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O Festival Dosol

Clotilde Tavares | 5 de novembro de 2009
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Alan Freed

Gosto de dizer que o rock and roll tem a minha idade, embora saiba que ele é alguns anos mais novo.

No início da década de 1950, a galera já se balançava e girava ao som do rhythm & blues. Aí um disc-jockey chamado Allan Freed se auto-intitulou “Moondog” e através de um programa de rádio e da organização de bailes, deixou sua assinatura na música mundial, criando em 1954 o termo “rock and roll” para designar o novo ritmo, que veio a se tornar mais do que uma dança: virou uma atitude, que mudou a face do comportamento entre os jovens.

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Com 13 anos, eu era uma peste!

Eu tinha sete anos em 1954 e aos doze, em 1959, já saía da aula mais cedo e, escondido de Mamãe, ia dançar rock na casa de um pessoal, na esquina da Irineu Joffily com a praça cel. Antonio Pessoa, em Campina Grande. Lá, numa tarde de excepcional performance, e como a casa abria janelas sobre a rua, fui vista por Titia, que vinha do trabalho. Ao chegar em casa, ela informou a Mamãe o tenebroso fato: “Ela estava escanchada na cintura de um rapaz!”

Quando cheguei em casa, Mamãe me fez shake, rattle and roll ao aplicar nas minhas costas e onde batesse umas lamboradas com a “virola”, um artefato de psicologia maternal inventado por ela e que consistia numa corda de sisal trançada com uma velha tomada de ferro elétrico.

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Ana Morena, no palco, domingo passado.

Talvez tenha sido por isso que o rock and roll se incrustou na minha pele e nunca mais saiu, numa espécie de tatoo comportamental de tal forma indelével que até hoje, com mais de sessenta anos de idade, ainda me faz continuar fã e praticante, do ritmo e da atitude. Não pratico mais a parte acrobática da dança; mas o resto tudinho eu ainda faço.

Meus filhos não precisaram apanhar para aprender a gostar de rock. Ambos roqueiros, fazem do ritmo e atitude o pão de cada dia, coisa mais patente em relação a Ana Morena que, junto com o marido Anderson Foca são empresários de rock and roll em Natal, vivem disso, e não trabalham em outra coisa.

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Esses danados fazem há anos o Festival Dosol, correndo pelo acostamento dos eventos ligados às grandes gravadoras, na promoção do rock independente, as chamadas “bandas indies”, que ficam à margem do circuito mais comercial do mercado.

Neste ano, são dois dias de festival, 7 e 8 de novembro, com 31 bandas sendo três delas de fora do Brasil. Tudo acontece na Ribeira, centro histórico de Natal-RN, onde a dupla Ana/Anderson tem o Centro Cultural Dosol.

E eu, que gosto tanto do silêncio, abro uma exceção e digo: aumenta o som que é rock and roll!

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Alan Freed, Ana Morena, Anderson Foca, bandas indies, festival dosol, Natal, Rock, rock and roll
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A vida é como a rapadura

Clotilde Tavares | 4 de novembro de 2009

Gosto muito de dizer, e até já disse aqui, uma frase ouvida nas ruas: “A vida é como a rapadura: é doce, mas é dura.” Aí, toda vez que falo isso, muita gente me envia emails oferecendo diversas versões para a mesma frase. Sabedoria popular é assim mesmo, multiforme, e nenhuma dessas formas é mais certa do que a outra. A rigor, a frase é o conjunto de todas as suas versões.

Uma leitora me questionou se, na vida e na frase, primeiro não viria a dureza, e depois a doçura. Eu penso que não. Quando você põe a a rapadura na boca, a primeira coisa que sente é o doce. O doce vem antes, para enganar, para seduzir, para fazer a gente meter os dentes nessa rapadura tão difícil de roer.

As Proezas de João Grilo

Mas cada um sabe de si; e o doce e o duro estão às vezes tão unidos que o negócio é se fazer de doido e ir roendo a rapadura da vida, devagarinho, sentindo o doce, mas sabendo que esse doce também traz o açúcar da Morte Caetana, cariando nossa força de existir.

Viver é muito perigoso, já dizia Guimarães Rosa, e não é coisa pra gente frouxa. E já que eu estou no campo das frases cito mais uma, de Ariano Suassuna, posta na boca de João Grilo, o mais soberbo personagem do nosso armorial conterrâneo: “A vida é um sutiã: o negócio é meter os peitos!”

