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Brincando de pobre

Clotilde Tavares | 26 de fevereiro de 2010

Hoje, trafegando pela Avenida Engenheiro Roberto Freire (para quem não mora em Natal, é uma das principais avenidas da cidade, que dá acesso à praia de Ponta Negra) fechei logo  o vidro do carro e fechei a cara, esperando o sinal abrir para que eu pudesse continuar sem ter contato com eles. Não adiantou. Dois deles, sujos, descalços, sem camisa, maiores do que eu e chegando mais perto do carro do que eu gostaria, bateram no vidro:

“Tia, tem um trocadinho aí?”

“Eu não sou tia de vocês”, respondi. “Se fosse, vocês não estariam se submetendo a esse papel ridículo e desrespeitoso com quem realmente precisa pedir esmolas para viver.”

Pois é, meu caro leitor. Os universitários “em trote” atacam novamente. Rapazes e moças, recém-aprovados no vestibular, estão espalhados pelos semáforos da Zona Sul a pedir uma “esmolinha”. Para isso, os colegas os despojam dos sapatos, os rapazes ficam sem camisa e todos têm os rostos e os braços sujos de tinta. Ombro a ombro com os pobres de verdade, que ali estão para limpar os parabrisas dos carros ou pedir esmolas, esses filhos da abundância riem, divertem-se e parecem estar tirando muito prazer da brincadeira.

Acredito que o fato se repita por muitas capitais brasileiras e já escrevi muito sobre isso, quando tinha coluna fixa nos jornais de Natal. Sempre critiquei essa atitude, esse “trote” de mau-gosto, essa falta de caridade com aqueles que precisam pedir de verdade. Causa-me espanto a naturalidade com que quase todo mundo encara uma coisa dessas. Causa-me espanto os pais desses jovens não se tocarem da crueldade da atitude deles, do acinte que ela representa frente àquelas pessoas que estão ali, lutando pela sobrevivência.

Será que os organizadores desses “trotes” não conseguem pensar em algo mais criativo? Se não querem doar sangue nem empregar parte do seu tempo em uma atividade comunitária qualquer, por que não realizam uma atividade artística ou cultural dentro da própria universidade? Se o espírito do trote é expor os calouros a uma situação vexatória, porque não os colocam para cantar, dançar ou representar, mesmo que não saibam fazer isso direito? Ou por que não pedem esmolas dentro do próprio recinto da universidade, onde os pobres de verdade não podem entrar?

Lembro-me dos trotes universitários em Campina Grande, na época pré-1964, onde era organizado um grande desfile pela cidade com críticas ao governo e às autoridades. Cartazes, faixas, estudantes fantasiados, tudo servia. Os “feras” eram conduzidos amarrados, dentro de um cercado, sujos e maltrapilhos. O desfile era cheio de criatividade, com paradas para apresentação de sketches teatrais e a cidade parava para vê-lo. Depois, a ditadura militar acabou com a farra e quando veio a abertura o costume não foi retomado. Nos últimos anos o que se vê nos trotes é isso: mau-gosto, grosseria e, em alguns casos, como já aconteceu em outras cidades, grandes orgias terminando em morte.

Sei que quem organiza esse tipo de brincadeira não é leitor deste blog. Mas quero mesmo assim sugerir duas opções como alternativa para a “brincadeira de pobre”.

A primeira é que cada um desses jovens leve um pobre de verdade para “brincar de rico” pelo menos por um dia. Banho, roupa nova, uma volta no shopping, umas comprinhas, um cinema, uma volta de carro pela orla…

A segunda opção é a que me agrada mais, embora seja mais radical: pegar cada um desses mocinhos bonitos ou patricinhas deslumbradas que estão brincando de pobre, tirar deles o celular, o dinheiro, os documentos e a chave do carro e soltá-los numa favela, às dez horas da noite, pra ver eles se virarem em outro ambiente que não seja o deles.

Mas sei que de nada adianta tudo isso, caro leitor. Sempre que houver vestibular, vamos ter que apelar para a paciência e conviver com isso. Há alguns anos, quando comecei a observar esse fenômeno, eu ficava preocupada porque sentia que aquelas criaturas sem noção iriam estar futuramente ocupando cargos no poder, atuando na política, dirigindo as universidades, julgando nas cortes, dirigindo os hospitais, e – pior, muito pior – nas salas de aulas ensinando aos nossos filhos e netos.

