Avental todo sujo de ovo
Clotilde Tavares | 8 de maio de 2011Hoje é um dia em que as pessoas estão homenageando as suas mães. É almoço, é presente, é café da manhã com rosa vermelha na bandeja. Também é o dia daquelas ofertas surpreendentes do tipo: “Mãe, hoje você não pisa na cozinha. Eu mesmo vou fazer o almoço.” E a pobre mãe se resigna a entregar a cozinha ao filho ou à filha, mestre-cuca por um dia, mesmo sabendo que depois vai dar duro para limpar a bagunça que o cozinheiro improvisado certamente vai deixar atrás de si.
Aqui em casa a gente não liga muito para isso, principalmente depois que meus dois filhos casaram e vêm comemorando esse dia na casa das respectivas sogras, mais empenhadas do que eu no quesito “maternidade” e mais afeitas a esse tipo de comemoração.
Confesso que não me reconheço uma mãe exemplar. Sempre tive que trabalhar para criar meus dois rebentos, sem a ajuda de ninguém. Apaixonada pelo trabalho como sempre fui, muitas vezes me ausentei e não fui tão presente o quanto deveria. Também, com essa minha mania de ser artista, nunca assumi o modelo tradicional da santa que desdobra fibra por fibra o coração. Não sou rainha do lar, não sou nem nunca fui santa e jamais, jamais entrei na sala com o chinelo na mão e o avental todo sujo de ovo.
Meus dois filhos, Rômulo e Ana Morena, são adultos perfeitamente ajustados, produtivos, independentes financeiramente e muito saudáveis. Não se drogam, nem nunca se drogaram, nunca precisei mandar nenhum dos dois trabalhar ou estudar e, afora pequenas crises tão previsíveis quanto passageiras, nos damos muito bem e somos felizes juntos.
Não sei se eles são assim por sorte minha ou por causa de alguma coisa que eu fiz, sem saber direito o que estava fazendo, acertando por puro acaso como acho que sempre acaba acontecendo nessas coisas do coração.
Não sei o que fiz, mas sei o que não fiz: nunca transformei meus filhos em reféns do meu amor. Nunca exigi que eles renunciassem às suas vidas por minha causa e nunca renunciei à minha por causa deles, para no futuro não cobrar deles esse preço. Nunca menti aos meus meninos, nunca fui desonesta com eles, e sempre compartilhei todos os problemas que tive, qualquer que fosse a natureza dessas dificuldades. Criei-os sozinha, mas nunca aleguei isso em meu benefício nem nunca culpei ou responsabilizei o pai de um ou de outra por nada. Meus filhos sempre souberam que foram escolha minha, responsabilidade minha, para o que desse e viesse, incondicionalmente. E sempre tiveram a liberdade de conversar comigo sobre qualquer assunto. Então, sei que fui omissa no quesito do sacrifício, da devoção, da santidade. Mas procurei transformar a nossa vida em algo rico, criativo, ensinando-lhes a suprema qualidade do bom-humor, e a rir da vida e de si mesmos como requisitos para resolver qualquer problema.
Fico feliz de tê-los criado tão sem culpa que podem me deixar sozinha nesse dia sem sofrerem e sem pensar que eu sofro; e parabenizo a mim mesma por, neste Dia das Mães, que para muitos é dia de obrigações, de cobrança e de chantagem emocional, estar perfeitamente à vontade para almoçar sozinha em casa ou em algum outro lugar, e depois ir ao cinema sem me lamentar e sem desdobrar fibra por fibra nem o meu coração, nem o deles.
Esta crônica foi escrita em maio de 2005 e publicada na Tribuna do Norte, jornal em que escrevi todos os domingos de 1998 a 2007 – quase dez anos. Mesmo tendo sido escrito há seis anos, o texto retrata exatamente o que sinto e penso ainda hoje. Rômulo e Ana: tenho certeza de que eles me amam todos os dias do ano.
Arretado seu Site!
Adorei, parabéns!
K
Clo… primeira vez que tomei contato com o seu rastro na escrita foi num comentário(?) seu, colocado não sei onde, sobre um passeio a cachoeira do Roncador na cidade de Bananeiras.. pertim aqui de Natal-RN. De lá prá cá virei fã.
Adorei seu blog. Vou colocá-lo nos favoritos para acompanhar suas crônicas.
Muito bom esse sentimento de honestidade e sinceridade, consigo e com os teus. Que possamos aprender e ver além do modelo de sacrifício e sofrimento nesta tarefa de ser mãe.
Tanta gente complicando a criação dos filhos hoje em dia. Seu antimanifesto mostra que basta tem bom senso, simplicidade, honestidade cotidiana. Sem notar, parece que você foi (é) uma grande mãe pra sua prole. Justo por não buscar isso e nem se importar muito.
Sem sentimentos de culpa, todas as mães deveriam ser assim… mas, já que ninguém é igual, cada uma de seu jeito! Parabéns, Clotilde, pelo dia das mães! Parabéns a Maria Lemos no sertão da Paraíba, minha querida e amada mãe! Parabéns a todas as mães! Bjs e abraços! Parabéns por umas e outras!