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Festa de alguns, transtorno de todos

Clotilde Tavares | 3 de dezembro de 2009

Nesta quinta feira vou ter que sair do meu apartamento e procurar um lugar para passar os próximos quatro dias. Isso porque nesta minha maravilhosa e linda cidade Natal, acontece um evento anual, que já está na sua 19ª edição: o Carnatal. É um dos tais Carnavais fora de época, inspirado nas Micaretas baianas, com trios elétricos, blocos onde os foliões se vestem de “abadás” e toneladas de som despejam música de nível duvidoso atroando os ares e impedindo o sono e o sossego de vastas zonas residenciais do bairro de Lagoa Nova.

É uma praga que existe em todo o Brasil. Se alguns deles estão perdendo a força, com o formato se esgotando ao longo dos anos, o Carnatal parece vicejar onde os outros entram em decadência. E olhe que são – ou já foram – muitos, cada um com o nome mais esquisito do que o outro: o Recifolia, (Recife), o Fortal (Fortaleza), a Micarande (Campina Grande), o Precaju (de Aracaju), o Carnabelô (Belo Horizonte), o Maceiofest (Maceió), o Marafolia (São Luís do Maranhão), o Carnabelém (Belém), e um estranhíssimo Micaracandango (Brasília). Além disso, as cidades do interior seguem a moda e no Rio Grande do Norte tem – ou teve – cite o Carnaxelita (Currais Novos), o Carnavale (Assu), e CaicoFolia (Caicó) e Festaverão (Mossoró).

A propósito do Carnaxelita, o carnaval fora de época da cidade de Currais Novos-RN, tem esse nome porque a região é rica em xelita, um minério importante pois é a matéria prima para extração do tungstênio. Corre até uma piada onde se diz que quando foi criada a festa, a população se dividiu: uns queriam colocar o nome de Carnacu , para aproveitar a primeira sílaba de Currais Novos, e outro grupo queria que se chamasse Carnaovos, para aproveitar a última sílaba. Aí o padre achou que era apelação demais, e colocou o nome de Carnaxelita. Mas isso tudo é brincadeira, meus queridos curraisnovenses que me lêem, e vamos voltar ao que interessa.

Eu não gosto do Carnatal e não é porque me incomoda pessoalmente, uma vez que já não gostava antes de vir morar no miolo da festança – aliás, esse é possivelmente o único defeito dessa minha nova morada. Não gosto do Carnatal porque não reforça nossos valores culturais. Pelo contrário, é uma demonstração da cultura baiana, visto que nos três dias de festa são tocados os hits da axé music e pagode, ritmos que não têm nada a ver com a cidade. Há uma grande uma evasão de dinheiro da capital, já que grande parte do que é arrecadado vai para pagamento das bandas baianas que abrilhantam a festança, que acontece com a interdição de uma área pública, para atender a empresa privada que organiza o evento. O trajetos dos trios impede o fluxo normal de carros e transeuntes nas grandes avenidas Prudente de Morais e Romualdo Galvão, vias principais do tráfego no bairro de Lagoa Nova, ladeadas por comércio intenso e prédios residenciais.

A minha rua, Avenida Miguel Castro, transversal das avenidas citadas, fica interditada a partir de uma hora da tarde e eu preciso colar um adesivo no carro para chegar até o meu prédio. Mas ninguém me deu adesivo para os ouvidos, para que eu usasse nas noites sob barulho intenso, das quais só vou poder fugir pois me mudo ainda hoje para o apartamento do meu filho, no bairro do Tirol. O pior vem depois, me disse um vizinho, quando o bairro inteiro, transformado em latrina gigantesca durante a festa, fica com um odor insuportável de urina. A Prefeitura manda lavar depois, mas não é suficiente, e até São Pedro ter pena e colaborar com uma das suas caudalosas chuvas de verão, temos que aturar o fedor.

A linha vermelha

A linha vermelha mostra o trajeto dos trios elétricos. Veja onde moro, quase no cruzamento da Miguel Castro com a Salgado Filho, inteiramente à mercê da confusão, do barulho e da latrina universal. Clique na foto para ver em melhor resolução.

Mas aí o meu caro leitor diz: “Não reclame, Clotilde. A festa tem hora para terminar, pois o Ministério Público multa se passar da uma hora da manhã.” Eu sei que multa. Mas o vizinho também me disse que os trios elétricos têm por hábito estacionar na minha rua, em frente ao prédio, para fazer a desmontagem do trio, e por isso ninguém dorme até as cinco da manhã. E não tem quem controle esse barulho adicional.

Só pra encerrar, as autoridades de saúde pública da capital estão preocupadas com a influência do Carnatal no aumento da propagação do vírus H1N1, por causa do aglomerado de pessoas e dos hábitos: troca de copos de bebida e beijos na boca. Estão recomendando que não usem copos uns dos outros nem beijem “pessoas estranhas”. Taí uma coisa que eu queria ver, principalmente porque me disseram que neste ano o “desafio” é “beijar pelo menos 30 pessoas por noite”.

