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Preciso de um vestido

Clotilde Tavares | 28 de abril de 2010

Em 1999 eu estava à procura de um vestido para vestir no lançamento do meu livro “A Magia do Cotidiano”. Depois de uma busca infrutífera pelas lojas, resolvi vestir uma roupa que eu já tinha e no domingo seguinte escrevi a crônica abaixo para a Tribuna do Norte, jornal de Natal no qual escrevi semanalmente aos domingos durante mais de dez anos.

Bem: o texto tem onze anos que foi escrito, e sempre agrada muito. É engraçado mas reflete um problema que afeta muitas mulheres, de todas as idades: a dificuldade de encontrar roupas que lhe caiam bem, porque as modelagens que estão nas lojas são feitas para mulheres como Gisele Bundchen.

É disso que trata o blog da Beth Viveiros, 32 anos, de São Paulo. “Tenho 1,78 m, 94 quilos e númeração de roupa indefinida”, diz ela, e está fazendo uma pesquisa sobre mulheres que “não cabem” na moda que está nas lojas.

Visitem, respondam a pesquisa, divulguem. E leiam meu texto abaixo que continua mais atual do que nunca com uma diferença: minhas medidas aumentaram…

PRECISO DE UM VESTIDO

Publicado na Tribuna do Norte / Natal-RN em 30 de setembro de 1999.

Hoje quero usar o espaço desta coluna para um apelo. É que estou precisando desesperadamente encontrar uma loja onde eu possa comprar um vestido. O meu caro leitor já deve estar pensando que eu pirei de vez e eu lhe respondo que poucas situações no mundo são tão carregadas de significados ocultos e de estresses psicológicos como essa em que me vejo agora: a situação de uma mulher, precisando de um vestido novo.

Explico melhor. A indústria de confecções, o pessoal das griffes ou seja lá quem for que fabrica roupas neste país hoje em dia pensa que toda mulher tem um metro e setenta e cinco de altura, cinqüenta e cinco quilos, cinqüenta e dois centímetros de cintura e busto tamanho quarenta. Mas não é só isso.

As vendedoras, quase todas esquálidas moçoilas vestidas com roupas das griffes que vendem e com cara e atitude de modelos famosas, não fazem o menor esforço para arranjar algo que sirva para esta colunista que vos fala, com meus saborosos sessenta quilos distribuídos agradavelmente por um metro e meio de altura.

Outra coisa estranha é a questão do decote. Gosto de decotes. Aliás, o colo é uma das coisas mais bonitas e charmosas que as gordinhas possuem, devidamente valorizado pelos decotes. Pois bem: nas lojas só existe roupa decotada para quem tem busto mínimo que, aliás, torna o decote desnecessário. Mostrar o que não existe? Pois é.

Ai, como sofro nestas lojas! Deve ser esse o castigo que o céu me reservou por ter abusado das tortas, chocolates e biscoitos de que gosto tanto. Uma das vendedoras chegou a me olhar de alto a baixo e dizer: “Se a senhora emagrecesse…” Pode? Minha linda, a sua roupa é que tem que servir para mim e não eu me sacrificar para entrar na sua roupa. Onde já se viu?

Mas na maioria das vezes as vendedoras não falam. Comunicam-se em silêncio, numa linguagem secreta de olhares e movimentos de sobrancelhas que aprendi a decifrar. Quando entro na loja, elas se olham e uma sinaliza para a outra: “Outra gorda!” A resposta vem, em silêncio: “Não tem nada na loja que sirva para essa baleia”.

Foi assim sexta-feira passada, onde arrastei por todas as lojas a minha figura fofa e quase à beira de uma ataque de nervos, pois precisava do vestido para um compromisso social, onde acabei indo com uma roupa qualquer.

O pior de tudo é que, apesar das minhas medidas serem excessivas para as griffes chiques deste meu país brasileiro são ainda muito reduzidas para as lojas onde se vende roupas para gordas. Nelas descubro que para ser gorda de verdade eu teria também que ser alta, já que as blusas que provo arrastam pelo chão, como vestidos longos.