Hoje, esse triste futuro já se tornou realidade e basta você observar direitinho as pessoas que estão em destaque no seu município ou estado, principalmente aqueles que estão na faixa dos 30 a 40 anos, para constatar que muito deles são os “sem-noção” que há dez anos pediam esmola nos sinais.

Quanto aos pobres de verdade, continuam lá, nos sinais, pedindo esmola o ano todo. E isso não é nenhuma brincadeira.

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O tema é o design

Clotilde Tavares | 25 de fevereiro de 2010

Para se divertir, recorde alguns dos meus posts “temáticos”. É só clicar nos temas.

Camas

Sapatos

Banheiros

Poltronas

Ventiladores

Telefones

Escrivaninhas

Bikes

Banheiras

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banheiras, banheiros, camas, Design, escrivaninhas, poltronas, sapatos, telefones, ventiladores
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"Self-self"

Clotilde Tavares | 24 de fevereiro de 2010

Volta e meia estou aqui de novo falando sobre as palavras, porque elas são para mim a coisa mais preciosa que existe. As palavras são meu ganha-pão, minha diversão, meu roçado, meu video-game, minha glória e a minha agonia. Tudo que faço, faço em torno delas e, para mim, seria o caos se eu não pudesse mais lidar com elas, de uma forma ou de outra. Sempre serei feliz se puder ler; se não puder ler, se não tiver livros, um lápis e um papel para escrever preencherão todos os meus desejos. E sem nem isso me for dado, tenho o juízo para inventar histórias e escrevê-las mentalmente, como o faziam e fazem os poetas populares da minha terra nordestina. E, finalmente, posso recitar mentalmente tudo que sei decorado, por horas e horas, para me distrair, como meu pai fazia depois que a velhice destruiu toda sua capacidade de ler e escrever.

Pois bem: sobre palavras, muitas vezes vejo coisas curiosas sobre a forma das pessoas se expressarem, principalmente aqueles que não fazem parte dessa nossa cultura letrada, aqueles que vivem e trabalham na área da oralidade. Num mundo oral, de comunicações não-escritas, quando se precisa escrever alguma coisa vemos coisas engraçadas e curiosas, mas também profundamente tocantes e enternecedoras.

“Seelf serfe 5,00 reais, com direito a 2 pedaço de carne outro pedaço 0,80”; “Ceja bemvindo e esprimente a lingüiça”; “Fexe o portão”, são frases que eu entendo, você entende e qualquer um entende mas que não se adequam à norma culta adotada e aceita pela cultura oficial. São pessoas comuns, pessoas do povo, tentando se incluir num meio onde o boca-a-boca não funciona mais e é preciso avisar à clientela os detalhes do negócio.

Antes não precisava de cartaz, não precisava de nada disso. O camarada chegava na bodega da esquina, onde, conversa vai, conversa vem, se falava que lá em Maria de seu Zé de Quinca tinha uma galinha torrada de dar água na boca. E era cada prato de comida que dava pra comer três pessoas. O freguês ia, pedia, Dona Maria trazia a galinha com todos os acompanhamentos e o trabalho era somente deliciar-se com a iguaria.

Mas os temos mudaram e veio a comida no peso, o auto-atendimento, o famoso “self-self”, como já vi escrito também em outro lugar. E as pessoas precisam se incluir nesse mundo mágico e misterioso dos letreiros e cartazes, complicado pelas palavras em língua estrangeira que permeiam nosso cotidiano. O cara que anuncia no balcão da lanchonete “We speak inglish” está se adaptando aos novos tempos, à penetração cada vez maior do turismo, e provavelmente fala inglês mesmo, e bem, e consegue se comunicar com os estrangeiros apesar de não dominar a língua escrita.

Fazer o quê? É isso mesmo. Devagarinho, devagarinho, as coisas se equilibram, uns aprendem a escrever em inglês, outros colocam um anúncio “Sirva-se você mesmo”, que é uma tradução tão brasileira quanto adequada do “self-service”. Outros anunciam “almoço no peso”. E se for mesmo dona Maria quem estiver pilotando o fogão, o prazer gastronômico é garantido porque talento não tem idioma nem nacionalidade.

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Grandes atrizes

Clotilde Tavares | 23 de fevereiro de 2010

Como gosto de ler e vivo lidando com idéias, as pessoas que me conhecem pensam que eu só gosto de filme “cabeça”, de filme complicado, do chamado “filme-de-arte”. Até que gosto mas, normalmente minhas predileções vão para os filmes históricos e de época, thrillers de suspense e comédias românticas. Também acompanho a obra dos meus diretores preferidos, como Clint Eastwood, Quentin Tarantino e or irmãos Coen.

