A convalescente
Clotilde Tavares | 8 de julho de 2023
Pessoas me mandam mensagens no privado: – Clotilde, pelamor, diminua o tamanho desses textos.
Rapaz, eu sou uma escritora.
Então, pedir a mim para escrever textos menores é a mesma coisa que…
… pedir a um cantor para cantar somente a metade da música.
… pedir a um engenheiro para construir somente a metade de uma ponte.
… pedir à costureira para fazer uma calça somente com um perna.
… pedir ao cirurgião para operar e deixar a ferida aberta.
… pedir ao padre para encerrar a missa antes da comunhão.
… você já entendeu.
Ninguém é obrigado a ler textão.
Há outras mídias onde os textos são limitados, como o twitter, onde só cabem 280 caracteres – aí o pessoal do textão inventou o artifício do “fio”, ou “thread”, pra poder encompridar a conversa.
Finalmente: eu escrevo do meu jeito e do tamanho que gosto. E você também lê do jeito e do tamanho que quiser. Se a gente se encontrar no meio do caminho dessa leitura, seremos felizes juntos. Se não, seremos felizes separados.
Simples assim.
Aqui escrevendo, rasgando, corrigindo, deletando, copiando, colando, me irritando, me aborrecendo, querendo desistir, jurando que vou fazer outra coisa. Aí vejo os originais do grande Honoré de Balzac – diz a lenda que ele corrigia as provas impressas até por 20 vezes e enlouquecia os editores. Relaxo, tomo um café e volto ao duro e delicioso ofício de inventar do nada personagens e situações, porque a história já está dentro da minha cabeça e se não sair termina me fazendo adoecer. #AVidaÉBoa #VidaDeEscritor#NóisSofreMaisNóisGoza
A leitura melhor de todas é aquela que suscita pensamentos. Leio dez livros desses escritores modernos, que estão por aí ganhando prêmio e nada vem à minha cabeça. Mas imagine, por exemplo, o Grande Sertão, de Guimarães Rosa. Nem bem leio uma página que me levanto dali, acesa, inquieta, a cabeça variando de tanto insight que me chega. Aí caminho pela casa, lavo coisas na pia, mudo objetos de lugar, porque o pensamento em mim exige algo para as mãos, uma tarefa mecânica. E penso em todos os livros que quero escrever, e textos, e peças, e memórias, sabendo que não vou poder, que não vou ter tempo, porque para escrever qualquer coisa eu preciso pensar muito, dez, vinte vezes mais. Enquanto a espuma carrega a gordura da louça e depois é carregada pela água, os pensamentos escorrem um atrás do outro e eu preciso de espaço, caminho pelo apartamento, vou à varanda e espalho minha vista sobre a cidade, e parece que ouço tudo que se passa em cada canto dela…
Só para informar ao meu caro leitor: estou uma semana afastada da minha base em Natal, para inventar uma história.
“Minha base” é o meu apartamento em Natal, onde há múltiplos elementos captadores da minha atenção: montes de livros e revistas, TV fechada com muitos canais, conexão Internet de alta velocidade e as solicitações daquilo que chamo de “mundo exterior”: família, amigos e outros compromissos.
Aqui, onde estou, num chalé na Praia da Pipa, tenho apenas dez livros que trouxe de Natal; e para me conectar à Internet com velocidade tenho que sair do chalé e ir até a área comum da pousada, onde tem wireless. No chalé, meu modem 3G da Claro só tem meio G e eu não consigo me conectar com velocidade suficiente pra ficar de conversê no twitter, no MSN e no Facebook.
Então, fica mais fácil de cumprir o meu propósito aqui que é “escrever um livro”, denominação vaga para uma tarefa que inclui inventar e encadear histórias para acomodar os personagens que criei e que se movimentam a esmo na região do Cariri Paraibano – lugar onde vai se passar a narrativa.
Construo minhas histórias como uma aventura de RPG: invento um Universo, onde vai se passar a ação; depois invento os personagens. Aí, fica faltando a história, o enredo, os acontecimentos, que terminam sendo criados pelas relações que esses seres imaginários estabelecem uns com os outros, muitas vezes surpreendendo até mesmo a mim porque, quando a gente começa a escrever, a história começa a correr um pouquinho à nossa frente, e nos leva a lugares ou situações não previstos antes.
-o-o-o-o-o-o-o-o-o-
O lugar onde estou é um conjunto de chalés em meio a uma vegetação característica da Mata Atlântica embora sem grandes árvores. São chalés adoráveis, cercados por árvores pequenas e arbustos, com tudo que uma pessoa pode querer para ficar confortável e se sentir bem e segura.