Então, caro leitor, aqui fica o meu apelo. Se você conhece algum lugar onde se venda roupas para mulheres que nem eu, tipo mignon, fofinhas e felizes, e onde as vendedoras sejam simpáticas, gostem de agradar os clientes e de vender, é só me avisar.

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O texto e o som

Clotilde Tavares | 26 de abril de 2010

Eu estava navegando na internet e li uma notícia muito interessante. Richard Johnston, um estudante de pós graduação em Harvard e coordenador de um projeto sobre Shakespeare, recomenda a leitura e a audição ao mesmo tempo da peça Hamlet. É só fazer o download para o seu e-reader (o meu é o PRS-600 da Sony) do texto e do audio-book.

O e-reader permite a execução simultânea de ambos – som e texto – e deve ser interessante, pelo menos para mim, que estudo o texto do Hamlet há bastante tempo e nunca tinha tido essa idéia. E é claro que isso pode ser feito com muitas outras obras. Já existem audio-books disponíveis para download de muitas obras clássicas em português e é uma forma interessante de unir Literatura e tecnologia. Não precisa ter e-reader. O áudio, geralmente em MP3, pode ser ouvido enquanto se lê o livro de papel.

Penso que isso poderia ser utilizado para que os alunos pré-vestibulandos tivessem um acesso mais “suave” às obras que devem obrigatoriamente ler para o vestibular. Isso tem a ver comigo neste ano pois o meu livro A Botija foi indicado para o vestibular 2011 da Universidade Federal de Campina Grande, e já começam a chegar ao meu email pedidos para que eu “ajude” professores e alunos a “transformar” o livro em “peça-de-teatro”.

Entre os professores de colégios e cursinhos há uma tendência em se transformar os livros em peças de teatro para que os alunos “conheçam a história” e “mantenham o pique” nas aulas de Literatura. São coisas que a gente ouve comumente na TV, nas matérias dos telejornais, quando se aproxima a época das provas. Um dia desses vi um dos professores entrevistados sobre o tema dizer que dessa forma “os livros ganham vida”.

Ora, minha gente! Eu milito tanto no campo do Teatro como no campo da Literatura, e fico bem à vontade para falar sobre ambos. Os romances não são meras “histórias” e não é bastante saber “o que aconteceu”. Um romance é o estilo, é a forma de contar a história, de costurar o enredo, é o uso precioso da linguagem. Um romance pode ser adaptado para o teatro, mas o resultado não vai nunca ser o romance: vai ser uma outra obra, usando uma linguagem diferente, a linguagem da cena.

E desde quando os livros só “criam vida” se forem representados no palco? Os livros criam vida na tela da nossa mente, que se torna um palco interior, povoado pelas imagens evocadas por aquilo que lemos.

Parece que o problema está aí. Entendo a imaginação como a capacidade de criar imagens mentais, e penso também que essa capacidade anda um pouco atrofiada nas mentes dos espectadores em que nos transformamos todos. Nossa vida moderna depende sempre de um écran, de uma tela: televisão, computador, games, vídeos, mostrador de celular e os inúmeros monitores espalhados pelo ambiente urbano que nos dizem o que queremos ou precisamos saber.

Então, o cérebro se acostuma a receber essa imagem já pronta e perde a capacidade de formar suas próprias imagens a partir de mensagens escritas. Por isso, o prazer dos romances deixa de existir, e é preciso transformar esse romance em “imagem” (a peça de teatro) para que ele possa tornar-se “vivo”.

Um dia desses ouvi na livraria uma jovem dizendo a outra, que manuseava um romance: “Ver um filme, tudo bem, mas ler um livro desse inteirinho… Sem condição!” E eu concordo que realmente não há condição da criatura ler um livro de trezentas páginas se ela não consegue visualizar, imaginar, criar mentalmente cenas e personagens.

