Obrigado, filho de Nossa Senhora Aparecida
Clotilde Tavares | 29 de março de 2009PARTE 1
Ontem, sábado, acordei às oito da manhã com um carro de som postado na esquina da minha rua. Com uma voz chorosa, um homem contava uma história tão comum nos nossos dias: a de uma jovem que ao chegar em casa às seis horas da noite havia sido assaltada por dois bandidos que, não contentes em levar o pagamento que ela havia recebido naquele dia, só de maldade lhe deram uma forte pancada na cabeça, o que a deixou desmaiada durante um tempo.
Depois de socorrida, constatou-se que ela precisava “se operar com urgência pois havia um tumor de água crescendo dentro da cabeça dela”, nas palavras do “locutor”. A operação iria ser feita em Recife, e ele estava ali pedindo a ajuda e a caridade dos passantes. E dizia: “Venha, pode se aproximar, não é mentira não, venha ver a moça, ela está aqui no carro.” E as pessoas, como observei aqui da varanda do apartamento, se aproximavam para ver, algumas contribuíam, e o cara continuava a contar e recontar a história, sem esquecer de agradecer as contribuições: “Obrigado, filho de Deus. Obrigado, meu filho de Nossa Senhora Aparecida”.
E eu, que queria dormir um pouco mais neste sábado, depois de uma noite quase toda em claro, lendo e escrevndo umas coisas, tive que me levantar da cama, pensando a merda que é viver num país desse, que não protege o cidadão, que permite uma violência sem medida, como essa que vitimou essa pobre coitada, assaltada no dia em que recebu o pagamento, às seis horas da noite, na porta de casa. É uma realidade cruel e desumana que impede também que a vítima, ferida e incapacitada, tenha direito a um atendimento médico adequado, precisando se expor a pedir esmolas pelas ruas da cidade para poder arcar com o tratamento. Uma realidade f-d-p que leva o cidadão a exibir em público sua miséria, servindo de repasto para a curiosidade doentia dos que se aproximavam do carro para olhar a moça “ccom um tumor de água na cabeça”, seja lá o que isso queria dizer.
Eu assim que me acordei fiquei com raiva da barulhada que não me deixou dormir. Depois, a raiva se transferiu para esses f-d-p que se elegem e nada fazem para que coisas assim deixem de acontecer.
PARTE 2
Escrevi isso dai e fui ali almoçar com um pessoal. Aí comentando o caso, alguém me disse: “É um golpe. Há alguns carros circulando por aí com histórias diferentes, sempre com gente que precisa se operar e que padece dos males mais bizarros“.
Eu desisto, meu caro leitor. Continuo reafirmando tudo que disse na Parte 1 sobre a desgraça que é viver num tempo desse e considero que me sinto ainda pior, porque quase me deixei enganar pelos aproveitadores da boa fé das pessoas.
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MORTO NA SUA IDADE
E já que o assunto está assim meio mórbido hoje, veja esse site onde você coloca a data do seu nascimento e ele lista todas as pessoas famosas que morreram com a idade em que você está agora. Mórbido e desnecessário, mas tem quem goste.
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AINDA NO TERRENO DO BIZARRO…
Ana Paula Castro, 23 anos, estava esperando no carro enquanto seus sogros estavam fazendo compras no Carrefour. Muitas pessoas a viram dentro do carro com os vidros fechados, com os olhos cerrados, e com as duas mãos na nuca. Um cliente que passou por ali estranhou e foi até o carro. Ele percebeu que os olhos de Ana Paula estavam agora abertos, e que ela estava com um olhar muito estranho. Ele perguntou-lhe se estava bem, e ela respondeu que havia levado um tiro na cabeça, e estava segurando seu cérebro por mais de uma hora. O homem chamou o Corpo de Bombeiros, e quebraram o vidro para entrar no carro, porque ele estava trancado, e Ana Paula recusava-se a tirar as mãos da nuca. Quando um dos bombeiros finalmente conseguiu entender o que acontecera, notou que Ana Paula estava com uma pasta gosmenta na nuca.
Uma embalagem de 1 litro de creme de leite no banco de trás do carro estourara por causa do calor, fazendo um barulho parecido com um tiro, e o creme foi jogado para todos os lados, caindo uma parte na nuca de Ana Paula. Quando ela pôs as mãos atrás da cabeça, sentiu a massa mole e achou que fosse seu cérebro. Primeiro desmaiou, mas recuperou-se rapidamente e tentou segurar o cérebro por mais de uma hora, até que alguém chegou para acudi-la.
A EXPLICAÇÃO
Ana Paula é loura…

Lá vou eu de novo, meu caro leitor, na minha eterna e incessante luta contra o barulho urbano, praga maldita que inferniza a vida dos habitantes das cidades.
É uma invenção genial. Parece uma caixa de som de 15cm x 8 cm. Você liga na tomada e pendura do lado de fora da janela, na direção dos latidos do cão. Quando os latidos superam um determinado nível, o aparelho inicia uma emissão ultrassônica por 10 a 15 segundos, que causa somente um pequeno desconforto no animal mas nada que o prejudique ou afete a sua saúde. O animal para imediatamente de latir. E o melhor: seu vizinho nem precisa saber. Essa maravilha custa apenas R$ 169,00 mais frete, em até três vezes no cartão; se você for ao exterior pode comprar por cerca de 60 dólares.
Lá estava eu no centro da cidade, sol a pino, calor abrasador, voltando de um reunião do Instituto de Genealogia. Um mulher emparelhou comigo. “Cuidado na bolsa”, disse ela. “Vinha dois caras ali atrás, colados com a senhora. Acho que eram ladrões.” Bem, eu ando agarrada com a minha bolsa, atracada, e não largo dela um instante. Agradeci e como já estava pertinho do estacionamento, entrei no carro e segui para o supermercado, onde ia fazer as compritchas da semana. Chegando lá, ao entrar no banheiro para me arrumar um pouco, qual não foi a minha surpresa quando dei por falta da volta que levava ao pescoço. Nada de mais, uma coisinha baratinha, que deve ter custado ai uns 40 reais, mas que parecia coisa boa, de ouro. Aí fiquei pensando: será que o ladrão tirou a volta do meu pescoço e eu nem vi? Provavelmente foi, porque o fecho estava em perfeito estado, a corrente era grossa e eu não senti nenhum empurrão ou qualquer tipo de contato.
Hoje é o Dia Mundial do Teatro. Então, deixem-me falar um pouco sobre essa arte em que milito há anos, e onde já fiz de quase tudo, principalmente como dramaturga, atriz, crítica, professora, diretora eventual, e principalmente, praticante apaixonada.
Sempre defendi, como pessoa de teatro, aquilo que chamo de preparação espiritual do ator. Essa tal preparação “espiritual” não tem nada a ver com religião, mas com a elevação do espírito, do intelecto, das idéias, dessa parte imponderável do ser humano que extrapola as habilidades corporais desenvolvidas pelos exercícios, que hoje em dia são muitas vezes colocadas como os principais requisitos para o trabalho teatral. Essas técnicas são importantes mas ficam vazias e mecânicas se o ator não tiver esse desenvolvimento interno, do “espírito”, da sua essência enquanto ser humano.
Há muito tempo que prometo um blog aos meus leitores. Não são muitos leitores, mas são fiéis e queridos, e acompanham há anos as peripécias e aventuras da “professora Clotilde” nestes mares virtuais.






