A biblioteca celestial
Clotilde Tavares | 29 de outubro de 2009Hoje, 29 de outubro, é o “Dia Nacional do Livro”, escolhido por ser a data de aniversário da fundação da Biblioteca Nacional, que nasceu com a transferência da Real Biblioteca Portuguesa para o Brasil. O acervo de 60 mil peças, entre livros, manuscritos, mapas, moedas e medalhas ficou no início acomodado nas salas do Hospital da Ordem Terceira do Carmo, no Rio de Janeiro. A data oficial de fundação da Biblioteca é 29 de outubro de 1810, e sobre a aventura que foi a transferência desse acervo há um livro espetacular, A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis, de Lilia Maritz Schwarcz, editado pela Companhia das Letras em 2002.
Então, hoje para mim é dia de festa. O aniversário de uma biblioteca, minha gente, que hoje também tem muita coisa disponível em formato digital, quer evento mais importante? Quando estive no Rio de Janeiro no ano passado passei um dia internada naqueles corredores, respirando o ar daquelas paredes cobertas de tesouros e com o coração batendo docemente e mais forte só por estar naquele ambiente sagrado, para mim muito mais significativo do que qualquer templo ou igreja. E lhe garanto: se um dia eu morrer e for para o Céu, a primeira pergunta que faço a São Pedro (pergunta que aprendi a fazer com Diógenes da Cunha Lima) é onde está a biblioteca, onde é a livraria. Se não tiver nem numa coisa nem outra dou meia volta e vou para o Inferno, porque lá pelo menos tem rock and roll…
Brincadeiras à parte, os apaixonados por livros, como eu, devem imaginar o Céu como uma grande livraria, ou biblioteca, onde seja possível encontrar todos os títulos, todas as coleções completas, sem falar nos jornais, revistas, periódicos, fanzines, e tudo o mais que possa ser impresso, escrito ou desenhado.
As poltronas desse espaço paradisíaco devem ser macias como nuvens e o café forte, quente e perfumado. Na biblioteca do céu será possível encontrar, entre outros, o livro de Aristóteles sobre a comédia, que se supõe que ele escreveu mas que não chegou até nós. E o que dizer das outras peças de Sófocles, que escreveu quase 120 mas só sobreviveram sete? E Ésquilo, autor de mais de 80 textos dos quais também só sete chegaram até os nossos dias? Ao todo, seriam 184 textos teatrais desses dois grandes autores, sem falar nos outros: todos os grandes textos da Antiguidade Clássica que foram destruídos pelo fogo das guerras e pela burrice do fundamentalismo religioso!
Todos esses livros estariam lá, lado a lado, como aqueles escritos de antigas civilizações que nunca encontraram decifração e que, no céu, foram pacientemente decifrados pelos estudiosos que, na morada celestial, receberam todas as verbas de pesquisa que lhe foram negadas na Terra. Um livro curioso que sei que será encontrado no Céu é aquele no qual a escritora Agatha Christie relata o que aconteceu durante os onze dias em que ficou desparecida, mistério real nunca revelado e cuja solução ela levou para o túmulo.
Um paraíso feito de livros: quer coisa melhor, meu caro leitor? Sem estresse, sem pressa, desfrutado com extremo prazer, porque nessa livraria divina podemos ler lenta e gostosamente todos os livros que quisermos, já que a Eternidade é o nosso tempo e se estende, infinita, à nossa frente.