Muita gente quer saber “com quem eu vim”: pois não vim com ninguém. Vim sozinha. Já deixei de fazer muita coisa na minha vida porque não tinha companhia. Agora, faço sozinha mesmo. Gosto de ficar só, de fazer meus próprios horários e, finalmente, com a Internet e todas as suas ferramentas de comunicação, só fica sozinho quem quer, não é, minha gente? Agora mesmo não estamos eu e você juntos, através deste texto? Pois é.
Finalmente, se rolar solidão, é só caminhar 15 minutos a pé para chegar até a rua principal da Pipa, e lá eu garanto que acontece de um tudo…
E veja só a cama em que estou dormindo. Ahhhhhhh…
Falta sossego pra escrever.
Falta sossego para sentar em frente ao teclado, focar o juízo e desenvolver uma ideia ou um raciocínio, defender um ponto de vista, inventar uma crônica sobre o nada e sobre coisa nenhuma.
Isso acontece quando há dentro de mim uma história querendo sair, um livro novo se gestando, com os personagens andando aleatoriamente por dentro da minha cabeça ou criando vida e me aparecendo pelos cantos mais inusitados da casa, mas ainda sem se entenderem uns com os outros ou saberem o que vão fazer.
Uma multidão de gente diferente, cada um com sua história, sua cara e seus objetivos, alguns sem objetivo algum, mas todos eles barulhentos, incomodativos, reclamadores de atenção, que é assim que são os personagens quando são inventados, antes que a gente – a gente que escreve – submeta eles à constrição e à disciplina do texto.
Por isso fica difícil escrever sobre outra coisa.
Eles não deixam.
Há uns três dias recebi um email muito simpático, de uma pessoa que me pede para ler alguns textos escritos por ela, e me pede também uma opinião. Eu fiquei aqui quebrando minha cabeça para ver de que forma eu ia responder isso e aí achei melhor escrever um post sobre essa situação, que é bem freqüente na minha vida: pessoas que me pedem opiniões sobre seus textos.
Para começar, minha rotina de trabalho é muito pesada. Sou professora universitária aposentada, o que faz muita gente pensar que eu não faço nada. Eu mesma alimento essa fábula quando me auto-descrevo no twitter como “fiscal da natureza…” e por sempre estar assim de forma leve e solta nas coisas que escrevo. Mas isso, essa leveza, essa soltura, tem a ver com meu temperamento e não com o volume de coisas que requerem minha atenção e com as quais me ocupo da hora que acordo à hora em que vou dormir – e algumas delas continuam a me ocupar mesmo durante o sono, povoando meus sonhos de interrogações.
Sou uma escritora em tempo integral. Isso quer dizer que eu escrevo de verdade, todo dia. Sempre estou escrevendo algo, como agora, e ao final deste post terei escrito aí umas 700 palavras. A maior parte das coisas que escrevo não se aproveita, e é assim mesmo em qualquer ofício ligado à Arte. Mas é preciso escrever, escrever sempre, para manter a habilidade em forma.
Fora escrever, é preciso ler, ler muito, ler os blogs e comentar, responder aos emails, administrar as listas de discussão na internet (umas 3 ou 4), atender aos telefonemas, preparar propostas de cursos e palestras e enviar a quem me pede, trabalhar nas pesquisas que dão suporte aos temas sobre os quais escrevo, ver filmes, ver programas de TV, assistir entrevistas, ouvir música. É preciso também fazer a comida, lavar a louça, limpar o apartamento, sair de casa para as inúmeras coisas da vida prática, conversar com os amigos e sair com eles, recebê-los em casa às vezes, dar atenção aos filhos e aos netos.
Então, dentro dessa rotina, não sobra muito tempo para ler e opinar sobre trabalhos que as pessoas me enviam, mesmo porque esse é um trabalho demorado porque dificílimo, delicado, cheio de implicações, onde a leitura tem que ser atenta e a opinião ou crítica expressa tem que ser ponderada, muito bem pensada e – mais difícil ainda – expressa com delicadeza de forma que não fira de nenhuma maneira o postulante que, ansioso, espera a opinião desta escritora que vos tecla.
Por isso optei e opto por não ler e opinar sobre escritos dos outros. E tenho aqui uma recomendação a quem tem seus textos na gaveta e fica querendo uma avaliação: busque essa avaliação sim, mas não de um escritor. Busque do seu público, porque é para ele que você escreve e é ele quem consagra – ou desconsagra – um autor.
Escreve contos ou poesias? Imprima e distribua, ou pregue no quadro de avisos de onde você trabalha, ou ainda mande para a sua lista por email. E não peça opinião. Se as pessoas gostarem, elas lhe escrevem ou lhe procuram pedindo mais.