É uma pena, pois além dos jovens estarem perdendo essa capacidade com a omissão ou concordância do sistema de ensino, a imagem que as telas de todo tipo jogam na mente deles já vem pronta, acabada, carregada de um conteúdo que, muitas vezes, ele não pode nem sabe criticar.

Nesta semana uma simpática jovem me enviou um email, pedindo-me para “ajudar” o grupo de alunos a transformar o meu livro em peça, num Seminário de Literatura do qual iam participar. Aí eu perguntei se, como se tratava de um seminário de Literatura, por que queriam transformar um livro em teatro? Seria a mesma coisa que, num seminário de Teatro, em vez de apresentarem as peças, as transformassem em livros e dessem para a platéia ler!

E você? O que pensa disso tudo?

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A preparação espiritual do ator

Clotilde Tavares | 25 de abril de 2010

Hoje deixem-me falar sobre teatro. O teatro, arte onde milito há anos, ora como atriz, ora como dramaturga, ora com professora, é uma atividade absorvente e muitas vezes ingrata, principalmente quando perseguimos um resultado que pretende ser mais artístico do que comercial, quando buscamos mais a evolução estética da arte que praticamos do que uma gorda bilheteria e casas lotadas.

Por outro lado, como viver de teatro sem atender aos aspectos comerciais da arte? Como pagar o aluguel, a escola das crianças e a conta do supermercado sem vender ingressos? Artistas moram, comem, têm filhos, usam luz elétrica e água encanada. Parece óbvio, mas muita gente esquece disso e adora pedir uma cortesia para não pagar dez reais por um ingresso. Conciliar arte com mercado, eis o grande dilema de produtores, diretores e atores, que vivem tendo o palco como o centro pulsante e apaixonado de suas vidas.

Entre os vários problemas que o teatro nos coloca, está um, crucial nos dias de hoje, que é a formação do ator. O espaço aqui é pequeno para uma discussão dessas, mas é possível levantar alguns pontos. Sempre defendi, como pessoa de teatro, aquilo que chamo de preparação espiritual do ator.

Essa tal preparação “espiritual” não tem nada a ver com religião, mas com a elevação do espírito, do intelecto, das idéias, dessa parte imponderável do ser humano que extrapola as habilidades corporais desenvolvidas pelos exercícios, que hoje em dia são muitas vezes colocadas como os principais requisitos para o trabalho teatral. Essas técnicas são importantes mas ficam vazias e mecânicas se o ator não tiver esse desenvolvimento interno, do “espírito”, da sua essência enquanto ser humano.

Ler, pensar, trocar idéias, ver filmes, ver quadros, ouvir música, experimentar outros tipos de artes, experienciar a transcendência, a ampliação da consciência, praticar a felicidade, tocar um instrumento musical, observar a natureza e aprender com ela…

Mas tudo isso dá trabalho e a maioria dos jovens atores continua com um pé no palco e os olhos e o desejo na TV Globo, sem sequer ir ao cinema, quanto mais ler um livro! Aí fica aquela casca seca, dominando técnicas corporais, encostando o calcanhar na nuca, mas sem referências interiores para cumprir a tarefa do ator que é criar do nada, tendo como ponto de partida apenas as falas do texto, um personagem completo.

E é aí que reside a mágica desta arte. Criar um ser humano de verdade – de verdade enquanto a cena existe – dando-lhe alma, vida, energia, emoções, suor, sangue, lágrimas e risos! Quem poderia aspirar a uma tarefa mais empolgante do que esta? Um tarefa de deuses? E isso acontece todo dia no teatro, mas num teatro feito por pessoas que, além de músculos, ossos, tendões e ligamentos tenham também espírito, alma e essência.

