A forma da água (The Shape of Water, 2017)
Clotilde Tavares | 24 de janeiro de 2018
Todo ano nessa época eu “baixo” os filmes do Oscar e assisto todos. Por “filmes do Oscar” eu entendo não só os indicados a melhor filme como também aqueles que tem indicações de Melhor Roteiro e outros. Então, nesta última semana, foi uma maratona aqui na Bolha, onde eu e Ernesto vimos TREZE filmes.
Aqui na minha telona rolaram “American Sniper”, “Birdman”, “Boyhood”, “Selma”, “O Grande Hotel Budapest”, “O Jogo da Imitação”, “A Teoria de Tudo”, “Whiplash”. Desses, amei O Grande Hotel Budapest pela direção de arte, chorei feito boba com A Teoria de Tudo e como sou fã de Clint Eastwood achei American Sniper o melhor dos oito. Ernesto dormiu pesado aos 30 minutos de Birdman – eu ainda aguentei 40 minutos, mas me cansei com o diálogo excessivo e a câmera inquieta e também apaguei; e depois de ver uma hora de Boyhood ele e eu desistimos do resto quando vimos que o filme tinha mais de duas horas de duração com aqueles temas mais-do-mesmo.
Registro aqui que sentimos falta dos nossos diretores preferidos: os irmãos Cohen e Tarantino que, junto com Eastwood, fazem o cinema que gostamos de ver. Além desses vi ainda Foxcatcher, O Juiz (palmas para Robert Duval), Garota Exemplar (com alguns furos de roteiro mas se salvando no final), O Abutre (que concorre a melhor roteiro original e é bem interessante) e Into The Woods (vi mais por obrigação porque não tenho muita paciência com musical). Ernesto queria ver esse filme com Julianne Moore (Para Sempre Alice) pois ele é um fã ardoroso da atriz, mas quando eu descobri que era sobre uma pessoa com Alzheimmer vetei a exibição, porque tenho medo que atraia.
Neste domingo à noite estarei a postos para ver a premiação na TV. Eu não sou daquele tipo de gente que “torce” pela premiação, aposta e entra em bolão. Pra mim, o importante é ver os filmes, que considero uma boa seleção do caminho que a indústria cinematográfica está querendo seguir – o que, muitas vezes, se distancia do caminho da arte cinematográfica.
Mas isso é outra história.
https://www.youtube.com/watch?v=4rWpND28Jos
O mito, a personagem, o ator. James Dean, ou Caleb Trask? Rodolfo Valentino ou o Sheik? Wagner Moura ou o Capitão Nascimento? Marilyn Monroe, ou a loura do apartamento ao lado? Entre todos, aquela que fazia a terra tremer: Gilda. Nunca houve uma mulher como Gilda. Numa época em que era proibido pelos moralistas tirar a roupa nos filmes, Gilda anda pelo palco, meio desajeitada e cria o “bate-cabelo” mais imitado de todos os tempos. Levanta os braços, mostra nuca e axilas, tira lentamente a luva – só uma – e pronto: está nua, no palco e na imaginação da plateia. Gilda, mulher/mito criada há quase setenta anos pelo diretor Charles Vidor e encarnado por Rita Hayworth, ainda alimenta fantasias. Nestes anos em que vemos divas milimetricamente trabalhadas oito horas por dia nos aparelhos das academias e que se exibem em closes uterinos, Gilda flutua em cetim negro, toda nua/vestida e assumindo: “Put the blame on Mame, boy!”
No meio de uma palestra sobre teatro, levanta-se um camarada da plateia e me diz:
“Posso fazer uma pergunta impertinente?”
E eu:
“Não existem perguntas impertinentes; existem pessoas impertinentes. Mas vá em frente.”
E ele, depois das risadas da plateia, tasca:
“É verdade que na semana passada, depois que a senhora assistiu a peça Fulana-de-Tal, saiu do teatro dizendo que nunca mais ia voltar a ver uma peça na cidade?”
“É sim”, respondo, tranquilamente. “É verdade. Saí do teatro aborrecida, porque o espetáculo não me agradou e a cadeira era dura, minhas costas doíam. A afirmação foi um desabafo que fiz para quem estava na minha companhia e que você deve ter ouvido, ou alguém lhe contou, obviamente sem conhecimento do contexto.”
O contexto, minha gente. Não podemos esquecer o contexto – a peça sofrível, a dor nas costas, a cadeira dura.
