O fim do mundo
Clotilde Tavares | 19 de junho de 2009Há uns quinze anos, eu lia muita literatura esotérica, mais por curiosidade do que por qualquer outro motivo, uma vez que todas as minhas tentativas de acreditar em alguma coisa que escapasse à minha concepção lógica do Universo deram errado.
Sou cética por natureza, embora tenha uma mente muito reverente diante dos milagres – naturais, sempre naturais! – que vejo acontecerem todo dia na minha frente.
Nessa época li uns livros sobre o calendário maia e fiquei abismada com a forma como aquela civilização concebeu e desenvolveu explicações sobre o funcionamento do Universo, fez cálculos astronômicos de rara precisão e já tinha conhecimento do zero enquanto a Europa ainda estava mergulhada na superstição e no obscurantismo.
Os livros que li sobre o calendário maia foram um poderoso insight para mim e alimentaram com um rico veio a minha fantasia e a minha criatividade. Além disso, a forma como esse povo antigo media o tempo era tão sofisticada e elegante que até hoje me deixa entusiasmada.
Entre outras coisas, os maias falavam que o ano de 2012 reperesentaria, segundo a sua forma de medir o tempo, o fim de uma era; que isso se daria a 21 de dezembro; e que a partir daí o mundo como o conhecemos iria se modificar de maneira completamente radical. Muitas pessoas que conheço acreditavam e ainda acreditam nisso. Respeito as crenças e acho que todo mundo tem direito de acreditar no que quiser mas eu mesma nunca acreditei. Acho bonito, mas não acredito.
Mas existe na Internet um site de uma organização científica, o Instituto para a Continuidade Humana, onde há depoimentos de cientistas que afirmam que os acontecimentos previstos para 2012 são inevitáveis, e que há 94% de certeza de que nesse ano ocorram eventos cataclísmicos que irão devastar o nosso planeta, sendo é preciso que providências urgentes sejam tomadas a respeito. Eles apontam inclusive algumas dessas providências e mostram simulações do que vai acontecer em 2012.
Mas é tudo mentira, meu caro leitor. Se você acessar o site do tal Instituto, – que é um site muito bem feito, parecendo mesmo “a cara” de uma instituição científica respeitável – você vai ver que lá no finzinho, na última linha, depois que você rola a tela todinha, os direitos autorais do site pertencem à Sony Pictures Digital Inc., e que tudo não passa da propaganda de um filme que a produtora estará lançando em breve.
O problema com esse tipo de material publicitário é que pessoas desavisadas podem entar num estado de verdadeiro terror e tomar tudo como verdadeiro, com consequências imprevisíveis, a exemplo do que aconteceu em Nova York em 1938 quando Orson Welles, então um simples locutor de rádio, encenou A Guerra dos Mundos, de H.G.Wells, em uma emissora da cidade, narrrando uma suposta invasão de “marcianos” com tanta veracidade que a população se apavorou, havendo todo tipo de transtornos na metrópole e gerando as maiores confusões. Pessoas que haviam perdido o início do programa dizendo que era uma dramatização acreditaram piamente na invasão “marciana” e tentaram deixar a cidade causando gigantescos engarrafamentos. Outras, armadas até os dentes, atiravam em tudo que achavam parecido com “naves alienígenas”.
Soube dessa história do site do pretenso “Instituto para a Continuidade Humana” através do boletim HypeScience, que sempre me fornece histórias interessantes. Se você assinar a newsletter, as histórias vão chegar direto na sua caixa postal. Mais matérias sobre esse assunto de hoje, de onde tirei os elementos para este post, você pode ver aqui e aqui.
Para concluir, não deixo de me lembrar do delicioso samba de Assis Valente que eu gostava de ouvir com Aurora Miranda, regravado um dia desses por Adriana Calcanhoto, e do qual lhe dou a letra, para você tomar tenência e não embarcar nessas histórias de fim-de-mundo, cometendo excessos que depois vão lhe deixar na maior saia-justa.
E o Mundo Não se Acabou, de Assis Valente
Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disso minha gente lá de casa
Começou a rezar…
E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite lá no morro
Não se fez batucada…
Acreditei nessa conversa mole, pensei que o mundo ia se acabar
E fui tratando de me despedir, e sem demora fui tratando
De aproveitar…
Beijei a boca de quem não devia, peguei na mão de quem não conhecia
Dancei um samba em traje de maiô
E o tal do mundo não se acabou…
Chamei um gajo com quem não me dava, e perdoei a sua ingratidão
E festejando o acontecimento, gastei com ele mais de quinhentão…
Agora eu soube que o gajo anda dizendo coisa que não se passou
E, vai ter barulho e vai ter confusão, porque o mundo não se acabou…