Este post é dedicado aos participantes da oficina “Devorando Hamlet”, promovida pelo Núcleo dos Jovens Artistas, que ministrei de 19 a 23 deste, e que me afastou deste blog por uma semana. Comemoramos com esta oficina, como o faço anualmente, o aniversário de Mr. William Shakespeare.

Entre os jovens, fico mais jovem. Da esquerda para a direita: Neto, Alexandrina, Liana, David, Maria, Thales, Ranieri, Ana Carolina e Múcia. A foto fica melhor se você clicar em cima dela para vê-la em tamanho grande.


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Parabéns para Shakespeare!

Clotilde Tavares | 23 de abril de 2010

Hoje, 23 de abril, comemora-se o aniversário do nascimento de William Shakespeare, ocorrido no ano de 1564, em Stratford-on-Avon. Aqui faço esta homenagem ao poeta inglês, objeto da minha profunda admiração e paixão desvairada, para sempre e eternamente.

Toda a produção de Shakespeare é estupenda. Foram 38 peças, além de 154 sonetos, considerados entre os mais belos em língua inglesa. Morreu em 1616, aos 52 anos, depois de uma noitada alegre com os amigos, tendo vivido toda a sua vida ligado à prática teatral, onde fez fortuna e fama.

Segundo o crítico Harold Bloom, no seu livro “A Invenção do Humano”, Shakespeare “pensou mais originalmente do que qualquer outro escritor e tinha um domínio quase sem esforço da linguagem”. Seus personagens tão humanos, quase mais humanos do que nós mesmos, nos lançam numa investigação interior da qual não podemos escapar. Ao ler, ou ver qualquer das suas tragédias, principalmente “Hamlet” ou “Macbeth”, é como se estivéssemos abrindo nossa alma no divã de um psicanalista. As comédias também não são um simples passatempo, mas nos levam à nossa própria “floresta de Arden”, onde nos perdemos para nos encontrar, como Rosalinda, em “Como Gostais”.

Bloom diz ainda que ele criou mais contextos para nos explicar, a nós, seres humanos, do que somos capazes de criar para explicar seus personagens: Hamlet, Lear, Falstaff, e os vilões Iago, Ricardo III, Edmundo e Macbeth, são um estudo profundíssimo da natureza humana. E as mulheres! Cordelia, Rosalinda, Viola e a maravilhosa Beatrice de “Muito Barulho Por Nada”… Seres que povoam os palcos do mundo há quatrocentos anos e cujas possibilidades estão longe de serem esgotadas.

Mas afinal, Shakespeare existiu mesmo? É uma pergunta que sempre escuto quando o assunto vem à tona. Quem conhece e estuda a obra do poeta inglês já está acostumado com isso e sabe que periodicamente aparece alguém colocando em dúvida a autoria das peças e sonetos, já atribuída a mais de cinqüenta nomes, incluindo Christopher Marlowe, Francis Bacon, o Conde de Oxford e até a própria rainha Elizabeth I!

Felizmente para os bardólatras, como eu, não há mais dúvidas sobre quem escreveu as peças: foi ele mesmo, William Shakespeare, quem em 1582 já vivia em Londres, fazendo e escrevendo teatro.  O jovem William foi para Londres aos vinte e três anos de idade onde, começando como ator, passou depois a escrever peças e em 1599 tornou-se um dos sócios do Globe Theatre. Em 1603, passou a fazer parte dos “Homens do Rei”, a mais importante companhia teatral da Inglaterra. São também desse período, início do século XVII, as suas obras mais importantes, como “Hamlet” (1601), “Rei Lear” (1605) e “Macbeth” (1606).

Unânimes nesse reconhecimento, os estudiosos shakespearianos já se acostumaram com o fato de que vez por outra aparece alguém em busca da notoriedade conferida por uma crítica ou um fato em relação a Shakespeare. É a grandeza do poeta inglês que leva o mundo a ficar sempre de olho nele, mesmo depois de decorridos quase quatrocentos anos da sua morte.