 

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Ariano Suassuna, João Grilo, rapadura
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Futebol, cantoria de viola e Hamlet

Clotilde Tavares | 3 de novembro de 2009
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Imagine, meu caro leitor, que você nunca foi a um jogo de futebol. Não sabe o que é, nunca viu na TV, nunca ouviu falar. Aí um belo dia alguém lhe convida para ir ao estádio. Você logo se entedia, pois vê aqueles homens correndo atrás de uma bola sem terem aparentemente o menor objetivo. Aí alguém lhe explica; são dois times diferentes. Um faz gol ali; outro faz gol acolá; e fazer gol é colocar a bola naquele espaço delimitado pelas traves. Aquele cara que está ali é o goleiro, e tem como objetivo impedir a bola de entrar… E assim por diante. Pouco a pouco você vai entendendo as regras do jogo e vai começando a tirar daquele espetáculo antes sem sentido muita distração, emoção e passatempo.

É assim com tudo. Para apreciar as coisas é preciso entendê-las. Umas são mais fáceis de entender do que as outras e eu, que gosto e entendo de futebol, nunca consegui entender as regras do beisebol ou do rugby, e por isso passo para outro canal quando vejo um jogo desses na TV.

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Quando eu era professora da Disciplina de Folclore Brasileiro, na UFRN, era uma maravilha apresentar para os meus alunos a cantoria de viola. Colocava um CD de cantoria, deixava eles escutarem um pouco e depois perguntava se haviam gostado. A maioria dizia que não tinha se ligado muito, que as vozes dos cantadores não eram bonitas, que não sabiam tocar as violas direito, que não haviam curtido. Aí eu começava a explicar a eles que aquilo era feito de improviso. “De improviso como?” falavam alguns. “De improviso, inventado na hora”, dizia eu. E aí dava a eles uma aula de poética, explicava a estrutura da sextilha, da décima, do martelo, o que era um mote e como se glosava, ensinava a contar os pés, ou seja, as sílabas poéticas. Mostrava que cada sextilha começava com a rima da anterior, introduzia-os a formas poéticas mais complexas como galope-à-beira-mar e martelo-gabinete… Daí a pouco estava todo mundo curtindo os CDs, com ouvidos atentos e olhos maravilhados que traduziam a satisfação estética e artística que estavam obtendo agora, depois de devidamente “alfabetizados” na arte da cantoria.

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Nas outras artes, é a mesma coisa. Existe todo um repertório que é preciso dominar para poder desfrutar daquela manifestação artística. Em algumas artes, como a música, é fácil saber quando o cantor está desafinado ou quando o instrumentista não sabe tocar, mesmo para quem é leigo. A música é uma arte que impressiona diretamente os nossos sentidos. Já em outros campos a coisa de complica, mas os obstáculos, se são maiores, não são intransponíveis.

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Apaixonada que sou pela poesia e pelo teatro, defendo a idéia de que não há nada em “Hamlet”, de William Shakespeare, que um adolescente de quinze anos não seja capaz de compreender, depois de devidamente “alfabetizado”, é claro. Comprovo isso toda vez que dou um curso em forma de leitura comentada da peça, geralmente para jovens. São cinco encontros de duas horas cada um, onde leio junto com a platéia toda a peça, cada dia um ato, parando, comentando e explicando. Um dado fundamental é que as pessoas aprendem, entre outras coisas, que o grande William Shakespeare não escrevia sobre reis e príncipes, mas sobre seres humanos que eventualmente eram reis ou príncipes. Um desses alunos me disse que, lendo “Hamlet”, aprendeu mais sobre si mesmo do que em um ano de terapia, com todo respeito que devo aos terapeutas.

