Dança comigo?
Clotilde Tavares | 17 de abril de 2009As más línguas dizem que eu sou nervosa, estressada, intolerante, impaciente, perfeccionista, que quero tudo do meu jeito, que não quero aceitar as mudanças.
Nada mais falso. Começando pelo final dessa minha extensa lista de defeitos – minha não, que me atribuem – eu tenho a declarar que sou perfeitamente acessível às mudanças, e posso mesmo acrescentar que procuro por elas. Sou doida por mudança, sou maluca por novidade. Todo mundo é testemunha de que fui uma das primeiras pessoas a me conectar à Internet, quando a maioria dos seres humanos da minha idade pensava que a rede mundial de computadores era uma coisa para adolescentes, e que era usada basicamente para jogos on line. Estou conectada desde 1993, ou 94, nem me lembro bem.
Quanto a querer tudo do meu jeito – e aqui me lembro daquele personagem que dizia que só tinha dois jeitos: o jeito dele e o jeito errado – continuo dizendo que não é bem assim. Descobri, ao longo dessa minha vida de décadas, que há jeitos muito melhores do que o meu jeito, e venho praticando jeitos de todo jeito, em todas as áreas nas quais atuo, e sempre, sempre me dando muito bem.
Agora no que se refere a algumas pragas da vida moderna: som alto, gente sem noção, políticos desonestos (aliás, bastava dizer ”políticos” porque não conheço um só que seja honesto – deve até existir, mas eu não conheço), falta de delicadeza, de cordialidade, de reconhecer e respeitar o espaço do outro… Aí sim, eu sou mesmo nervosa, estressada, impaciente.
Já escrevi demais sobre isso, mas sempre tem assunto, sempre tem uma história nova para contar. De novo e sempre e novamente e outra vez voltam à cena esses “ceresumanos, meus dessemelhantes”. Encontrei-os ontem no shopping, quando tentava comprar um presentinho para minha sobrinha-neta, que completou quatro anos. Eu queria comprar uma carteirinha de cédulas para a garota, pois ela já está começando a entender o valor do dinheiro e precisa de um lugar para guardar suas moedinhas e as notas de dois reais que a tia-coruja lhe dá de vez em quando.
Entro na lojinha descolada e divertida, toda enfeitada, com garotas atendentes alegrinhas e risonhas. Enquanto estou me aproximando das prateleiras para olhar os artigos, uma delas, aí dos seus vinte, vinte e poucos anos se aproxima.
– Oi! – e irradia sobre mim toda a energia da sua juventude, enquanto executa um passo de dança no ritmo da música que é transmitida pelo “som” da loja, em volume um pouco acima do normal.
– Oi! – respondo eu, um pouco cansada, e já meio impaciente, pois há quase uma hora ando nesse shopping em busca da tal carteirinha. – Você tem carteirinha de cédulas para menina?
– Oi? – responde a garota, trocando a exclamação pela interrogação, pois o som altíssimo não deixa que ela ouça. Repito a pergunta, e quando já estou quase desconfiada de que o vocabulário dela se restrinja à palavra “Oi”, ela grita para as outras, que estão amontoadas atrás do balcão, em risinhos e cochichos, uma vez que sou a única cliente da loja:
– Mulhééééééééé (assim mesmo, sem o “r”)! Baixa esse som aí, que eu não tou nem conseguindo escutar a cliente!
O som é baixado, e ela me olha, ainda dançando, e diz:
– Oi! Como é seu nome?
– Meu nome? – pergunto eu, sempre surpresa quando acontece de entrar numa loja e quererem saber o meu nome. Eu entrei ali para realizar uma compra, uma transação comercial, e não para fazer amizade. Mas respondo.
– Clotilde.
Ela se derrete toda:
– Oiiiiiiiiiiiii, Matilde!
– Matilde não, minha filha: Clo-til-de.
– Ah, sim, desculpe. Clo-til-des! Pois o meu é Fabiana.
– Oi, Fabiana – respondo eu, na falta de coisa melhor para dizer. – Vocês tem carteirinha de cédulas para menina?
– Para menina não, Clotildes, mas temos umas lindas para meninos, você não quer dar uma olhadinha?
– Não, eu queria para menina. É um presente para uma menina de quatro anos.
– Ah, Clotildes, então você não quer ver outras opções de presentes? Temos cada artigo lindo, e tenho certeza de que a menina ia gostar muito mais do que de uma carteira. Criança de quatro anos não usa carteira ainda!
Isso é discutível. Criança de quatro anos usa agenda, com os compromissos da escola. Por que não poderia usar carteira para guardar o dinheiro do lanche? Mas desisto, não tenho mais energia para continuar a conversa.
– Então se você não tem, obrigada – e vou saindo. Ela vem atrás de mim, pega no meu braço:
– Mas Clotildes, você já vai? Fique mais um pouco!
Bem, isso aqui deve ser algum tipo de festa, penso eu. Aí, acerto o meu passo com o dela, porque a criatura continua dançando o tempo inteiro em que conversa comigo e começo a dançar com ela até ela ficar sem jeito, parar de dançar, quando então a deixo plantada e vou embora sem uma palavra.
Por isso me chamam de impaciente, estressada e sem jeito.
Sou mesmo.