Foram muitos os nomes que duvidaram da sua real existência, como Mark Twain, Henry James, Sigmund Freud, Charles Dickens, Walt Withman e Charles Chaplin. A autoria foi questionada a primeira vez em 1796, por um certo Herbert Lawrence, e em 1848, por Joseph Hart. Surgiu então Delia Bacon, uma americana radicada na Inglaterra em 1853, que se dizia descendente do filósofo inglês Francis Bacon, e afirmou ter provas de que fora o seu antepassado e não Shakespeare o autor das obras famosas. O debate pegou fogo nos meios acadêmicos, nada foi provado e a sra. Bacon terminou seus dias num manicômio, talvez por não ter sido levada a sério.

Roger Pringle, diretor da Fundação Shakespeare Birthplace, não acredita nos argumentos apresentados pelos pesquisadores que vez por outra aparecem com dientidades novaa para W Shakespeare. Diz ele que o que os move é apenas o desejo de vender livros. Já Ann Thompson, professora do King’s College London e editora da série Arden Shakespeare, defende que tudo isso é puro preconceito: setores do meio acadêmico e intelectual jamais aceitaram que um homem sem instrução universitária pudesse erguer tais monumentos literários. É mais uma vez o preconceito do erudito contra o popular, deformação que persegue Shakespeare há quatrocentos anos e que nossos autores de cordel e poetas populares já experimentaram várias vezes, na própria pele.

Compartilho aqui com você algumas jóias do poeta inglês. Vejam esta, bem adequadas a estes nossos tempos, onde se fala sem pensar e se difama por distração: “O bom nome para o homem e para a mulher, meu caro senhor, é a jóia suprema da alma. Quem rouba minha bolsa, rouba uma ninharia. É qualquer coisa, nada; era minha, era dele, foi escrava de outros mil. Mas quem surrupia meu bom nome tira-me o que não o enriquece e torna-me completamente pobre.” (“Othelo”, Ato III, Cena 3).

Há, também uma peça dele, não tão conhecida, “Como Gostais” (“As you like it”), uma deliciosa comédia, cheia de tramas, onde a heroína se disfarça de homem e os poemas de amor parecem nascer nas árvores. Um dos seus melhores momentos é a fala do personagem Jacques, na Cena 7 do Ato II, sobre as “sete idades do homem” e traça um retrato entre trágico e irônico do que é a nossa vida.

Jacques começa dizendo que “…O mundo é um palco; os homens e as mulheres, meros artistas, que entram nele e saem. Muitos papéis cada um tem no seu tempo; sete atos, sete idades. Na primeira, no braço da ama grita e baba o infante. O escolar lamuriento vem depois, com a mala, de rosto matinal, e como serpente se arrasta para a escola, a contragosto. Então vem o amante, fornalha acesa, celebrando em balada dolorida as sobrancelhas da mulher amada. A seguir, estadeia-se o soldado, cheio de juras feita sem propósito, com barba de leopardo, mui zeloso nos pontos de honra, a questionar sem causa, buscando a falaz glória até mesmo na boca dos canhões. Segue-se o juiz, com ventre bem forrado de cevados capões, olhar severo, barba cuidada, impando de sentenças e de casos da prática; desta arte seu papel representa. A sexta idade em calças magras tremelica, óculos no nariz, bolsa de lado, e a voz viril e forte, que ao falsete infantil voltou de novo, chia e sopra ao cantar. A última cena, remate desta história aventurosa, é mero olvido, uma segunda infância, falha de vista, de dentes, de gosto e de tudo.”

Ah, meu caro leitor! Ninguém descreveu com tanta poesia e capacidade de síntese esta vida que levamos. Shakespeare é uma leitura grandiosa, a qualquer estado de espírito, a qualquer necessidade da alma. Sempre haverá uma peça, ou trecho dela, que exprima exatamente aquilo que estamos pensando e às vezes nem compreendemos direito; ou aquilo que queremos dizer mas não sabemos como.