Como diria o próprio Shakespeare: “…O olho do poeta, revirando, olha da terra ao céu, do céu à terra, e enquanto o seu imaginar concebe formas desconhecidas, sua pena dá-lhes corpo, e ao ar inconsistente dá local de morada e até um nome, tal é a força da imaginação.” (Sonho de Uma Noite de Verão, Ato V, cena 1)

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alfabetização artística, cantoria, cantoria de viola, folclore brasileiro, futebol, Hamlet, linguagem da arte, Shakespeare
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Dia de Finados

Clotilde Tavares | 2 de novembro de 2009
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Na Região do Cariri paraibano, onde minha mãe foi criada, a Morte é chamada carinhosamente por um nome de mulher: Caetana. Minha mãe dizia que a Caetana tem duas formas: a Moça e a Onça. Quando vem no formato de Moça, nos abraça tão suave, deixa os cabelos caírem por cima da gente e nos carrega tão macio que a gente nem sente. Mas às vezes ela está virada na Onça, e nos morde com seus dentes de pedra e desfia nossa vida com suas garras, esfolando a gente vivinha ainda. O roçado dela é o mundo, e onde tem gente viva a Moça/Onça Caetana afia suas garras e treina seus abraços macios e mortais.

Quando a gente nasce, é como se assinasse um contrato, e viver é esperar a liquidação da fatura. Só por medo da Morte é que a gente agüenta a Vida que às vezes é mais Onça do que a própria Caetana. Shakespeare diz que é por medo da morte, dessa fatal viagem para o país desconhecido de onde ninguém jamais voltou que suportamos “a angústia do amor desprezado, a morosidade da lei, o orgulho dos que mandam, o desprezo que sofremos dos indignos… Quem carregaria suando o fardo pesado da vida se não fosse o temor da Morte?”

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Altar mexicano dos mortos.

Há uma tradição mexicana que diz que cada pessoa morre três vezes. A primeira é a da morte mesmo, quando pára de respirar. A segunda é quando o corpo é sepultado. E a terceira é quando, em algum momento no futuro, seu nome é pronunciado pela última vez. Disso eu deduzo que não existe Morte: o que existe é o Esquecimento, pior, dez mil vezes pior do que a Morte porque às vezes acontece ainda em vida do freguês.

Se você viajar hoje pelo interior do Nordeste vai ver, nas janelas das casas perdidas no meio da escuridão da noite, velas acesas nas janelas: são as chamas dos mortos, brilhando na escuridão para que eles não sejam esquecidos. Como genealogista que sou, vivo cercada pelos meus defuntos queridos, esmiuçando suas vidas, reconstruindo seus passos, estabelcendo suas árvores de costados, seus laços de parentesco. Hoje é dia de me sentar na varanda quando a noite cair, acender a minha vela e, pacientemente, recitar em voz alta todos os seus nomes, por extenso, para que não caiam no esquecimento, começando pelo meu tetravô, tenente-coronel  Teothonio da Santa Cruz Oliveira, que viveu entre Correntes-PE e Viçosa-AL nos idos do século XIX até minha tia Maria Anunciada Santa Cruz Quirino (1927-2008), a última que deixou este mundo, no Natal do ano passado.

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La Catrina, personificação da Morte no folclore mexicano.

E para não terminar nesse clima solene, conto uma historinha que ouvi quando criança. Um homem tornou-se compadre da Morte, e o trato era que, quando ela visse buscá-lo, mandaria um aviso para que ele pudesse se preparar, tomando as providências para deixar os negócios em ordem. Anos depois o aviso chegou. O homem se apavorou e na manhã da Morte chegar, ele estando morto de medo, a esposa, muito criativa, disse; “Se avexe não, Fulano. Vista uma roupa velha, vá lá pra junto do fogão, se lambuse todo de carvão, fique de cabeça baixa atiçando o fogo e deixe a Comadre Morte comigo.” E assim ele fez. Daí a pouco, quando a Morte chegou que perguntou pelo Compadre a mulher falou que ele tinha tido um chamado urgente e que tinha viajhado às pressas: não estava ali. A Morte ficou chateada. “Mas é danado mesmo!” disse. “Eu vim de tão longe pra esse compromisso com o Compadre e ele me fazer uma desfeita dessas! Tem nada não. Pra não perder a viagem, vou levar aquele preto velho que está ali, junto do fogão…”

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Dia de Finados, finados, flolclore mexicano, morte, morte lograda, Santa Morte, Shakespeare
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A Marquesa

Clotilde Tavares | 1 de novembro de 2009

 

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Quero lhe contar hoje a história da minha mãe. Nascida em 1921, em Coxixola, na Parahyba, Cleuza Santa Cruz Tavares passou a infância em fazendas, primeiro no Cariri Paraibano e depois no agreste de Pernambuco, onde meu avô Pedro Quirino criava uma meia dúzia de cabeças de gado. Na vida simples daqueles tempos e lugares, aprendeu em criança valores fundamentais que a acompanharam até o fim: honra, dignidade, destemor.