Tudo isso para dizer que há uma comédia romântica que adoro assistir e que vejo sempre quando passa na TV: “Legalmente Loira”, de Robert Luketic. O filme é tão equilibrado no romantismo, na evolução dos personagens como na transformação da loira fútil em advogada de sucesso, e principalmente na frescura – comedia romântica sem frescura não dá – que dá gosto assistir.

Entre os desempenhos irrepreensíveis que permeiam o filme quero salientar um: o da atriz Holland Taylor, que faz o papel da professora Stromwell, aquela que logo no começo do filme arrasa com a loira do título logo na primeira aula em Harvard.

Aqui, algumas reflexões. Depois que entram para a chamada terceira idade, atrizes muito boas entram num limbo de falta de trabalho. É claro que não me refiro a atrizes como Meryl Streep, Shirley MacLaine ou outras famosas e oscarizadas; mas a todo aquele cortejo de coadjuvantes que conseguem dar vida e destaque a seus papéis.

Uma das coisas que mais gosto de dizer é que não existem pequenos papéis; existem pequenos atores. Neste filme “Legalmente Loira”, Holland Taylor consegue ser irrepreensível nas pequenas cenas em que aparece, e a gente vê claramente onde está o trabalho do ator: no tom da voz, na forma de colocar as mãos, no olhar, no erguer de uma sobrancelha… Ah, é um supremo prazer ver uma atriz como essa trabalhar.

Você pode também vê-la todo dia na série “Two and a half man”, onde ela está completamente diferente fazendo o papel de Evelyn Harper, a impagável e politicamente incorreta mãe de Charlie e Alan.

Vida longa a Holland Taylor!

Holland Taylor

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Holland taylor, Legalmente Loira, two and a half man
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Similia similibus

Clotilde Tavares | 22 de fevereiro de 2010

Na década de 1970, quando eu fiz Faculdade, a Homeopatia era considerada crendice, superstição ou, no máximo, em palavras muito favoráveis, conhecimento tradicional mas sem comprovação científica.

O tempo passou, as coisas foram mudando e hoje a Homeopatia é ensinada nas escolas e  considerada uma especialidade média. Os médicos que a praticam também não podem mais ser acusados de charlatanismo. Da mesma forma que a Homeopatia, outras práticas tradicionais como a Acupuntura, por exemplo, saíram da clandestinidade e hoje são aceitas e desenvolvidas.

Como professora do curso de Medicina, de 1976 a 1992, eu eventualmente fazia parte do Colegiado do Curso e lembro de uma ocasião em que foi discutido o assunto. O que se alegava era que os medicamentos homeopáticos, por serem excessivamente diluídos, não continham quantidade terapêutica da substância que supostamente causa a cura; e os padrões energéticos que os homeopatas alegam ser responsáveis pela cura não podem ser comprovados cientificamente.

Não quero entrar no mérito da discussão, isso mesmo porque na minha cabeça ela já está superada ao longo desses 30 anos em que vi a Homeopatia ser praticada sempre com responsabilidade e com sucesso.

O que me parece é que voltei esses mesmos 30 anos atrás no tempo quando assisti ao Jornal Nacional nesta segunda feira. Uma matéria mostrou que na Inglaterra, o parlamento britânico através de um relatório da sua Comissão de Ciência e Tecnologia afirma que os remédios homeopáticos não têm eficácia, são inócuos e, se curam, é por efeito psicológico, a exemplo dos placebos. Continua afirmando o relatório que as explicações cientificas que procuram referendar a homeopatia não são convincentes e recomenda que o governo não ofereça mais essa opção nos serviços públicos de saúde.

Parece que a tal comissão não levou em conta todos os estudos igualmente científicos que vem sendo realizados ao longo dos anos e que comprovam a eficácia da homeopatia. Eu, que já vivi muito, desconfio de quando vejo parlamentares subitamente interessados numa questão desse tipo, como essa levantada pelo parlamento britânico. Como a homeopatia é uma opção terapêutica barata e com nenhum efeito colateral, sinto cheiro de influência do lobby farmacêutico alopático por trás disso tudo.

Sou usuária eventual da homeopatia e considero que sua indicação é de primeira escolha em certos tipos de problemas de saúde. Como não faz mal, não vejo motivo para criticar seu uso a não ser, é claro, o motivo financeiro de quem sempre quer lucrar mais com a doença dos outros.

