Antônio meu santo
Clotilde Tavares | 12 de junho de 2009Hoje é dia dos namorados, toda a terra está em flor
Só se vê menina e moça, de braço dado com seu amor…
A música, que eu ouvia quando menina, é composição de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, gravada por Blecaute. De todas essas datas que o comércio inventa para vender mais, eu acho essa do Dia dos Namorados umas das mais simpáticas. Aliás, a tradição de um dia dedicado aos enamorados é antiga, vindo dos tempos romanos; em algunas países, comemora-se a 14 de fevereiro, dia dedicado a São Valentim; e no Brail, o dia é dedicado a Santo Antônio.
O dia mesmo é amanhã, 13 de junho, mas como temos o costume de comemorar as datas na véspera, este post de hoje é dedicado ao santo casamenteiro.
Santo Antônio, nascido em Lisboa em 15 de agosto de 1195 com o nome de Fernando de Bulhões, era de família rica e influente. Aos 15 anos, trocou tudo disso por uma vida de fé e oração, ingressando na ordem dos padres agostinianos e tomando o nome de Antônio. Depois, conhecendo o trabalho de Francisco de Assis, mudou de ordem passando a ser franciscano.
Dizem que tinha o dom da oratória e quando falava, não importa em que idioma, todos o entendiam. Relata-se que até os animais ouviam atentamente as suas prédicas, como um célebre sermão que fez para os peixes. Dizem que, por causa disso, anos após a sua morte sua língua foi encontrada intacta, enquanto o resto do corpo já estava reduzido a cinzas. A língua do santo está em exposição na Igreja de Santo Antônio, em Pádua, na Itália.
Sua maior fama mesmo é de santo casamenteiro, talvez porque em vida angariava esmolas para conferir dote às moças pobres, que assim arranjavam casamentos melhores. Mas é ainda invocado quando se quer encontrar coisas perdidas. Cascudo refere que é um dos mais populares santos do Brasil, sendo padroeiro de centenas de cidades brasileiras.
Curioso é que, por sua intervenção em lutas armadas, tem sido agraciado com patentes militares. Vejam só: é capitão da fortaleza da Barra, coronel em São Paulo, capitão em Goiás, soldado na Paraíba e Espírito Santo, tenente-coronel no Rio de Janeiro, tenente no Recife e vereador em Igarassu. Além disso, em várias cidades o santo é proprietários de bens, recebidos por herança, de pessoas que morriam e para ele deixavam em testamento terras, escravos, e o que mais fosse.
Por causa de sua eficácia como casamenteiro, ao longo dos anos a mulherada tem submetido o pobre santo a uma série de vexames para que ele lhes arranje marido. Colocam a imagem do santo de cabeça para baixo, escondem o Menino Jesus que ele traz no braço, tiram-lhe o resplendor… Quando se usava saia comprida, costurava-se o santo na barra da saia, na parte de trás, e ao andar o pobre era rebolado no chão e nas pedras durante todo o dia. Algumas o amarravam numa corda e enfiavam no poço, onde ficava submerso até que arranjasse um marido para a sua torturadora.
Nos idos de 1987-1988, trabalhei com o marchand Antônio Marques na Galeria de Arte do Centro de Turismo de Natal, aprontei poucas e boas com Santo Antônio, colocando as imagens que lá estavam expostas sempre de cabeça para baixo quando entrava na galeria, com o objetivo de forçar o santo a me arranjar um namorado. Sabem o resultado? O santo me arrumou um cara que me deu um trabalho enorme. Foram dez meses de paixão tumultuada e mais uns dois anos para me ver livre da criatura. Durante esse tempo, minha vida ficou de cabeça para baixo, do mesmo jeitinho que eu tinha colocado o santo. Nunca mais pedi nada a Santo Antônio. Eu, hein?
Então, como ficou provado aqui pela minha experiência, Santo Antonio arranja marido sim, mas não se responsabiliza, e geralmente nos manda o primeiro que aparece. Para arranjar marido, minha cara leitora, se pegue com São José que eu lhe garanto que o homem que vai aparecer é que nem o santinho, sério, direito, trabalhador, caseiro, um homem de família, que pode até aceitar com bom humor e paciência alguma excentricidade sua, uma vez que ele aceitou sem questionar a missão de zelar pela virgem grávida que foi colocada sob a sua guarda.