Casou-se aos 18 anos com Nilo Tavares, que na época era Secretário da Prefeitura de Angelim, Pernambuco. Em 1946 fixaram-se em Campina Grande, onde lhe nasceram os filhos: Clotilde, Braulio, Pedro e Inês. Dedicou-se à casa e à família até que todos crescemos, casamos e saímos de casa. Foi aí que ela resolveu realizar o grande sonho da sua vida: formar-se em Direito e advogar. Então esta mulher, que só tinha estudado até o primeiro ano primário, aos 52 anos matriculou-se no então Artigo 99 e em dois anos fez o primeiro e o segundo grau. Prestou Vestibular para Direito na Universidade Regional do Nordeste e passou em quarto lugar. Em 1980, com quase 60 anos de idade, formou-se finalmente em Direito. Um golpe do destino truncou-lhe então a carreira nascente: o meu pai teve um derrame, passando a necessitar de cuidados intensivos e ela deixou de cumprir o próprio ideal para atender a quem dela precisava, como o fez durante toda a vida.

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Jovem, aos 24 anos, com seu cachorro Pinóquio. O ano é 1945.

Sem poder assumir o sonhado escritório de advocacia, nas solitárias noites em casa, lia, escrevia e ouvia no rádio suas músicas preferidas. Em tom de brincadeira, inventou para si própria um título – a Marquesa, pelo qual ficou conhecida na cidade – que usava para telefonar para os programas de rádio pedindo as músicas dos seus cantores preferidos.

Quando encontrava quem cuidasse de Papai, ia aos bares, acompanhada de amigos e amigas muito mais jovens do que ela, onde tomava cerveja, cantava e se divertia. Sua mesa sempre estava cheia de jovens e de artistas, porque ela amava a alegria, a juventude e o teatro, e sempre tinha atores e atrizes por perto.

Com ela aprendi coisas fundamentais. Ensinou-me a não maltratar os animais, a honrar a palavra dada e a me orgulhar de ser mulher e nordestina. Com ela aprendi a rir da desgraça e das peças que a vida nos prega, a não levar desaforo para casa, a não ter medo de nada. Aprendi também a ser hospitaleira, a ser solidária e a defender quem está por baixo ou é vítima de preconceito.

Um edema agudo de pulmão a levou em dezembro de 1997. Mas enquanto aqueles valores que ela nos inculcou correrem nas nossas veias, e nas dos nossos filhos e netos, Dona Cleuza, a Marquesa, continuará viva e presente entre os que a conheceram e amaram.

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Angelim, Cleuza Santa Cruz Tavares, Coração Parahybano, Coxixola, Dona Cleuza, Nilo Tavares
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Carlos Drummond de Andrade, "gauche" na vida

Clotilde Tavares | 31 de outubro de 2009
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Há mais de cem anos, num dia 31 de outubro como esse, em 1902, nascia em Itabira, Minas gerais, o poeta Carlos Drummond de Andrade. Não foi somente um mestre na poesia, mas também na crônica e no conto; sua bibliografia é vasta e dispensa comentários pois é ponto pacífico que Drummond é um dos nossos “gênios da raça”.

Ainda consigo evocar a emoção que tive quando li Carlos Drummond de Andrade pela primeira avez. Tinha uns 14 ou 15 anos de idade e li no colégio, ou melhor, o professor de Português leu alguma coisa durante a aula e depois deixou o livro por ali; eu peguei, folheei e li, entre surpresa e maravilhada, alguns poemas.

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Acostumada com sonetos, poemas de Castro Alves e poesia parnasiana, fiquei completamente de bobeira com a vigorosa poesia daquele homem que dizia tudo o que eu queria dizer mas não sabia. Da mesma forma que ele, eu estava “presa à vida e aos meus companheiros” e sentia, mesmo de forma imperfeita, que “o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.” A partir daí, o poeta sempre me acompanhou em tudo, oferecendo a melhor forma de descrever e expresar as minhas paixões, as minhas perprlexidades, os meus anseios, numa época em que eu ainda não tinha linguagem própria para traduzir o que ia no meu coração e na minha mente.