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Acabou o horário de verão!

Clotilde Tavares | 21 de fevereiro de 2010

Há uma anedota muito antiga que vi em um velho filme de caubói, não me lembro qual. A história era sobre um índio que, chateado porque seu cobertor era pequeno, cortou um pedaço dele e costurou na outra ponta, para que ficasse mais comprido.

Assim é que eu vejo o horário de verão, que felizmente acabou. O dia continua tendo as mesmas vinte e quatro horas; as coisas que precisam do claro ou do escuro para acontecerem continuam acontecendo do mesmo jeito, como aquelas pessoas que têm o costume de acorda cedinho quando o dia começa a clarear, não importa se é seis, cinco ou quatro horas da manhã. O perigo das ruas também continua atrelado à escuridão, não importando aquilo que o relógio está marcando.

No Brasil, há um horário muito importante que é o da nossa maior emissora de televisão. O horário global domina várias instâncias de nossas vidas, queiramos ou não. Marcamos compromissos depois do Jornal Nacional ou da novela das oito – que nunca começa às oito. Neste ano, a rede Globo alterou a ordem dos programas e, durante algum tempo, tivemos o Jornal Nacional, depois a novela das sete e só depois a novela das oito. Então aqui no Nordeste, onde não precisamos alterar o relógio, somos afetados do mesmo jeito por causa das mudanças na programação televisiva.

Como gosto muito de Televisão e acompanho a programação da TV por assinatura, tenho por hábito, no início do horário, enquanto me acostumo às mudanças, manter na parede um relógio no horário de Brasília – ou seja, uma hora à frente – para não perder meus programas favoritos. Esse relógio adiantado também me ajuda quando preciso ligar para meus irmãos, que moram no Rio e em São Paulo, e também para outros telefonemas importantes. Por outro lado, o relógio uma hora adiantado criou algumas complicações, sendo a maior delas comigo mesma, que muitas vezes pulo de susto pensando que estou atrasada sem me lembrar de que eu mesma adiantei o relógio.

Isso me lembrou a casa de Mamãe, em Campina Grande. No horário de verão ela mantinha compromissos que seguiam o “horário velho” e outros que se baseavam no “horário novo”. Nunca compreendi de que forma ela conseguia se organizar, mas agora me vejo fazendo a mesma coisa! Deve ser da idade!

Enfim, nada é mais relativo do que essa entidade vaga e imponderável chamada Tempo. Fonte de estresse para uns, mas dobrável e manipulável para outros, o tempo é aquilo que é: uma invenção do homem, uma convenção, um acordo coletivo feito pelas pessoas para poderem organizar melhor sua vida.

São minutos que duram horas enquanto o dentista perfura o nosso dente com aquela famigerada broca, ou horas que parecem durar segundos quando estamos ao lado de alguém que amamos, e que precisa se despedir e ir embora. Horário de verão ou de inverno, tempo de amor ou despedida, horas de dor ou paixão, minutos de sofrimento ou de supremo deleite: disso é feita a Vida, essa é a matéria prima da Existência.

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Haja paciência!

Clotilde Tavares | 18 de fevereiro de 2010

Você deve ter notado que meu ritmo de postar todo dia anda meio atropelado: tem dia que posto, tem dia que não posto.

Não é culpa minha, meu caro leitor. Não sei o que está havendo mas tem dias que eu simplesmente não consigo abrir o blog para postar. Não sei se o problema é do WordPress, onde este blog está alojado, ou do meu computador. Abro tudo normalmente, menos este maldito blog no qual me propus a postar todo dia.

Para a pessoa quase-meio-um-pouco obsessiva que sou, isso tem sido uma tortura. Vem a vontade de escrever, e a máquina não corresponde. Mais tarde, quando abre, eu já estou cansada, enjoada, impaciente, e blogar não é só escrever: tem que procurar as fotos, que incluir no post, e para tudo isso é preciso uma disponibilidade que eu não tenho toda hora.

Este texto, que escrevi ás nove da manhã, só está sendo postador agora, às 14h40.

Então mais uma vez me perdoe se você vem aqui e não tem coisa nova. Há um pessoal cuidando de resolver esse problema, mas ainda não resolveram.

Eu estou tendo paciência.

Peço também a sua.

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Caia na gandaia!

