aplicar formulários obsoletos desde a década de 1970, quando já eram uma metodologia ultrapassada.

Na primeira noite, os trios elétricos do Carnaval fora de época de Currais Novos, o Carnaxelita, colocam em estado falimentar o fornecimento de energia da região e a escuridão desce sobre a cidade e sobre o alojamento. A noite é chuvosa, sem lua nem estrela, e nada se enxerga, um verdadeiro breu. No banheiro, uma mocinha, nua e ensaboada, grita aterrorizada, tomada de pavor por causa da escuridão. Grita, grita sem parar, uma gritaria assustadora. As amigas informam: “Ela morre de medo do escuro.” Freneticamente, só pelo tato, desarrumo minha mala tão bem organizada para encontrar a vela e o fósforo que iria usar para a leitura do baralho e que é a única vela de todo o alojamento. Acesa, acalma-se o pânico da donzela, que é resgatada do banheiro, pálida e molhada. As amigas deitam-se com ela, colchonetes unidos, e quando a vela acaba trazendo novamente a escuridão, a criatura é tomada de pânico mais uma vez, e recomeça a gritar. E assim vai até que a madrugada trazer a claridade. Com o Sol, a calma desce sobre o alojamento, com estudantes e professora extenuados pela noite de terror. A vida às vezes parece um filme. Pois é.

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Dez moedas de ouro

Clotilde Tavares | 28 de julho de 2014

moedas

Essa é uma história acontecida há muito tempo, nas eras medievais. Dizem que um jovem apaixonou-se perdidamente pela bela mulher de um comerciante com o qual ele negociava. A mulher era tão linda que parecia uma santa, e o rapaz ficou encantado com aquele rosto alvo e puro, com aqueles olhos azuis e com a boca delicada, rósea como um botão recém-colhido. O corpo era esguio, flexível e quando ela andava parecia deslizar, flutuando sobre o solo.

Romântico, o jovem compôs logo alguns metros de pura poesia lírica e mandou entregá-las à jovem por um menino de recados, porque acreditava-a virtuosa mas não inacessível, e tinha fé que ela, mesmo casada, se rendesse ao seu amor. Mesmo que houvesse uma certa resistência durante algum tempo, ele confiava na sorte e estava pronto para uma longa e dedicada corte.

Qual não foi sua surpresa quando o menino voltou e lhe avisou que a mulher, assim sem mais nem menos, e sem sequer ler o poema que lhe tinha sido enviado tinha dito que sim, que aceitava, e que se deitaria com ele naquela mesma tarde por dez moedas de ouro!

Vendo o seu ideal cair por terra, e ainda surpreso pelo rumo que as coisas tinham tomado, o rapaz logo se recuperou e começou a pensar em um jeito de castigar a dama pelo caráter interesseiro e mercenário. Pensou, pensou, pensou, e teve uma ideia.

Foi à loja do marido – que era comerciante e conhecido dele, como o meu caro leitor deve estar lembrado – e pediu-lhe dez moedas de ouro emprestadas. De posse do dinheiro, e depois de se certificar que o marido estaria o dia inteiro fora, dirigiu-se até a casa da mulher onde se apresentou, entregou-lhe o dinheiro e observou quando ela guardava as moedas na gaveta de uma mesinha que havia na sala. Em seguida, dedicou-se por toda a tarde às artes amorosas, na cama, no tapete, na varanda, no jardim, e onde mais lhe deu vontade, gozando o ardor da dama, até que se deu por bem pago pelas dez moedas de ouro. Voltou para casa à tardinha, onde banhou-se, jantou e aguardou que a lua se erguesse sobre os telhados da cidade.

Aí, foi novamente à casa da mulher, sendo recebido dessa vez pelo marido, que já havia chegado da loja. Sentou-se, aceitou um copo de vinho e informou ao comerciante que não ia demorar:

– Só passei aqui hoje à noite – disse o jovem – para lhe avisar que não precisei do dinheiro, e como não quis ficar andando por aí com quantia tão elevada, achei melhor passar aqui e deixar com sua esposa. Ela guardou as moedas na gaveta daquela mesinha.

O marido se virou para a esposa que, sem jeito e sem poder negar, mesmo porque o dinheiro ainda estava onde ela havia guardado à tarde, disse-lhe que realmente assim havia sido, e que tinha se esquecido de avisar-lhe.

O moço então se retirou, não sem antes atirar um olhar de desprezo para a mulher gananciosa e baixa que o tinha enganado com sua aparência de santa de altar. Se ela tivesse traído por amor, provavelmente a desculparíamos. Mas como traiu por dinheiro, tanto eu como você, caro leitor, estamos agora mesmo dizendo a mesma palavra: bem feito!

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Moda e geografia

Clotilde Tavares | 31 de maio de 2014

 

Ela pode!

Ela pode!

Eu tenho birra e impaciência com o atendimento em lojas. Não gosto que perguntem meu nome, porque não estou ali para fazer amizade e sim para fazer uma compra, Também me sinto estranha quando uma mocinha que eu nunca vi e provavelmente não vou ver de novo fica me tratando pelo meu primeiro nome, Clotilde-pra-lá, Clotilde-pra-cá. Algumas me chamam até de “Matilde”. Fazer o quê? Trato todo mundo com delicadeza, de Senhor e Senhora, até que a pessoa me dê cabimento. Se não dá, continuo na cerimônia. E gosto de ser tratada do mesmo modo. Mas agora, comprar qualquer coisa numa loja é iniciar um processo de relacionamento com o vendedor, um processo às vezes inusitado. Já falei sobre isto neste blog, aqui e aqui.

Terça feira que passou fui comprar uma sandália. Entro numa dessas franquias de calçados do shopping e a vendedora, por não ter em estoque sandália no meu número, me ofereceu uma bota. Cano longo, segundo ela, ficaria ótima para mim. 

Isso me lançou numa dúvida estética terrível, porque sempre achei que eu, com um metro e cinquenta e sessenta e nove quilos, pernas curtas e grossas, não fico muito bem com uma bota de cano longo. Como recusei, e ela insistiu, aleguei que queria mesmo uma sandália. A gentil vendedora usou então outro argumento. Você já sabe qual: o argumento de que a bota é o calçado mais apropriado para o inverno.

– Mas inverno aqui em Natal? –  pergunto eu.

E ela, didática:

– Bem, “Clotilde”, nós trabalhamos com as coleções de inverno porque nos baseamos nos lançamentos da última moda na Europa, e lá agora é inverno.

Então pirei de vez, caro leitor. Sempre pensei que nessa época fosse primavera na Europa, preparando um verão para o mês de julho, agosto, mais ou menos. Como já cheguei à conclusão de que não entendo de moda, devo estar desatualizada também quanto ao clima e à geografia.

Preciso com urgência me atualizar. Para os assuntos de moda, tenho a minha amiga Gladis Vivane e seu maravilhoso blog Salto Agulha. Mas para Geografia, ainda não sei a quem recorrer. Quem se habilita?

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