Lenine, o mameluco endiabrado
Clotilde Tavares | 30 de outubro de 2011Acabo de ver o show de Lenine aqui em Natal, no Teatro Riachuelo. Um show redondo, sem muita conversa fiada, só com música, música boa, bem feita e bem executada. Uma beleza.
Depois do show, fiquei pensando e me transportando para o ano de 1978, quando eu fazia mestrado na UFPE e morava no Recife. Uma noite, fomos a um show no auditório do Colégio Vera Cruz em homenagem aos presos políticos, contra a ditadura – era um tipo de evento que acontecia muito naquela época. No palco, o poeta Thiago de Melo, e mais outras figuras famosas. Depois, “a prata da casa”, os artistas locais, a se apresentarem com duas ou três músicas cada. Aí sobe no palco um garoto de seus 18, 20 anos, alto, com pernas finas de palito num jeans justísimo, uma camisa amarela, a juba loura se derramando pelas costas, o olhar de louco e tomado pelo grandioso espírito do rock and roll, que também baixou sobre a platéia. A criatura pulava, cantava, e eu, com uma barriga de 6 meses (estava grávida de Ana Morena) pulava também, junto com outras 600 pessoas.
Foi assim, desde a primeira vez que o vi, que senti que aquele garoto tinha algo diferente dos outros. E hoje fico feliz de me sentar numa platéia lotada para ver, como na primeira vez, Lenine aumentar a pressão e mandar ver nas sonoridades que consegue arrancar do violão com uma puxada de cordas que se tornou sua marca registrada. Toma conta do palco. Dança, pula, faz cabriolas, faz que vai mais não vai, careteia, ora é galã enlouquecendo as moças que só faltam se atirar em cima do palco, ora é o velho faceta, de pernas tortas e sorriso de coringa.
Vi o show há pouco e garanto: a voz dele está cada vez melhor, respira que é uma beleza, a pegada segura, a nuance exata. Do repertório nem vou falar, sou suspeita. Acho lindas as músicas “Lá vem a cidade”, com letra de Bráulio, meu irmão; e “Magra”, de Ivan Santos.
Uma coisa que eu gosto de Lenine é que ele junta a musicalidade de Geraldo Azevedo com a doidice no palco de Alceu Valença, tocando música pra pular brasileira, com uma pegada segura de rock and roll e a bateria sustentando um baque de maracatu que ecoa lá no fundo da nossa alma.
Antes de ficar famoso, vinha pra Natal e ficava lá em casa. Com ele, meu filho Rômulo, ainda muito jovem e iniciante na música, ficava horas fazendo um som. Ele fez muitos shows aqui com Bráulio, show muitas vezes sem cachê, com pouco público, somente a estudantada. Depois desses shows, a gente saía para os circuitos dos bares da praia dos Artistas em cervejadas memoráveis, eu, ele, Bráulio e um ou dois aficcionados, tocando violão, cantando e farreando.
Quando gravou o “Olho de peixe”, seu primeiro disco, veio a Natal para um show no Bar do Buraco, em Ponta Negra, junto com o percussionista Marco Suzano. Somente duas pessoas compareceram para assistir ao show: eu e minha irmã Inês, que estava passando uns dias na minha casa. O bar vazio, nós duas sentadas em frente ao pequeno palco e Lenine e Suzano mandando ver no som.
Hoje, no camarim, matamos as saudades num encontro rápido, de cinco minutos, pois havia uma fila enorme de fãs, cada uma com sua câmera, à espera de um minuto com o ídolo.
Despedi-me dele e ameacei: “Assim que chegar em casa, vou escrever no meu blog sobre o show.” E ele: “De bom ou de ruim?” E eu: “Aí você só vai saber depois que ler…”
Pronto: escrevi. Menos que crítica, mais memória e declaração de amor do que qualquer outra coisa. E ponto final.
Que privilégio o seu poder assistir Lenine de pertinho!Você descreveu exatamente o que sinto ao ouvi-lo. Estou conhecendo o seu blog hoje e estou fascinada pela sua forma de se expressar e pela alma que tem o seu olhar sobre as coisas brasileiras, o nosso cotidiano e as informações em geral. Ganhei meu domingo! Bjs.
Taí, essa é minha querida e inesquecivel Rapunzél. Um pouco professora, um pouco, mãe, um pouco amiga e muito louca. Bjs
Muito bom, Clotilde. Também estive no show e você descreve com perfeição o o sentimento que a gente carrega ao sair do teatro. Realmente, Lenine é de uma sonoridade incrível, voz e instrumentos rasgam qualquer frieza, seja de ambiente ou de espírito. Muito talento, pouca conversa. A gente sai querendo ouvir mais e mais, e mais…
Gostei muito desse texto confessional! Abraços!
BOA, mãe!