Para demonstrar, pergunto à plateia, incluindo o meu interlocutor impertinente:
“Alguém sabe o que quer dizer a frase ‘Ainda teremos Paris’?”
Ninguém sabia. Para saber, é preciso assistir ao filme Casablanca, a obra prima de Michael Curtiz.
Em tempo: dois dias depois da fatídica frase lá estava eu no teatro de novo, assistindo outra peça. É como beijar de novo a boca que você prometeu esquecer.
Quem nunca?
Hoje eu quero aqui dar algumas dicas de filmes que tratam da questão da mulher e que são, além disso, obras de arte, delicadas e bem-feitas, cheias de questionamentos, interrogações, perplexidades, reflexões e – por que não? – diversão.
São filmes que trabalham quase todos na vertente da auto-estima feminina e da sua capacidade de virar o jogo e se afirmar, mesmo que isso resulte na destruição e na morte como vemos, por exemplo, em “Thelma e Louise” onde as protagonistas, depois de uma verdadeiro “tour de force” para escapar do machismo e seus preconceitos, encontram a liberdade na auto-destruição. Mas nem todos são assim trágicos.
O belíssimo “Flores de Aço” mostra mulheres de todas as idades, cada uma delas com seus problemas pessoais e particulares, que se agudizam em torno do casamento da personagem vivida por Julia Roberts. O filme é mesmo um belo hino à maternidade, e tem um desempenho magistral de Shirley MacLaine.
“O Clube da Felicidade e da Sorte” traz a história de mulheres de gerações diferentes, mães e filhas, imigrantes chinesas, vivendo nos Estados Unidos. A evocação dos dramas vividos no país natal, a forma como se relacionam com a sociedade americana e o dilema entre essas duas culturas faz desse filme uma grande obra de arte, sem contar a beleza das atrizes, todas orientais.
Winona Ryder está em “Patchwork”, representando uma jovem indecisa frente ao casamento. Sua mãe e amigas decidem bordar para ela uma “colcha de casamento”, seguindo a tradição, e enquanto constroem o bordado vão resgatando episódios passados de suas vidas, e resolvendo velhas pendências. Quando a colcha fica pronta, nada mais é como antes. Os desempenhos de Anne Bancroft e Ellen Burstyn são absolutamente magistrais.
Já em “Tomates verdes fritos” a narrativa se divide em dois níveis: enquanto duas mulheres rememoram o passado, a vida de uma delas vai se transformando, inspirada no exemplo dos relatos. A tônica do filme é o amor e a solidariedade entre mulheres, num mundo repleto de preconceitos e dificuldades.
Finalmente, o divertido “Clube das Desquitadas”, onde três mulheres abandonadas pelos maridos vão à forra; “A Garota de Rosa Shocking”, saboroso romance adolescente e, como é impossível resistir a uma história de Cinderela, o manjadíssimo “Uma linda mulher”, que sempre faz sonhar quem assiste. É isso aí.
Hoje é dia de celebrar a Vida. Aliás, todos os dias são para celebrar a Vida mas muitas vezes a gente se esquece disso, e passa pelas horas na maior correria, na pressa, sem refletir e sem desfrutar sobre essa coisa maravilhosa que é estar vivo: respirar, ler, blogar, ir ali na geladeira e tomar um copo de água, levantar do computador e passar um tempinho ali na varanda vendo o céu, o perfil sensual das dunas e os carros em disparada pela avenida.
Tudo isso é para dizer que a primeira notícia deste dia de hoje foi a morte do ator Patrick Swayze, que me veio assim que abri o Twitter. Ao falar em Morte sempre me lembro da Vida porque para mim ambas fazem parte de um par indissolúvel, estão tão entrelaçadas que é difícil falar de uma sem falar da outra.
Patrick Swayze é um ator de quem eu gosto muito, e sempre paro o que estou fazendo para ver de novo, novamente e outra vez Dirty Dancing ou Para Wong Foo, Obrigada por Tudo!, filme em que ele faz o papel de uma drag-queen.
Os puristas do cinema dizem que ele era canastrão, mas isso pouco me importa. Eu sempre gostei de Jack Palance e de Victor Mature, por que não gostaria do belo Patrick Swayze? Seu maior sucesso, Ghost, é moralista e piegas demais para o meu gosto, e só me interessa pelo desempenho de Whoopy Goldberg. Mas há uma filme dele, Steel Dawn (Lance Hool, 1987) onde ele faz o papel de um espadachim do futuro num mundo pós apocalíptico, um filme de ficção científica que eu gosto muito.