Clotilde Tavares | 16 de fevereiro de 2010

No Brasil é assim: não importa em que mês caia o Carnaval, se é em fevereiro, ou se é em março, a vida nacional só engrena, só pega ritmo depois que passa o chamado “reinado de Momo”. Até terminar esses três dias, que viraram quatro, depois cinco e que já são bem uns dez em lugares como Olinda ou a Bahia, o brasileiro fica por ali, se escorando, empurrando com a barriga, sem querer iniciar nada novo, sempre deixando “para depois do Carnaval”.

Até eu descolei nesse Carnaval!

Se o meu caro leitor acha isso “o fim”, e diz sempre que “é por isso que esse país não sai das dificuldades”, fique sabendo que o Carnaval é uma festa muito antiga, uma tradição pré-cristã, onde as pessoas literalmente caíam na gandaia e que tinha como objetivo liberar as tensões, relaxar da crueldade e das obrigações do dia-a-dia, beber e farrear. Uma das coisas mais importantes desses festejos era a verdadeira inversão de valores, onde tudo aquilo que era errado e inaceitável nos demais dias, tornava-se permitido e aceito nos dias de Carnaval. A quebra da hierarquia era uma dessas características, com empregados faltando às suas obrigações, mulheres casadas caindo na farra, filósofos e pensadores bêbados como qualquer escravo e homens vestidos de mulher. A festa servia como válvula de escape para as sociedades que disso precisavam para se manterem saudáveis, como qualquer ser humano precisa de vez em quando dar uns gritos e sair do sério para liberar as tensões.

Então, como o leitor já deve ter percebido, tudo isso continua valendo. No Carnaval ninguém quer trabalhar, a empregada sai na sexta de noite e só volta na quinta-feira seguinte, o professor universitário se veste de papangu, as crianças molham os transeuntes com suas bisnagas de plásticos cheias de água, as mulheres avançam no terreno da ousadia e o comerciante respeitável pega o vestido da esposa, arranja duas quengas de coco para fazer os peitos e sai pela rua vestido de mulher.

A favorita de Zeus!

A favorita de Zeus!

Nesse período vale tudo, e é por isso que ele se chama “carnaval” que vem de “carne vale”, termo inventado pela igreja cristã do primeiros séculos quando começou a limitar e a censurar as Saturnálias, que eram o antigo nome do Carnaval e que duravam mais tempo. Aí, a igreja limitou a festança a poucos dias e como depois se seguia a Quaresma, onde não se podia comer carne, a festa passou a ser chamada de “carne vale”, onde era permitido, entre outras, coisas comer carne.

Então é isso, caro leitor. É um período bom para exercitar o nosso lado lúdico, brincalhão, para que cada um de nós se permita ser algo diferente daquilo que somos todo dia. O Carnaval é um convite ao exercício da fantasia, da liberdade, da imaginação.

Eu podia até dizer aqui que, como já é terça-feira, o carnaval está quase terminando. Mas como todo mundo sabe que há lugares onde se brinca por vários dias ainda além dos três dias regulamentares, eu reforço que ainda é tempo.

Gipsy, a cigana desbocada e politicamente incorreta, meu alter-ego.

Se você ainda não fez nada, vista um personagem. Transforme-se por algumas horas em outra pessoa, abra mão dessa personalidade que muitas vezes lhe pesa tanto e através da qual tantas cobranças lhe são feitas. Deixe de ser, apenas por momentos o pai cuidadoso, a mãe extremosa, o cidadão respeitável, o empregado pau-pra-toda-obra, a esposa cumpridora das obrigações, o estudante aplicado, o empresário viciado em trabalho, o operário explorado, a faxineira que trabalha sete dias na semana.

Esqueça a tristeza, a mágoa, a responsabilidade, a raiva, o cansaço, a desesperança e caia na farra. Vista o seu personagem: mulher fatal, de vestido vermelho e decotado, com longa piteira; o palhaço desbocado e inconveniente; o cachorro louco, latindo e correndo atrás dos outros; o pirata, de tapa-olho, espada e lenço vermelho; a cigana, a ler a mão dos transeuntes; a odalisca, sensual e bela; o rei de nenhum reinado, majestoso com sua coroa de lata.

Depois, é dormir um bom sono, curtir a ressaca e empreender, a partir da quinta-feira, as tarefas deste novo ano que só se inicia, de verdade, depois que passa o Carnaval.

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Antigos carnavais

Clotilde Tavares | 14 de fevereiro de 2010

Neste domingo de Carnaval a minha vida virtual está por um fio. Falo assim porque o adaptador do meu notebook – aquele acabo que conecta a máquina à tomada de energia – está com mau contato, com péssimo contato, em vias de pifar. Está na garantia, mas onde danado eu vou achar assistência técnica autorizada num domingo de Carnaval? Pois é.