Então, meus amigos, se nesses dias eu demorar a liberar ou responder aos comentários, saiba que estou fora do meu domicílio habitual, não porque queira mas porque fui obrigada. E eu queria muito que alguém me respondesse porque o poder público coloca tantos recursos à disposição de uma festa privada e deixa de apoiar o Carnaval de verdade, legítima manifestação popular.

UPDATE às 9h35: Pessoas que leram esse post me telefonaram dizendo que estou falando sem conhecimento de causa, uma vez que o evento ainda vai ocorrer, começando hoje no final da tarde; e que eu não posso fazer esse tipo de comentário sem ter vivido a situação eu mesma. Então hoje eu vou ficar no apartamento e a partir das 15 horas estarei postando minhas impressões aqui, num post atualizado de hora em hora. Também estarei relatando tudo no twitter (http://twitter.com/ClotildeTavares). Ficarei para “conhecer a causa”. Se estiver errada, dou a mão a palmatória e reconheço, porque sempre tive facilidade para reconhecer quando estou errada, o que é mais frequente do que você imagina e do que eu gostaria que fosse… 😉

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« Troncha de saudade Carnatal: outra visão. »

7 Responses to “Festa de alguns, transtorno de todos”

  1. Lucia disse:
    25 de junho de 2010 às 23:26

    Olá, ainda nem li seu blog todo, mas uma rápida leitura e já sei que somos partidárias na mesma luta contra o ruído urbano.
    Este comentário é só para parabenizar pelo blog e dizer que voltarei para ler com mais calma.

    abraços.

  2. Carnatal: encerrando o assunto « Umas & Outras disse:
    5 de dezembro de 2009 às 12:03

    […] assim, mesmo que do ponto de vista pessoal eu não seja afetada pelo Carnatal, mantenho todas as críticas que fiz no post Festa de alguns, transtorno de muitos. Acho um absurdo a segregação de um espaço público para uso privado. Entre outras coisas, penso […]

  3. André Farkatt disse:
    4 de dezembro de 2009 às 23:03

    Acredite… é até mesmo pior do que você descreveu… a uns anos atrás meu trabalho era ali em frente ao Pittsburg… bem na linha vermelha do seu mapa… imagine trabalhar com publicidade e seus prazos insanos, em pleno carnatal…

    uma das coisas boas daqui de Recife é que esse troço já acabou, carnaval ainda tem uma forte conotação cultural e é uma festa pública de fato.

    Não que eu faça questão 🙂 🙂 🙂

  4. Luciana Håland disse:
    3 de dezembro de 2009 às 15:22

    Clotilde, estou achando que você vai confirmar suas impressões, vou ficar de olho nos posts.
    Já participei de alguns carnatais, até me diverti, mas também vi o lado negativo e principalmente entendo quem mora pela área. Os primeiros carnatais eram perto de onde eu morava e eram festas pequenas se comparadas com o que veio nos anos seguintes, não sei como está agora, mas realmente incomodava.

    Beijo

  5. Ana Valeska Guedes disse:
    3 de dezembro de 2009 às 13:45

    Olá, Clotilde! Vi seu post no Twitter e vim aqui conferir. Diferente de você já vivenciei muitos e muitos Carnatais e micaretas afora. Hoje digo a todos os meus amigos que “já me aposentei”, nem de graça chego perto da folia! Você relatou alguns inconvenientes que a festa provoca e esqueceu de falar na violência, que o Poder Público insiste em abafar todos os anos. Fui vítima dela no ano de 2004 e a forma de agradecer aos meus mentores e espíritos de luz que me salvaram foi dizendo tchau para essa folia! Hoje mesmo estou indo pra São Miguel do Gostoso descansar por lá, longe do burburinho, do trânsito louco, da fedentina e de todos os inconvenientes que a folia provoca. Vou curtir a natureza, com tudo de mais belo e puro que o Cara nos deu e bem longe da H1N1, e olha que comigo tem um grupo de 18 pessoas! Tenha certeza que o meu grupo é somente um entre tantos que estão fugindo de Natal nesse fim-de-semana. Será que é o início do fim da festa? Será? Te acompanho por aqui e pelo Twitter! Bom findi!

  6. aninhadaguiar disse:
    3 de dezembro de 2009 às 09:09

    Me sinto numa cidade totalmente sem identidade ao apoiar uma festa tão sem conteúdo. Moro longe “miolo” da festança, e ficarei por aqui, sem me aventurar por essas bandas até o “fuzuê” passar!

    Adorei o blog! Parabéns! 🙂

  7. Karl disse:
    3 de dezembro de 2009 às 08:15

    Clo, sensacional. Copia fiel desse evento que muda tudo!!!!
    To indo pra Buzios para o aniversario de Eliege, irmã
    de Eliana que vc conhece. Amanha iremos pra Sapé.
    Voltaremos no domingo. Bom proveito. Abs, Karl

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