E é por isso que nós aqui, mais de quatrocentos anos depois, estamos repetindo as palavras deste homem que com sua arte, conseguiu levantar o véu que encobre essa matéria sutil: a Alma Humana.

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Augosto dos Anjos, 1884-1911.

Clotilde Tavares | 20 de abril de 2010

Augusto dos Anjos

Hoje comemoramos o nascimento do poeta Augusto dos Anjos, nascido em Sapé, Paraíba, há 126 anos.

Autor de poemas imortais, que estão impressos no DNA dos paraibanos como eu, como é o caso dos “Versos Íntimos”, Augusto era dono de uma sintaxe peculiar e de uma temática que o torna único entre os poetas brasileiros. Aprendi a recitar os sonetos de Augusto quando menina, e ainda sei, passadas tantas décadas, muitos deles. Quando estou sozinha, gosto de recitá-los em voz alta, deixando que os grandiosos versos se espalhem no ar, se desenrolem pelo espaço invadindo salas e quartos, passem à varanda e tomem conta da cidade, aumentando o teor de poesia do Universo. Com isso, obviamente, corro o risco de ser considerada doida e passível de internamento pelos vizinhos, mas confio no poder da Poesia e acredito na força da Arte. E continuo recitando.

Com vocês, Augusto dos Anjos! E recitem alto, por favor.

VERSOS ÍNTIMOS

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
E a mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
E escarra nessa boca que te beija!

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Cultura, Memória
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Augusto dos Anjos, poesia paraibana
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Bruges e o flâneur

Clotilde Tavares | 17 de abril de 2010

Quem disse que a gente só viaja se for lá, de corpo presente, no lugar?

Uma das boas formas de viajar é virtualmente, vendo países distantes sem sair de casa com a ajuda de blogs, e do Google Earth.

Assim é que descobri esse blog maravilhoso, cheio de posts de lugares lindos, com fotos muito boas e informações.

Uma das fotos que gostei mais fala sobre o “flâneur”, que é aquela pessoa que conjuga o verbo “flanar”, verbo que eu ouvia muito na casa dos meus pais, mas que está em desuso neste nosso tempo de horários estritos e agendas lotadas.

Flanar é andar à toa, sem lenço e sem documento, sem pressa, sem roteiro e sem destino, “no giro da venta” – como se diz aqui no Nordeste. E “flâneur” é o cara que flana.

A placa da foto diz o seguinte: “Um flâneur é alguém que perambula sem destino, sem pressa, alguém que vagueia por uma cidade sem um propósito definido mas em sintonia secreta com a história desse local, numa busca velada de aventuras estéticas ou eróticas”.

E não preciso dizer mais nada.

A luxuosa tradução é do meu irmão BT (http://mundofantasmo.blogspot.com)

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Bruges, flanar, flaneus, passear, viajar
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A cama show

Clotilde Tavares | 16 de abril de 2010

Cama de Jacqueline Kennedy-Onassis

Um dia desses fui em casa de uma pessoa conhecida e por algum motivo tive que ir ao interior da casa; vi então que a cama não estava feita, ou melhor, que os lençóis estavam apenas recolhidos para os pés da cama, os travesseiros amarfanhados guardando ainda o formato da cabeça de quem havia dormido ali.

Comentei com uma amiga sobre isso e ela disse: “Ah, Clotilde, pois eu também não forro as camas. Dá trabalho, e à noite vamos ter que desmanchá-las de novo para dormir! Assim eu acho que não vale a pena.” E perguntando a uma e a outra eu descobri que muita gente que não tem empregada e que faz sozinha ou com a ajuda do marido e dos filhos as tarefas domésticas não tempo nem costume de forrar as camas diariamente.

Cama de Napoleão Bonaparte em Versailles.

