Gripe suína e tosse canina
Clotilde Tavares | 17 de julho de 2009Primeiro é um gosto estranho na boca, um sabor de maresia, de sargaços, de marés estagnadas. Desagradável como uma premonição, o gosto se instala e a gente começa a ter consciência de que existe algo de anormal entre o nariz e a garganta. Em seguida começa o comichão infernal da faringe irritada, coçando, arranhando, enquanto o nariz passa por algumas – poucas – horas de suave permeabilidade para repentinamente se encher de espirros estrondosos, que vêm sabe-se lá de onde com violência e, antes que rompam costelas e esterno, rebentam em explosão com ruídos que variam de pessoa para pessoa. Uns, como eu, abrem a boca quando espirram, por medo de morder a língua, e se fazem ouvir no prédio inteiro; outros espirram pelo nariz, tentando ser discretos, mas quem pode ser discreto e contido na hora de espirrar? Pois é.
Aí, a gripe já está instalada. Dor-de-cabeça, corpo mole, uma sensação de que a carne está se despregando dos ossos, olhos intumescidos e vermelhos, o gosto ruim na boca, a febre. Em cada um dos 208 ossos do corpo é como se alguém estivesse enfiando uma agulha finíssima e incandescente. Atrás do esterno, no lugar onde deveria estar o coração, descobrimos que alojou-se um animal traiçoeiro, que respira com pequenos estalidos e com suas garras afiadas parece querer subir pelos nossos brônquios acima, nos fazendo tossir, tossir, tossir, a tosse seca da irritação brônquica, a pior tortura que se pode desejar a um ser humano.
Além disso, nada tem sabor. A macarronada parece batata sem sal, a carne é como se fosse trapo velho e o chocolate – o divino chocolate – parece um pedaço de sabão. Quem mora sozinho, como eu, acaba passando fome, por pura impossibilidade de se levantar e preparar algo para comer; e feliz do freguês que se lembra de tomar água, porque para melhorar da gripe só funcionam três coisas: muito líquido, antitérmico e repouso.
Depois de uns três ou quatro dias flutuando nesse limbo de sono, prostração, espirros, tosse seca e dor-de-garganta, muito devagar, começamos a achar sabor em um pedacinho de biscoito, sentimos o cheiro do café e já nos arriscamos a uma sopa ou um pratinho de macarrão. Mas nem pensem que passou a pior fase. O animal que morava atrás do esterno, como se tivesse engordado e aumentado de volume, exige mais espaço. A tosse se torna produtiva e escandalosa, impedindo ainda por uma ou duas semanas o convívio social, a frequência a cinema e teatros, e nos deixando sem jeito sempre que tossimos na presença de alguém.
Essa bronquite residual, a famosa “tosse-de-cachorro”, característica da maioria dos episódios de gripe, significa que já estamos curados, que o perigo já passou, e que adquirimos imunidade a mais uma variante desse vírus da influenza, ou gripe, que os cientistas gostam de chamar por letras e números, e que a população adora colocar nomes engraçados, geralmente ligados a acontecimentos da atualidade ou a celebridades da moda.
Não sei o nome dessa que me derrubou, e da qual estou iniciando a fase “início da tosse-de-cachorro”. Talvez tenha sido até a tal “gripe suína”, numa forma atenuada, já que existem casos no estado. Se foi ela, escapei de mais uma, e só me resta comemorar. Mas eu acho que não foi, pois não beijei nenhum porquinho…