Shakespeare, sempre e eternamente!
Clotilde Tavares | 21 de abril de 2009Todo ano nessa mesma época estou falando, escrevendo, dando cursos ou oficinas sobre William Shakespeare, o imortal poeta e dramaturgo inglês, o homem cuja obra atravessou incólume, poderosa e sempre renovada a barreira dos séculos e ainda encanta multidões.
Nesta quinta-feira, 23 de abril, decorrem 445 anos do seu nascimento, que ocorreu no ano de 1564 na cidade de Stratford-on-Avon, na Inglaterra. E daqui dessas lonjuras do espaço/tempo eu, fã inconteste, tiete despudoradamente shakespeareana até a última fibra do meu coração poético e teatral, saúdo este homem e digo que sua leitura continua sendo fonte de um prazer estético e artístico indescritível, que deveria ser experimentado por todos.
Por que ler Shakespeare hoje? Ora, minha gente! Porque Shakespeare – como todo clássico – é atual, é universal e é genial. Mas é velho, diria você. É antigo, é antiquado, trata de reis e rainhas, coisas obsoletas, que não existem mais.
Mas eu lhe peço dois minutos de atenção. Imagine uma história onde fantasmas aparecem e revelam crimes do passado, e um jovem se vê na obrigação de vingar a morte do pai, sendo traído e enganado pelos amigos e pelo rei, usurpador do trono. Na ânsia de vingar-se, despreza a namorada e ela enlouquece e morre. No final, tudo dá errado e morrem todos! Parece quadrinhos, Sandman, Mangá, Kill Bill ou Batman. Parece a novela das oito ou o último épico que está passando no cinema próximo.
Mas não é nada disso: é “Hamlet“. O bom é que esta peça, escrita em 1501, pode ser vista como uma história de assassinato e vingança, povoada de fantasmas, suicidas e paisagens de cemitérios; mas pode também ser entendida como uma das mais espetaculares viagens de descoberta de um ser humano à procura da sua própria alma.
E não venha me dizer que Shakespeare é chato, que a linguagem é incompreensível e difícil de entender. Eu defendo a idéia de que tudo que há em “Hamlet” pode ser compreendido por qualquer adolescente de quinze anos. É somente uma questão de se entregar, de mergulhar na lógica interna daquela linguagem aparentemente difícil. Depois de dez minutos, você está entendendo tudo.
Aí alguém pergunta (como já me perguntaram): “E porque então ele não escreveu numa linguagem mais simples?” Ora, meu caro leitor! Você está propondo que o pavão, com aquele leque de mil cores que se desdobra com lentidão e maravilha, se torne preto e branco? O que eu sei é que os jovens adoram, quando entram na viagem.
E o que é isso: “entrar na viagem”? É despir-se dos preconceitos e ultrapassar as barreiras que nos separam dessa obra tão genial. A principal barreira, e talvez a mais amedrontadora, é mesmo a da linguagem. William Shakespeare se expressa com riqueza de detalhes, de metáforas e de imagens poéticas de uma forma que revolucionou a língua inglesa da época elisabetana e que ainda hoje dificulta um pouco a sua leitura até mesmo no idioma original. Mas é só relaxar, deixar-se levar pela magia das palavras e começar a entender que “o úmido astro que ergue o império de Netuno” é a Lua, e que “a carga de Hércules” é o mundo, o globo terrestre. Mal comparando, as músicas de Marcelo D2 e do “rap” em geral, por exemplo, também são incompreensíveis para quem não “entra na viagem” da linguagem, das expressões, dos assuntos abordados.
Quanto aos temas, são os mesmos e eternos temas que o ser humano sempre gostou de discutir: ambição (“Macbeth”), vingança (“Hamlet”), inveja, ciúme e desconfiança (“Otelo”), amor impossível (“Romeu e Julieta”), enganos do amor (“Sonho de Uma Noite de Verão”), velhice, decrepitude e ingratidão dos filhos (“Rei Lear”), orgulho e prepotência (“Coriolano”), a luta pelo poder (“Ricardo III”, “Júlio César”), magia e encantamento (“A Tempestade”), como agarrar um homem – ou uma mulher (“A Megera Domada”, “Trabalhos de Amor Perdidos”), o exercício da justiça (“O Mercador de Veneza”)… e por aí vai.
A experiência prática que eu tenho é que, quando se apresenta Shakespeare aos jovens, no início há uma estranheza por causa da linguagem; mas logo em seguida, quando se “entra na viagem”, a paixão é súbita, avassaladora e permanente, a mesma paixão que se abateu sobre mim quando, curiosa e despida de idéias preconcebidas, li o “Hamlet” pela primeira aos 16 anos de idade. Não compreendi muita coisa, mas gostei – nem sempre é preciso compreender para gostar – e hoje, depois de décadas lendo de novo e novamente essa obra, considero que ela ainda me reserva muitos espantos e surpresas.
A partir de hoje, e por mais dois dias, culminando no dia 23 de abril, seu aniversário, estaremos aqui rendendo homenagem a William Shakespeare.
Então, comemore comigo e saiba que, em qualquer lugar do mundo, quando no ar vibrarem as suas palavras imortais, lidas em qualquer idioma, o bardo de Stratford estará conosco, conectando-nos com a alma poética da Humanidade, e fazendo correr um oceano de Beleza, Poesia e Prazer para dentro do nosso coração.