Pois eu aprendi desde menina quando fui interna no colégio de freiras a forrar a cama todo dia de manhã. E depois de adulta sempre ficava encantada com as maravilhosas camas dos hotéis em que me hospedava. Adorava chegar num hotel e me refestelar naquelas camas maravilhosas, cheias de lençóis, colchas, edredons, travesseiros altos e fofos, tudo meticulosamente arrumado.

Assim, numa época – há bem uns 20 anos – em que as camas-box não eram ainda tão acessíveis, comprei uma para mim e passei a produzi-la como uma cama de hotel. Bons lençóis, travesseiros fofos, edredons, almofadinhas, tudo combinando, com cores que variam a cada semana.

Assim o faço até hoje.

Cama de Ernest Hemingway.

Tenho 62 anos, sou aposentada, escritora e blogueira em atividade e moro sozinha. Forrar a cama exerce um efeito muito benéfico na minha vida, pois quando entro no quarto para dormir todas as noites e vejo aquela cama show, sinto que não posso me deitar ali com o moleton ou o vestidinho caseiro que estava usando no sofá para ver TV. Seria quase como “estragar” a produção da cama. Aí, entro no banheiro, tomo um banho morno, visto uma camisola, escovo o cabelo, boto perfume…

Faz toda a diferença e não preciso estar dormindo acompanhada para sentir isso.

Parece bobagem, não é? Pois para mim, a cama-show é o barco que me levará aos calmos oceanos dos sonhos, aos mares tranqüilos do repouso reparador e que me trará, depois dessa viagem noturna, ao porto seguro da manhã seguinte.

Uma das versões da minha cama-show.

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Criança feliz

Clotilde Tavares | 13 de abril de 2010

Vivo cercada por jovens, começando pelos filhos e sobrinhos, os amigos desses filhos e sobrinhos e os alunos e ex-alunos que sempre estão em torno de mim naquele eterno vai-e-vem que me deixa tão feliz.

A maioria deles vai casar, casou há pouco ou tem filhos pequenos. E me perguntam, até levando em conta minha condição de ter sido profissional de saúde durante boa parte da minha vida, quais são as coisas mais importantes para a saúde dos seus filhos.

Ora, é claro que são importantíssimos todos os cuidados gerais com a saúde da criança, como a observação do crescimento e desenvolvimento, as vacinas, a prevenção de problemas ortopédicos, a alimentação adequada, o sono. Mas existem três coisas que, na minha maneira de ver – e digo isso também como mãe – são fundamentais para uma criança.

A primeira delas é a segurança. E isso significa que a criança precisa saber que os pais estão por perto, que estão cuidando dela, que ficarão do lado dela quando for preciso, e que ela pode confiar neles. Pra se sentir segura, a criança precisa também de horários pra dormir e pra se alimentar. Precisa ainda de um lugar só dela, onde ela possa guardar seus objetos e brinquedos e ficar sozinha quando quiser. E precisa de disciplina, de limites, precisa saber exatamente o que pode e o que não pode fazer. Isso dá segurança a qualquer pessoa, e não somente à criança.

A segunda coisa que a criança precisa é a possibilidade de brincar. Hoje em dia, as crianças têm tantas atividades – natação, judô, balé, computação, inglês – que não podem mais nem brincar. E a brincadeira dramatizada, aquela brincadeira de criança de fundo de quintal, de faz de conta, de casinha, de soldado e ladrão, é fundamental para o desenvolvimento da criatividade e da expressividade do indivíduo, além de possibilitar a sua compreensão do mundo, da sociedade e dos seus semelhantes.

Finalmente, a terceira coisa e a mais importante: o AMOR. E não basta amar sua criança. É preciso demonstrar esse amor, sempre, todo o tempo, não só com palavras, mas com olhares, gestos e carinhos, de forma que a criança se sinta sempre e a todo momento envolvida numa aura permanente de afeição, segurança e amor.

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Deus, e o acaso

Clotilde Tavares | 11 de abril de 2010

Eu sou uma mulher feliz.