Se você escreve para teatro, faça cópias e entregue aos professores de teatro das escolas, para que eles, se gostarem, montem com seus alunos.
O escritor que lê os textos de um principiante pode gostar, ou então não gostar. Isso é apenas a opinião dele, do escritor, e não deve significar nem a glória nem a desgraça para quem está começando. O maior sucesso editorial brasileiro é o escritor Paulo Coelho, para quem os escritores como eu torcem o nariz.
Então, aposte no seu trabalho, entregue-o ao público. Só o público pode dar ao artista o tão necessário aplauso ou a vaia, esta mais necessária ainda, porque nos faz repensar, retrabalhar e melhorar aquilo que fazemos.
Aqueles que recebem meus emails já devem ter notado que uso uma assinatura fixa onde, além dos meu nome e telefones, eu refiro a cidade onde estou morando – Natal/RN – e links para o twitter, para este blog e para o meu site de Genealogia.
Também vez por outra acrescento mais uma informação, ou uma frase, como a de Thoreau que atualmente fecha a minha assinatura: “Corta tua própria lenha e ela te aquecerá duas vezes.”
É uma das minhas frases favoritas – tenho outras – mas essa traz embutida a ideia da pessoa encontrar realização nas tarefas secundárias do próprio trabalho, tirando dali prazeres extra, que muitas vezes não se percebe à primeira vista. A lenha tem o objetivo de aquecer a pessoa, enquanto queimada na lareira; mas se a pessoa cortá-la ela mesma, também terá um benefício adicional, pois a atividade a aquecerá também.
É por isso que continuo arrumando minhas estantes e eu mesma espanando meus livros; faço todo o trabalho manual suscitado pela minha atividade de escritora, como digitar textos, colar meus próprios recortes de jornal num caderno, arrumar as gavetas, limpar e organizar a mesa e mais o que for preciso. Enquanto estou ali, mexendo naqueles objetos que uso para desempenhar minha atividade, estou me “aquecendo” pela primeira vez. O manuseio dos lápis e canetas, dos papéis e cadernos, das imagens, recortes, postais e fotografias que são pregados no quadro de avisos que mantenho, tudo isso leva o cérebro a entrar na frequência do trabalho.
Quem convive comigo acha engraçado porque não me vê escrever. É assim mesmo. Escrevo dentro da cabeça, “enquanto corto minha lenha”. Quando sento no computador, já está tudo pronto, bem organizado, com começo-meio-fim, e escrevo quase de uma “sentada”. Depois, é só imprimir e corrigir, corrigir, corrigir até ficar limpo.
Simples assim.
Outra coisa que há na minha assinatura de e-mail é a frase latina “In omnia paratus”. Mas isso fica para o próximo post.
No blog SalaDa Médica, Meire Gomes conta uma história engraçada que se passou comigo. Aproveite para dar uma passadinha lá e ver os outros posts da Dra. Meire, inteligentíssima e antenada, dando opinião sobre tudo o que é de assunto.
Um leitor deste blog me mandou esta semana um email perguntando se determinado texto postado aqui não já havia sido antes publicado no Tribuna do Norte. Quando eu disse que sim, que o texto já havia sido publicado, ele chiou! Pois é: esses meus leitores são danados de temperamentais, chiam, reclamam, xingam – a maior parte elogia e gosta – mas eu também dou a mesma atenção para as reclamações, uma vez que é ouvindo a voz discordante que crescemos e aprimoramos o trabalho.
Pois bem, como ia dizendo, o meu leitor xingou porque, segundo ele, não estava querendo “ler matéria requentada”! Mas minha gente, me diga: eu posso fazer algo além de me divertir com uma coisa dessa? Primeiro porque não tenho intenção de publicar inéditos; depois porque não sou jornalista, não publico “matérias”. Sou uma escritora, e agora blogueira. Publico textos, crônicas, artigos, conversa fiada, miolo de quartinha, coisas escritas na hora – como essa de hoje – e também textos que foram publicados em jornais e se perderam, embulhando o peixe no mercado no outro dia, e que jamais sairão publicados em livro.
Este blog, entre outras coisas, tem a proposta de recuperar esses textos, porque uma vez publicados na Internet e não sendo deliberadamente apagados pelo autor, aqui ficarão eternamente, espero eu, abrigados em algum dos trocentos milhões servidores que existem pelo mundo afora. Vocês devem ter notado que é essa tônica que caracteriza o Umas & Outras nessa sua nova fase. (Leia mais sobre o Umas & Outras no link Quem Somos, abaixo do cabeçalho do blog.)
