Arcano XVI – A Torre, ou A Casa de Deus
Clotilde Tavares | 7 de março de 2023ARCANO XVI – A TORRE, ou A CASA DE DEUS
por Clotilde Tavares
A TORRE
Os alicerces da torre
Na pedra estão enterrados
Altas e parcas janelas
Meros redondos buracos
De lá não se vê o campo
Nem os chãos desse reinado
Mais horizontes de torres
De semelhantes formatos
Não há portas nem portões
Nem vestíbulos cromados
Estreitos elevadores
Passam verticalizados
Nos porões os automóveis
Seus espelhos e cromados
Por dentro veludo e seda
Por fora metal blindado
Os habitantes só saem
No carro fortificado
Pra diversos subsolos
Em outras torres fincados
Abrigados e seguros
Igualmente encarcerados
No labirinto de pedra
De caminhos enterrados
Dali só podem sair
Quando estiverem curados
Do medo que está por cima
Do pavor que está embaixo
Do horror que vem de dentro
Da morte que vem dos lados
Ali ficam em seu destino
Pois tudo já está selado.
A QUEDA
Mas chega um tempo em que o deus
Que sonhava adormecido
Despertando impaciente
Já cobrando o prometido
Lança cascatas de fogo
Lá do alto, encandescido
Coroas despencam ao chão
Com seus enfeites partidos
E os credos não valem mais
Com seus textos corrompidos
Ao solo esses infelizes
São lançados com ruído
Apavorados, clamando
Vendo o mundo destruído
Sem perceber que esta queda
É o remédio que está vindo
São da torre libertados
Mas não percebem o sentido
Do que está acontecendo
De que agora são mais vivos
Se estão de ponta cabeça
Logo estarão reerguidos
Mais libertos, mais extensos
No solo dourado e limpo
Para o qual estendem as mãos
Dispostas para o cultivo
E logo estarão de pé
Senhores do seu juízo
Libertos de qualquer deus
Dos quais estavam cativos
Olham para o horizonte
Que se estende ao longe, limpo,
Atrás a torre se arruína
Mas ninguém percebe isso
A vida agora começa
Nas terras do paraíso.