Abençoada terra
Clotilde Tavares | 17 de junho de 2009Sabe aqueles dias em que a gente está assim, com o coração meio desassossegado, sem achar canto, sem conseguir ler ou escrever nem se concentrar naquilo que passa na TV? Aqueles dias em que, ultrapassados os surtos hormonais da juventude, mesmo assim, a gente começa a sentir uma vontade sei-lá-do-quê, uma saudade do que ainda não aconteceu, e uma sensação de que é preciso voltar, mas que a gente não sabe para onde? Pois é. Nesses dias de cão, antes que o mau-humor baixe sua negra cortina sobre a cena da minha vida, eu encontrei um remédio poderoso para afastar esses fantasmas. Uma coisa simples, que todo mundo tem e pode fazer em casa: cuidar das plantas.
Explico. A terra e os seres vegetais que dela brotam têm um incrível poder regenerador e curativo nesses estados de alma desassossegada. Isso porque a energia vital da terra, que continua vibrando mesmo num simples vaso de plantas cultivado em apartamento é uma energia primordial, atávica, profundamente conectada com nossas memórias primeiras.
Tenho poucas plantas, pois a moradia em apartamento e as viagens constantes não me permitem uma maior quantidade. Elas ssempre me socorrem e acalmam meu coração e minha mente, mostrando mais uma vez o milagre dos ciclos de renovação/destruição inerentes à natureza de tudo o que é vivo. Tudo que é vivo morre, mas tudo que morre renasce outra vez.
A semente mergulhada na terra morre como semente mas rebenta em planta dando origem a novas sementes, completando e eternizando o ciclo. Quando morremos, morremos para este mundo, e nos misturamos ao pó, à terra, à mesma terra na qual são mergulhadas as sementes. Nosso DNA, no entanto, sobrevive na descendência; e a essência se incorpora a uma essência maior, à Grande Alma Universal, ou qualquer que seja o nome pela qual a queiramos chamar.
Todos esses pensamentos passam pela minha cabeça enquanto estou cuidando das minhas plantinhas: uma muda do tamarindo de Augusto dos Anjos, que eu trouxe de Sapé, e que plantei em um vaso; uma figueira-da-Índia minúscula, bonsai que ganhei de presente há mais de dez anos; a orquídea que herdei de Mamãe, e que floresce todo ano; as pequenas suculentas, que não dão trabalho e sempre estão bonitas; e o comigo-ninguém-pode, planta que considero meu emblema pelas caraterísticas que tem: resistente, valente, venenosa e bonita ao mesmo tempo, um perigo! Gosto de pensar que essa planta parece comigo, e se eu tivesse um brasão, ela estaria num dos campos como símbolo da minha natureza.
Energias restauradas, paz no coração e na mente, é assim que me sinto depois de algum tempo com as mãos mergulhadas na terra abençoada. Pronta para continuar seguindo em frente.