Aqui, escrevo geralmente textos novos, mas isso não me impede de postar textos adredemente escritos, como gostava de dizer a minha avó, com sua mania de palavras em desuso. E nestes próximos dias, em que estou mudando de cidade, sem Internet, prepare-se para ler algumas coisas “requentadas”, como diria o meu caro leitor cujo comentario deu início a este post. Além disso, tenha paciência se eu não responder imediatamente aos comentários. A partir de segunda-feira, estou dependendo da dupla Oi/Velox, e quem depende dessa dupla está sujeito a chuvas, trovoadas e tsunamis, sem nenhuma esperança de uma previsão segura.
Diz Sandro Fortunato, com sua eterna mania de reclamar e de botar defeito nas coisas, que depois de “umas duas semanas e muitos telefonemas, eles entregam dois copinhos e o barbante em sua casa…” Esperemos, pois.
Um dos leitores deste blog me escreve relatando que ouviu uma crítica à minha forma de escrever, e ficou incomodado. Ele ouviu uma pessoa dizer que lamentava que eu escrevesse de modo tão simples, tão corriqueiro. Segundo essa tal pessoa, meus escritos eram medíocres pois não mostravam erudição, não pareciam produzidos por uma pessoa da Universidade (à qual pertenci durante quase mais de trinta anos).
Quero tranqüilizar o meu amigo, pois considero essa opinião um elogio. É exatamente esse o meu objetivo: escrever para que as pessoas entendam a história que estou contando, a opinião que estou defendendo, o ponto de vista que estou querendo demonstrar. E quanto mais gente entender, melhor.
É sempre bom escrever lembrando que a escrita é um processo de comunicação e que esse objetivo, de comunicar algo, que deve vir em primeiro lugar. No entanto, muita gente se deixa seduzir pela vaidade e se esquece disso, colocando em primeiro lugar objetivos pessoais como “fazer bonito”, ser admirado, ser elogiado. Aí, geralmente, o que se vê é uma escrita empolada, pedante, cheia de preciosismos e geralmente incompreensível,.
Para cada tipo de leitor, ou de texto, há uma escrita diferente. A linguagem do blog é um tantinho mais leve e coloquial do que a linguagem das crônicas que escrevo semanalmente para os jornais e quando escrevo para teatro, tenho que ter o leitor – ou melhor, o espectador – sempre presente porque a peça não é literatura; é teatro e tem que prender a atenção do espectador para que ele fique ali sentadinho e assista até o final. Enquanto você pode largar o livro e sair um pouco, tomar um copo de água e depois retomar a leitura, no teatro isso é impossível. Então é preciso pensar sempre no espectador, e na forma de prendê-lo na poltrona sem que ele se entedie.
As crônicas têm endereço certo: o meu “caro leitor”, a quem me dirijo textualmente em algumas delas. A crônica – no meu entender – tem que ser curta, amena, em linguagem simples e deve ter um fecho interessante. Às vezes em vez de crônicas escrevo artigos opinativos, mas procuro seguir o mesmo princípio e sempre usando o humor. O meu “caro leitor” são as pessoas comuns que lêem, ou melhor, passam os olhos no jornal.
Isso não quer dizer que eu não possa ou não saiba escrever do jeito “acadêmico”. Se eu quiser, posso produzir um texto assim. Já escrevi teses, monografias e artigos científicos na época em que me dedicava exclusivamente à produção de conhecimento científico na área específica em que trabalhei por anos. Lembro-me de que uma vez me diverti bastante em um curso que fiz. O professor era daqueles que adorava quem escrevia “difícil” e eu mandava ver, somente para tirar a nota máxima. Alguns trabalhos meus não faziam o menor sentido – eu escrevia assim de propósito – mas o camarada se envolvia com as minhas palavras bonitas e os períodos subordinados em cascata e sempre colocava dez.
Só tem uma hora em que eu não penso no leitor: É quando vem a vontade de escrever como forma de expressar uma inquietude, uma fissura. O texto resultante pode até ficar bom para publicar (geralmente fica), mas isso é apenas um detalhe. O objetivo não é publicar, é me livrar de algo que não pode mais ficar “dentro”.
Nessas situações, gosto de citar Hemingway: “Escrever é fácil. É só sentar na máquina e abrir uma veia.”
D | S | T | Q | Q | S | S |
---|---|---|---|---|---|---|
1 | ||||||
2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 |
9 | 10 | 11 | 12 | 13 | 14 | 15 |
16 | 17 | 18 | 19 | 20 | 21 | 22 |
23 | 24 | 25 | 26 | 27 | 28 |