Muitas coisas me ensinou a poesia de Drummond. Ensinou-me que “o mundo é grande e cabe na cama e no colchão de amar”, e que o amor é eterno pois “eu te gosto, você me gosta, desde tempos imemoriais”. Aprendi que um retrato na parede pode doer tanto como se a coisa viva, presente e pulsante estivesse de pé, olhando para mi ali no meio da sala, e desde então guardo certos retratos no fundo das minhas gavetas mais profundas, para que não doam, para que não me machuquem.

Junto com o poeta, compadeci-me de José e perguntei-lhe: “E agora, José?” aproveitando também para perguntar a mim mesma “E agora?” E também fiquei ali, como José, “sozinho no escuro, qual bicho do mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar.” Como as filhas, quis saber de “Nossa mãe, o que é aquele vestido, naquele prego?” E perplexa diante do “mundo, mundo, vasto mundo” descobri que não me chamava Raimundo, não era uma rima e muito menos uma solução. Finalmente, fiquei e ainda fico horas mesmerizada diante do desmesurado edifício poético que é “A Máquina do Mundo”.

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Depois de ler Drummond eu, adolescente estranha e esquisita, descobri um termo que me descrevia exatamente: “gauche”. E, como o poeta, entendi que a condição de artista está sempre ligada a essa “gauchice”, se é que posso dizer assim.

Saúdo entao hoje o poeta de “A Flor e a Náusea”, este homem que sentava “no chão da capital do país às cinco horas da tarde” e dizia, sem admitir nenhuma contestação: “Garanto que um flor nasceu.” No dia em que li esses versos pela primeira vez, aprendi uma lição fundamental: que uma flor, mesmo feia, continua sendo uma flor e que, somente por ser flor, pode furar “o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”

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Carlos Drummond de Andrade, Drummond
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Eu acredito

Clotilde Tavares | 30 de outubro de 2009
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Ontem andei aqui falando no Céu, em São Pedro, em livraria celestial. Aí as pessoas me mandaram e-mail querendo saber em que eu acredito. Ou seja, o meu caro leitor quer saber se eu acredito em Deus e qual é a minha religião.

Confesso que eu acho essa curiosidade meio abusada, meio descabida, meio fora de propósito porque crença e religião é uma coisa de foro íntimo e não deve interessar a mais ninguém a não ser a nós mesmos. Por outro lado, já me acostumei com essas atitudes do meu leitor, sempre querendo saber mais sobre mim e isso é compreensível uma vez que sou eu mesma que vez por outra lhe dou esse cabimento, confessando aqui, neste espaço público, coisas que deveriam ficar no terreno pessoal. Então vou tentar responder às duas perguntas colocadas no início: se acredito em Deus e qual é a minha religião.

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Antes de responder se acredito em Deus, quero falar sobre outras coisas nas quais acredito com toda a força do meu coração. Acredito que o mundo tem jeito. Acredito que o ser humano é bom, e se vez por outra fica mau e criminoso isso acontece por motivos que a minha pequena mente não consegue entender, porque também acredito que tem uma mente maior dirigindo todo esse movimento que chamamos de Vida, Mundo, ou Eternidade.

Acredito na Natureza, quando o raio fende o céu, o trovão ribomba e as nuvens se despejam sobre nós, numa chuva carregada da energia das estrelas. Acredito na força das asas do beija-flor, que o equilibra no ar enquanto ele sorve tão gulosinho o mel dos hibiscos do jardim.

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Acredito que o nascer do sol é um dos mais belos espetáculos da terra, muito embora eu nem sempre esteja acordada para vê-lo. Mas contemplo seu esplendor ao contrário vendo o pôr-do-sol, principalmente naqueles começos de noite em que o arco prateado da lua nova se desenha no céu, como que retesado e disposto a levar nossa mente através do azul até as estrelas.

Acredito na Música, no Teatro, na Literatura. Acredito na Arte e na Filosofia. Acredito na Ciência e nas Tradições que dão sustentação e essência aos povos e civilizações. Acredito na cultura simples do meu povo, nos cantadores de viola, nas panelas de barro e nos cestos de palha, nas histórias de trancoso e nos cantos das romanceiras. Acredito no brotar das sementes e na sua transformação em espiga, e na canjica e na pamonha que posso fabricar com ela.