Enquanto escrevo, fico com um olho na tela e outro no pequeno led verde, que indica que o contato está feito. Se o led apaga, e apaga do nada, eu fico sem a máquina…

Então, nas carreiras, “ligêro como quem róba”, como se diz lá no mato, vou postar aqui umas imagens de antigos carnavais e lhe pedir encarecidademnte que não me abandone enquanto eu não normalizar essa situação e ficar sem atualizar o blog todo dia. Entre os meus grandes terrores está o de perder o contato com você, meu caro leitor, em homenagem de quem me sento todo dia aqui para escrever.

1949 foi o meu primeiro Carnaval. Eu tinha somente um ano e dois meses, usei um pierrô de seda colorida e, de lança-perfume em punho, já anunciava um futuro nada ortodoxo...

Em 1952 usei essa fantasia de presidiário em seda listada de vermelho e branco. As fantasias eram idealizadas por Papai e confeccionadas por Mamãe. A cidade ao fundo é Campina Grande-PB e eu tinha 4 anos de idade.

1953. Eu e meu irmão Braulio fantasiados de "turcos". Braulio de calça de seda azul, blusa branca e bolero preto bordado de lantejoulas, Na cabeça um chapeu feito de cartolina com areia prateada; eu uso saia de várias cores de seda, e na cabeça um turbante (ai, meu Deus! esse turbante nunca ficava no lugar) de seda violeta - que Mamãe chamava de "ciclámen". Nos pés, tênis e meias brancas para "pular" o frevo sem machucar os pés... Cada um com sua lança-perfume e o saquinho de confetes.

Há também uma foto maravilhosa do Carnaval de 1950, onde eu estou de havaiana vermelha; mas essa foto – com sua descrição – você vai ver lá no blog Memoria Viva.

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"Toda vez que um juiz prende um ladrão…"

Clotilde Tavares | 11 de fevereiro de 2010

Hoje, com a notícia da prisão do governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, disseram logo:

– Não adianta! Rapidinho vem outro juiz e manda soltar!

Aí eu me lembrei de uma história que está lá no livro “Os Martelos de Trupizupe”, da autoria do meu irmão Braulio Tavares.

Braulio glosa em martelo em decassílabo o mote “Toda vez que um juiz prende um ladrão/  Chega outro juiz, manda soltar!”

O verso foi escrito há uns oito anos, mas parece que foi escrito hoje, não é, minha gente?

*     *     *

Glosa ao mote

Toda vez que um juiz prende um ladrão/ Chega outro juiz, manda soltar

Por Braulio Tavares – Do livro “Os Martelos de Trupizupe” (Natal, Engenho de Artes, 2004)

1.

Toda vez que um soldado de polícia

leva preso um filhinho-de-papai,

meia hora depois ele já sai

com propina na hora mais propícia…

Toda vez que um jornal dá a notícia

dos trambiques de algum parlamentar,

noutro dia precisa apresentar

desmentidos de toda a redação…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

2.

Quando algum promotor tem a coragem

de enfiar sua mão nesse vespeiro,

chega um fax e manda bem ligeiro

que ela mexa com outro personagem…

Se o Congresso descobre sacanagem

e promete depressa investigar,

muita gente começa a encomendar

uma pizza gigante pro salão…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

3.

Mesmo quando um ladrão endinheirado

por acaso pernoita na cadeia

ele tem boa cama e boa ceia

numa cela com ar refrigerado.

Sendo o caso de ser um magistrado,

tem direito a TV e frigobar;

tem cozinha francesa no jantar

e cobertas de seda no colchão…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

4.

Outro caso na história brasileira

é o juiz conhecido por Lalau

que roubou cem milhões dum tribunal

e escondeu do outro lado da fronteira.

O juiz vai em cana terça-feira

e na sexta já mandam libertar;

não tem homem que faça ele passar

sete dias seguidos na prisão…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

5.

No Brasil tem indústria madeireira

derrubando floresta em todo Estado,

e às vezes vem um advogado

traz a lei, e interrompe essa sujeira.

Mas aí um ricaço abre a carteira

compra a peso de ouro a liminar,

e na mata se volta a escutar

motosserra, machado e caminhão…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

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corrupção, José Roberto Arruda, martelo agalopado, política brasileira, trupizupe
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