Digo isso porque, em plena crise de criação, com os canais escrevinhadores totalmente obstruídos sabe-se lá porque, uma preguiça pré-histórica de emendar uma frase na outra, posso dispor de mais de duas mil crônicas do meu irmão Braulio Tavares para reproduzir aqui enquanto eu mesma não volto a produzir as minhas. Segue abaixo esta, publicada em 30 de março no Jornal da Paraíba, onde ele escreve. E todas – ou a maioria delas – estão no blog dele, o Mundo Fantasmo.

O destino indireto

Braulio Tavares

O escritor Alberto Mussa conta que quando fazia um curso universitário de Matemática usou, ao pagar as cadeiras de Cálculo, um livro-texto diferente do que seus colegas usavam.  O autor do livro era um russo, um tal de Piskounov ou coisa parecida, diz ele.  Espalhou-se na faculdade a notícia de que ele estudava no livro de um autor russo (era a época da ditadura) e isso imediatamente lhe conquistou um enorme prestígio entre seus colegas comunistas.  Um deles deu-lhe de presente um livro de poemas de Agostinho Neto, o presidente comunista de Angola – e a vida de Mussa mudou para sempre.  Não que ele tivesse virado comunista, mas foi através do poeta angolano que ele descobriu a cultura e a literatura da África, sobre as quais viria a escrever numerosas obras.

Vilma Guimarães Rosa conta no livro “Relembramentos” que sua tia Maria Luiza, quando jovem, precisava dar mamadeira a um sobrinho, mas não tinha relógio e estava sozinha com o bebê em casa.  Para perguntar as horas a alguém confiável, ligou para um número que viu na lista, e que imaginou pertencer a uma entidade religiosa.  Não era: era uma pensão de estudantes.  Um rapaz atendeu, os dois começaram uma conversa, depois um namoro, e acabaram casados pelo resto da vida.

São mil histórias; cada um de nós sabe várias.  É a moça que acompanha a amiga a um estúdio, onde a amiga vai gravar alguma coisa, e alguém lhe pede que faça um teste ao microfone, ela canta e vira mais cantora que a amiga.  É o rapaz que vai se matricular na Faculdade, vê uma moça bonita se matriculando noutro curso e, num impulso, matricula-se ali sem outro interesse, e vira um luminar daquela ciência.

Luís Buñuel nunca tinha pisado no México.  Estava meio exilado e desempregado em Hollywood quando em 1946 recebeu um recado de uma amiga, no México, chamando-o para produzirem juntos uma peça.  Don Luís foi para lá..  No hotel, ficou sabendo que a peça que tinham em mente fora liberada para outro produtor.  Buñuel ficou no México até morrer, e realizou ali 20 filmes.

É o que eu sempre digo: “Sorte não é sonhar avestruz, jogar avestruz, e dar avestruz.  Sorte é sonhar avestruz, jogar camelo por engano, e dar camelo”.  Em tudo que tem interferências do Acaso a gente percebe o lado aleatório da coisa, mas percebe também (ou está ansioso para perceber) a presença de um enorme Dedo empurrando os personagenzinhos nesta direção, depois naquela…   Luís Buñuel tem uma afirmativa terrível: “O Acaso não pode ser uma criação de Deus, já que ele é a negação de Deus.  Estes dois termos são antinômicos, excluem-se um ao outro”.  Escutaram, amigos, mil catedrais desabando?  O contrário de Deus não é o Diabo, que é feito da mesma essência dele e no máximo encarna o seu pólo oposto.  Deus é criação, controle, onisciência, determinismo, ordem; é isto, e tudo que combinar com isto.  O contrário de Deus é o Acaso.  Se pudermos um dia provar a existência do Acaso provaremos a inexistência de Deus.

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Crise de criação

Clotilde Tavares | 10 de abril de 2010

Ando sem vontade de escrever.

Fiquem com a imagem, que dizem valer mais do que mil palavras.

Minha filha Ana Morena, em pleno show da sua banda Camarones.

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