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Acredito nas maravilhas da tecnologia, nos prodígios da informática, nas viagens interplanetárias. Acredito em tudo que vejo estampado nos olhos dos meus netos Marcelo e Isabela. Acredito na confiança que meus gatos sentem quando se entregam aos meus carinhos, e me deixam coçar a sua barriga e puxar suas orelhas.

Acredito nos mistérios. Acredito no que está oculto e naquilo que a minha mente não alcança. Acredito que existe uma batalha entre o Bem e o Mal, e que eu procuro, nas atitudes da minha vida, estar alinhada com as forças do Bem, da Justiça e da Verdade.

Acredito em você, meu caro leitor, como ser humano especial e único entre todos. E também acredito em mim e na força que existe quando dois ou mais de nós nos juntamos com um objetivo comum. Estas crenças formam a minha religião e garanto a você que, se Deus existe, está de acordo com elas.

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A biblioteca celestial

Clotilde Tavares | 29 de outubro de 2009
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Biblioteca Nacional - RJ

Hoje, 29 de outubro, é o “Dia Nacional do Livro”, escolhido por ser a data de aniversário da fundação da Biblioteca Nacional, que nasceu com a transferência da Real Biblioteca Portuguesa para o Brasil. O acervo de 60 mil peças, entre livros, manuscritos, mapas, moedas e medalhas ficou no início acomodado nas salas do Hospital da Ordem Terceira do Carmo, no Rio de Janeiro. A data oficial de fundação da Biblioteca é 29 de outubro de 1810, e sobre a aventura que foi a transferência desse acervo há um livro espetacular, A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis, de Lilia Maritz Schwarcz, editado pela Companhia das Letras em 2002.

Então, hoje para mim é dia de festa. O aniversário de uma biblioteca, minha gente, que hoje também tem muita coisa disponível em formato digital, quer evento mais importante? Quando estive no Rio de Janeiro no ano passado passei um dia internada naqueles corredores, respirando o ar daquelas paredes cobertas de tesouros e com o coração batendo docemente e mais forte só por estar naquele ambiente sagrado, para mim muito mais significativo do que qualquer templo ou igreja. E lhe garanto: se um dia eu morrer e for para o Céu, a primeira pergunta que faço a São Pedro (pergunta que aprendi a fazer com Diógenes da Cunha Lima) é onde está a biblioteca, onde é a livraria. Se não tiver nem numa coisa nem outra dou meia volta e vou para o Inferno, porque lá pelo menos tem rock and roll…

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Brincadeiras à parte, os apaixonados por livros, como eu, devem imaginar o Céu como uma grande livraria, ou biblioteca, onde seja possível encontrar todos os títulos, todas as coleções completas, sem falar nos jornais, revistas, periódicos, fanzines, e tudo o mais que possa ser impresso, escrito ou desenhado.

As poltronas desse espaço paradisíaco devem ser macias como nuvens e o café forte, quente e perfumado. Na biblioteca do céu será possível encontrar, entre outros, o livro de Aristóteles sobre a comédia, que se supõe que ele escreveu mas que não chegou até nós. E o que dizer das outras peças de Sófocles, que escreveu quase 120 mas só sobreviveram sete? E Ésquilo, autor de mais de 80 textos dos quais também só sete chegaram até os nossos dias? Ao todo, seriam 184 textos teatrais desses dois grandes autores, sem falar nos outros: todos os grandes textos da Antiguidade Clássica que foram destruídos pelo fogo das guerras e pela burrice do fundamentalismo religioso!

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Agatha Cristhie

Todos esses livros estariam lá, lado a lado, como aqueles escritos de antigas civilizações que nunca encontraram decifração e que, no céu, foram pacientemente decifrados pelos estudiosos que, na morada celestial, receberam todas as verbas de pesquisa que lhe foram negadas na Terra. Um livro curioso que sei que será encontrado no Céu é aquele no qual a escritora Agatha Christie relata o que aconteceu durante os onze dias em que ficou desparecida, mistério real nunca revelado e cuja solução ela levou para o túmulo.