Bem, mas o belo e sarado Patrick travou mesmo sua maior batalha contra o câncer de pâncreas que o destruiu em poucos anos, levando-o aos 57 anos de idade. Morreu em sua casa, sem a tortura dos tubos e das ressuscitações nas UTIs tecnológicas, que só fazem prolongar a agonia.
Para ele, aqui, esta declaração de amor de uma fã, e o consolo de que, nas imagens gravadas que ficaram de seus filmes, ele terá alcançado a imortalidade.
Teatro e cinema: duas artes distintas, tão parecidas e tão diferentes. Quando o cinema surgiu, nos finais do século XIX, dizia-se que seria o fim do teatro; mas a luz elétrica, que deu suporte ao nascimento do cinema, também tornou possível ao teatro entrar numa nova fase estética, onde a iluminação passou a constituir um elemento importante da cenografia, sendo usada para desenhar espaços, suscitar climas, criar atmosferas. O cinema não acabou com o teatro e e ambos continuaram crescendo juntos, usando os mesmos elementos mas com diferenças que parecem pequenas mas são muito, muito grandes.
O primeiro desses elementos comuns ao cinema e ao teatro é a interpretação, em que uma pessoa (o ator) se transforma em outra (o personagem); o primeiro empresta seu corpo, sua voz, sua energia viva para esse que é um dos mais espetaculares fenômenos que é dado a alguém presenciar: a metamorfose. Do nada, usando apenas as palavras do texto e seu corpo, o ator cria um ser humano completamente diferente dele. Existe algo mais mágico, mais genial? Eu não conheço. Mas a interpretação é diferente para o cinema e para o teatro, e é por isso que grandes atores de teatro muitas vezes não se saem bem em frente às câmeras, e vice-versa.
O texto teatral também é diferente do roteiro cinematográfico em tudo, uma vez que neste último é preciso ter uma série de indicações técnicas que vão servir de guia para a filmagem, para a operação das câmeras propriamente ditas. Eu mesma sei escrever peças de teatro, já escrevi muitas, a maioria delas encenadas por aí, mas não sei nem para onde vai a técnica de escrever roteiros para cinema e muitas vezes fica difícil explicar para alguém, que quer porque quer que eu escreva um roteiro. “Mas eu não sei”, digo eu. “E você não escreve peças?” diz o outro. Escrevo, mas é muito diferente.
E quanto à maquilage, figurino, cenografia, a direção de arte como um todo, elementos também comuns às duas artes, é tudo muito muito diferente para o palco ou para a câmera. Só para tomar um elemento, o “close” do cinema é completamente impossível no teatro, onde nenhum espectador, pelo menos na maioria dos espetáculos, vê o ator da distância em que a câmera pega o ator de cinema. Também no cinema é permitido dar um leve suspiro, coisa que seria impossível no teatro. Os microfones sensibilíssimos do cinema captam qualquer tipo de ruído enquanto que no teatro, o ator pode até cochichar em cena mas tem de cochichar de forma a ser audível pelo menos até a fila “P”… (Aí ao lado uma foto histórica: Maria de Lia, Marcos Bulhões e esta que vos tecla, em 1991, na peça de Guto Greco “Papai Pirou nas Ondas do Rádio”. Ô saudade!)
Muitas vezes não nos tocamos das especificidades dessas duas artes porque não paramos para pensar no making-off de cada uma delas. Para mim, teatro e cinema, quando se misturam, são sempre fonte de excitação e prazer estético. Há alguns filmes sobre teatro que eu acho fundamentais para quem quiser experimentar esse prazer e, de quebra, conhecer o fazer teatral um pouco mais a fundo. A televisão também faz isso. Nesta semana a Rede Globo estreou uma série em que pretende retratar os bastidores de uma montagem teatral. Não gostei das últimas séries apresentadas pela emissora (“A Pedra do Reino”, “Capitu”, “Queridos Amigos” e “Maysa”) e como pensei que provavelmente não iria gostar dessa, me abstive de assistir, baseada também nos traillers que vi esses dias e na desvairada paixão que sinto pela obra de Shakespeare, que nos trailers me pareceu apenas servir de pano de fundo para mais uma bobagem global. Além disso, com essas minhas viagens entre Natal e João Pessoa nesta semana foi mesmo impossível.