De qualquer maneira, e como não quero decepcionar a minha imensa multidão de 3 ou 4 leitoras que estão no afã de arranjar marido, namorado, caso, companheiro, chamego, xodó, rolo, ficante, sainte, ou seja lá que nome se dê hoje em dia à criatura que conosco enrosca pernas, braços, emoções e pensamentos, uma coisa de cada vez ou tudo junto, estou aqui repassando para você, cara leitora, uma oração de Santo Antônio recebida de herança e que – para os meus tormentos – sempre faz efeito.
Santo Antônio dos Cativos
Vós que sois amarrador
Amarrai por vosso amor
Quem de mim quer fugir
Empenhai o vosso hábito
E vosso santo cordão
Com algemas muito fortes
E um poderoso grilhão
Para que façam impedir
Os passos de FULANO
Que de mim quer fugir
E fazei meu Santo Antônio
Pelo amor de Nossa Senhora
Que FULANO case comigo
Sem tardança e sem demora.
Você deve rezar treze vezes durante treze dias. No entanto, é preciso ter cuidado com o que você pede ao santo, pois ele sempre atende. Atende, mas não se responsabiliza. E muito menos eu.
Para encerrar, veja aqui o sermão do Padre Antonio Vieira, proferido em 1654, tendo como tema o sermão de Santo Antonio aos peixes, do qual reproduzo trecho:
Pregava Santo António em Itália na cidade de Arimino , contra os hereges, que nela eram muitos; e como erros de entendimento são dificultosos de arrancar, não só não fazia fruto o santo, mas chegou o povo a se levantar contra ele e faltou pouco para que lhe não tirassem a vida. Que faria neste caso o ânimo generoso do grande António? Sacudiria o pó dos sapatos, como Cristo aconselha em outro lugar? Mas António com os pés descalços não podia fazer esta protestação; e uns pés a que se não pegou nada da terra não tinham que sacudir. Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo? Isso ensinaria porventura a prudência ou a covardia humana; mas o zelo da glória divina, que ardia naquele peito, não se rendeu a semelhantes partidos. Pois que fez? Mudou somente o púlpito e o auditório, mas não desistiu da doutrina. Deixa as praças, vai-se às praias; deixa a terra, vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes: Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes. Oh maravilhas do Altíssimo! Oh poderes do que criou o mar e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos todos por sua ordem com as cabeças de fora da água, António pregava e eles ouviam.
Texto maravilhoso…………dei boas risadas.
Rico,irreverente……………
Como a amiga acima:”vc também ganhou mais uma leitora.”
Cheiro!
DENISE
Cara Clotilde,
Pesquisando umas oraçoes cheguei ao umas & outras. Fui direto ao que procurava mas entre um parágrafo e outro, comecei a gostar do texto. Vc escreve de forma leve, bem hunorada e eu diria até de foma despretenciosa. Achei interessante e resovi “espia” quem assinava a seçao. Gostei mais ainda pois decobri, que como eu vc gosta de arte popular. Sou muito ligada a arte popular. Também não poderia ser diferente. Nasci num dos maiores celeiros culturais do Nordeste – o Cariri. Sou Lêda Maria, tenho 45 anos, nordestina, cearense e cratense. Foi muito bom encontrar vc hoje nesse sábado quente. Uma noite calorenta como muitas dessas aí da Paraíba. Lugar que eu conheço e que por sinal adoro! Você ganhou mais uma leitora. Abraços!
que texto maravilhoso ….nao sabia da historia toda do Santo Antonio, que bonita.
bom saber que ele atende mas nao se responsabiliza( adorei isso!)…sou casada mas nao custa avisar as amigas …rs
beijo!
Clotilde,
Como sempre você nos enriquece com cultura e bom humor.
Adorei o santinho!
Beijos,
Malone
Olha vc. me emocionando de novo… foi dessa igreja que meu bisavô trouxe, em peregrinação, uma imagem de Santo Antonio que foi colocada na igreja dele em Marília! Não tenho fotos (japa fajuta, não acha), mas minha mãe conta muito emocionada que foi bem bonito chegar em Padua e visitar suas raízes e dpois lembrar que na cidade onde ela nasceu também tem algo de lá.
Eu me apego a Santantoninho (íntima da silva) quando tem algum perreio de saúde na minha casa… casamento, tô fora! Tem que ser São José mesmo, que me deu meu menino nordestino correto, honesto, trabalhador, muitíssimo bem humorado e dono de uma paciência que extrapola o limite da normalidade!
Um grande beijo, Cris Yumi