Um paraíso feito de livros: quer coisa melhor, meu caro leitor? Sem estresse, sem pressa, desfrutado com extremo prazer, porque nessa livraria divina podemos ler lenta e gostosamente todos os livros que quisermos, já que a Eternidade é o nosso tempo e se estende, infinita, à nossa frente.

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Banheiras

Clotilde Tavares | 28 de outubro de 2009

Ontem à noite, depois de um cheio de stress, fiquei pensando em como seria bom mergulhar numa banheira de espuma… Como não tenho banheira, catei na web essas banheiras que compartilho com você.

Um modelo clássico.

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No aconchego da sala, ao lado da lareira… Encontrei aqui.

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Que maravilha! Aqui.

Uma banheira de livros… aqui.

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Outra… aqui.

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Essa com TV nem sei onde encontrei.

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Com salva vidas… aqui.

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Essa é a banheira-café; se você seguir o link, vai ver também a cama-sanduíche.

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E finalmente a rainha da coleção, essa banheira maravilhosa, incrivelmente fashion-brega, que encontrei aqui, por indicação da jornalista Atalija Lima, a quem agradeço a inspiração deste post.

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Eu e meu duplo

Clotilde Tavares | 27 de outubro de 2009

No tempo em que eu ainda estava na ativa como professora da UFRN, tirei três meses de licença prêmio, à qual eu tinha direito. Os colegas perguntavam: “E então, Clotilde, vai fazer o que com esses três meses de folga? Vai viajar? Vai aproveitar para escrever um livro?” e ficavam chocados quando eu respondia que não ia fazer nada, que ia ficar à toa, que tinha tirado a licença exatamente para isso. “Mas fazer nada como?” perguntavam, como se tivessem esquecido do supremo deleite que é ficar estirada na rede branca armada na varanda, empurrando de leve o pé na parede para desfrutar do balanço suave e do rangido do armador.

Essa incapacidade de relaxar, de entregar-se ao ócio, é uma constante nesses tempos turbulentos e apressados em que vivemos. O cotidiano assume uma velocidade, uma intensidade, uma concentração tal que fica difícil desligar-se disso nos momentos de lazer. Então, para acompanhar o ritmo, busca-se também diversões agitadas, velozes, barulhentas e concentradas. Não se admite mais um lazer onde não haja barulho, agitação e movimento.

Além disso, é importante mostrar-se ativo, sociável, extrovertido. Olha-se com desconfiança as pessoas contemplativas, que amam a solidão, o sossego, o silêncio. Um sujeito que passa o fim de semana lendo em vez de sair para a balada, principalmente se é jovem, é olhado com estranheza pelo grupo, e os amigos dizem: “Precisamos arrancar Fulano de casa, do meio desses livros, e levá-lo para se divertir”, como se os livros não fossem uma diversão tão aceitável como qualquer outra.

Na verdade, as diversões desses dias de hoje são cada vez mais desgastantes pelo tempo que perdemos tentando nos divertir, ou lutando para chegar no local da diversão. São horas perdidas em filas para comprar ingressos, em congestionamentos no caminho para a praia ou enquanto aguardamos uma mesa no nosso restaurante predileto. A diversão termina sendo mais cansativa do que o trabalho, mas é preciso se divertir, é preciso freqüentar, é preciso aparecer nos lugares, é preciso dançar a noite inteira, é preciso ir ao restaurante da moda, à buate do momento. É preciso manter a fama de ativo, participante, sociável.

Ah, meu caro leitor, ficar sozinho exige competência. Dedicar o fim-de-semana a arrumar os armários exige coragem. Entregar-se à leitura, à contemplação, enquanto todos estão na praia ou na balada, exige um espírito forte, disposto a enfrentar críticas de todo tipo. Finalmente, ficar à toa, sem fazer nada, simplesmente, é um suicídio social.

Esquecem-se os baladeiros de que é nos momentos de solidão que pensamos, criamos, questionamos. É nesses momentos que acontece o encontro mais importante, o encontro da gente com a gente mesmo, com o nosso duplo, que nos observa do fundo do espelho, que tem coisas para nos dizer mas precisa de silêncio e de calma para se expressar. Dessa conversa, sempre saímos mais fortes, mais calmos, mais vivos e criativos. Experimente. É um bom programa para qualquer fim de semana.

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