Voltando ao assunto, sugiro com ênfase dois filmes. O primeiro deles é um filme de Woody Allen “Tiros na Broadway” (Bullets Over Broadway, 1994). Um diretor de teatro resolve montar uma peça de sua autoria; recebe o patrocínio de um gangster, e em troca tem que aceitar a namorada loura e burra do bandido no elenco. Além disso, o guarda-costas da loura, que vai toda noite ao teatro para os ensaios, parece entender mais de teatro do que o autor. É muito engraçado e um dos filmes menos conhecidos de Woody Allen.
O outro é um dos filmes de teatro que mais gosto: “Impróprio para Menores” (Noises off…,1992) dirigido por Peter Bogdanovich como o maravilhoso Michael Caine no papel principal. A expressão “noises off” significa algo como “sem barulho”, o que seria mais ou menos o desejo de todo diretor de teatro em relação à platéia. Mas o que você vai ver neste filme é exatamente o contrário. O diretor Lloyd Fellowes (Michael Caine) precisa estrear a peça no dia seguinte e os atores erram as falas a todo instante, saem para beber escondido, brigam nos bastidores, esquecem dos objetos de cena, tropeçam no cenário… Além disso, cada um desses atores vem de uma escola teatral diferente – um é stanislavskiano, outro vem da comédia – e isso atrasa e complica o ensaio, que vira uma loucura. O curioso é que o espectador – do filme, não da peça – tem o privilégio de vê-la duas vezes: uma do ponto de vista da platéia e outra depois, por trás, do ponto de vista dos bastidores.
Sempre levei esse filme para meus alunos de teatro assistirem. Era muito legal.
Então, aproveite.
NOTA – Relendo este post, que escrevi em 2009, vi que de lá pra cá aprendi a escrever também roteiros de filmes. Me solicitaram tanto que eu acabei correndo atrás, praticando e aprendendo. Nunca é tarde para novas aventuras.
Fui cineclubista por muito tempo na minha vida, principalmente quando era mais jovem. Em Campina Grande, no final da década de 1960, era uma das atividades mais interessantes da cidade. Reuniões, discussões, cursos e, é claro, sessões e mais sessões de cinema, numa época em que não havia computador, nem vídeo, nem DVD.
Rômulo Araújo, prevendo o futuro, dizia para o porteiro do Cine Capitólio, em Campina: “Um dia ainda levaremos o filme para assistir em casa!” E o porteiro sorria e respondia: “Vocês são uns visionários…” Então, tenho alguma experiência. Para mim, um cineclube é um espaço para discutir e compartilhar conhecimento sobre cinema. E penso também que é preciso atrair as pessoas para lá, mas como atrair gente nova apenas com projeção de filmes? Sobretudo filmes sobre os quais ninguém tem informação, a não ser as pessoas da área, as que entendem de cinema?
Essa reflexão me veio através de uma lista de discussão que assimo, onde os organizadores de um cineclube se queixavam do pouco interesse de jovens pelas suas atividades e da dificuldade de levar gente nova para o cineclube.
Penso que discutir cinema é discutir todo tipo de filme. Querem atrair gente nova para o cinema? Discutam os filmes que gente nova gosta! Discutam Batman, Homem Aranha, Juno, Volverine, e outros. Discutam os filmes do Oscar. Por que esses filmes foram indicados? Discutam Tropa de Elite (bem, acho que já passou o tempo de discutir Tropa de Elite, mas o exemplo serve para entender o que estou dizendo: discutam o que está rolando nas telas).
Afastei-me do cineclubismo porque terminou virando uma masturbação mental, de poucos “iniciados” discutindo horas intermináveis sobre Glauber, ou Bergmann. Nada contra esses cineastas ou seus filmes, dos quais gosto muito, mas tudo tem limite. E penso que não se deve discutir somente filme bom não. É preciso discutir os filmes “ruins”, para ver porque são “ruins”.
Funciona muito também ter uns cursos de vez em quando para atrair gente, ou ciclos de palestras sobre, por exemplo, “A jornada do herói no Senhor dos Anéis: comparações com Guerra nas Estrelas”, ou “A escatologia no cinema brasileiro: análise de O Cheiro do Ralo e Amarelo Manga.” ou “Zé do Caixão e seus filmes”, ou ” A obra de Michael Moore”, ou “A evolução dos efeitos especiais no filme de aventuras”, ou “Filme pornô também é cultura” (eita! esse foi de lascar!) ou o que seja.
Eu poderia sugerir aqui uma lista interminável de títulos de palestras. E terminar dizendo que o cineclubismo é uma das atividades mais interessantes para se participar, pois abre para o mundo e para as idéias, através da instigante arte do cinema.
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