Direto ao coração
Clotilde Tavares | 10 de fevereiro de 2010Hoje quero falar aqui sobre um aspecto dos livros que não tem nada a ver com o seu conteúdo ou com aquilo que o autor quis dizer. Refiro-me à dedicatória, que nos arrasta numa viagem emocional pelo passado e nos faz lembrar da pessoa que nos deu o livro, ou daquela animadíssima noite de autógrafos. No pequeno texto, escrito por mãos alheias, residem histórias, demonstrações de afetos, declarações de amor, pedidos de reconciliação… Toda uma vida afetiva pode ser reconstruída através das dedicatórias dos livros de quem tem algumas centenas deles, como eu.
Quando estou arrumando as estantes fico folheando meus livros e encontro verdadeiros achados, como, por exemplo a dedicatória que fez a poeta (ou poetisa, nunca sei qual o certo) Diva Cunha no seu livro “Coração de Lata”, em 1993: “- Clô querida, eis uma mulher louca a teus pés.” Já Alex Nascimento, em “Alma Minha Gentil”, me diz: “- Clotilde, juntando nossas loucuras, ah, não dá um suspiro de Camões! Mas vale a pena e as penas.”
Marize Castro, nos idos de 1984, já me dedicava o seu “Marrons, Crepons, Marfins” como se segue: “- A Clotilde, que como eu e Ana C. há muito desistiu de afundar navios.” Ana C. é Ana Cristina César, poetisa (ou poeta?) de quem ambas gostamos muito. E Bráulio Tavares, meu irmão, em 1981, me dedicou “Balada do Andarilho Ramón” com esse primor que é, por si só, um poema: “Para Tide, minha irmã mais velha, velha irmã mais minha, que fez minha cabeça e sempre fará o meu coração.”
Ah, meu caro leitor, é bom ter vivido para merecer palavras como essas, que vão direto ao coração. E tem mais. Olhem a dedicatória que o escritor e agitador cultural pernambucano Jomard Muniz de Britto me faz no seu “Arrecife de Desejo”, em 1994, conseguindo reunir num só oferecimento toda a minha família, com seu texto pop-tropicalista; “- Para o charme devastador, indócil, subSUPERliminar e laminar, entre notícias e libidos mutantes sempre juvenis de CLOTILDE e mais Ana Morena e outras caçadas do Rômulo, filho-sobrinho de B.T. E viva a Marquesa!” A Marquesa era minha mãe, e Jomard, sempre louco, dizia que Rômulo – meu filho – era também filho de Bráulio, que ele chama de B.T.!
Mas de todas as dedicatórias, duas me emocionam profundamente. Uma é do poeta Luís Carlos Guimarães, no livro “A Lua no Espelho”, com data de 1994, que diz: “- Clotilde, perdoe se chego tarde e vestido de branco. Mas veja da janela a lua no espelho do mar. O abraço em flor de L.C.G.” A outra está no romance de Hemingway “O Velho e o Mar”, que Papai me deu no ano de 1977 e que ainda hoje, depois de tantos anos, não posso ler sem me emocionar: “– Clotilde, minha filha, este livro era para lhe ser dado no dia do seu aniversário. Não o foi porque eu queria fazer um oferecimento em verso e não o fiz. Depois, o fiz e o perdi. Hoje, 24-21-77, véspera de Festa, sem verso e sem inspiração, eu lhe entrego ‘O Velho e o Mar’. Eu, o Velho. O Mar, meu coração. E de entorno ao Velho e ao Mar – Você – minha filha, aurora das minhas verdes praias. Teu pai, Nilo.”
E depois disso, caro leitor, o que me resta dizer? Só uma palavra: saudade…