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Troncha de saudade

Clotilde Tavares | 2 de dezembro de 2009

Eu me lembro que quando estudei no segundo grau aprendi que saudade era uma palavra que só existia na língua portuguesa e que não tinha correspondente em outros idiomas. Note que existem em outras línguas palavras para solidão, carência, tristeza, nostalgia. Mas saudade mesmo, que é bom, só tem em português.

Quero dizer: que é bom, não. Que é ruim. Pois tem coisa mais ruim do que saudade?

Como diz Luiz Gonzaga, saudade só é bom quando “a gente lembra só por lembrar um amor que a gente um dia perdeu.”  Quando a gente está assim sem ter o que fazer e começa a lembrar das aventuras, dos amores, das histórias. Aí dá aquela saudade boa, gostosa, leve, de um tempo que já passou mas que foi bom, um tempo em que a gente “foi feliz sem saber, pois não sofreu.”

Mas se é uma saudade presente, se a gente vive a sonhar “com alguém que se deseja rever”, aí, meu filho, “saudade entonce assim é ruim, saudade assim faz roer e amarga que nem jiló…”

O poeta Antonio Marinho, de São José do Egito, disse um dia que

Quem quiser plantar saudade

Escalde bem a semente

Plante num lugar bem seco

Quando o sol tiver bem quente

Pois se plantar no molhado

Ela cresce a mata a gente.

E mata mesmo, minha gente. É por isso que eu proponho que a palavra SAUDADE seja imediatamente, banida, expulsa, varrida, extirpada da língua portuguesa, como já foi feito em outros idiomas, para que a gente não fique por aí, andando sem destino dentro de casa, olhando o mundo com os olhos cegos, arrastando o nosso corpo morto e doendo, troncha de saudade de quem a gente quer bem.

Esse texto é dedicado à minha amiga Cida Lobo, à minha sobrinha-neta Maria Luísa, à minha filha Ana Morena, e ao meu amigo Cassiano Lamartine, o Orquilouco.

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Antonio Marinho, Luiz Gonzaga, que nem jiló, saudade
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O poder de síntese da poesia nordestina

Clotilde Tavares | 21 de agosto de 2009

Uma coisa que sempre me surpreende na poesia popular nordestina é a capacidade de síntese dos poetas. Em poucas palavras, arrumadas em um estrofe de seis linhas conhecida como sextilha, o poeta consegue expressar de forma completa um pensamento, um sentimento, uma idéia ou até mesmo resumir uma história.

Veja, por exemplo, a primeira estrofe do folheto de cordel “O Pavão Misterioso”, da autoria de José Camelo de Melo Rezende, folheto esse que deve ter sido publicado nas primeiras décadas do século XX:

“Eu vou contar a história
De um pavão misterioso
Que levantou vôo da Grécia
Com um rapaz corajoso
Raptando uma Condessa
Filha de um conde orgulhoso…”

Apenas com uma estrofe o poeta situa a história, transmite o clima de aventura e perigo e introduz o conflito da trama, que se estabelece entre o rapaz e o conde, em disputa pelo amor da Condessa; de quebra, caracteriza os personagens, atribuindo coragem ao rapaz, orgulho ao conde e beleza à tal condessa, é claro, que ninguém vai se dar ao trabalho de raptar mulher feia.

Quer outro exemplo? Pergunte a qualquer pessoa quais são as três piores coisas do mundo, e peça para explicar por que. Nove entre dez mortais vão passar uma hora explicando e gastando palavras. O poeta não. Veja essa décima (estrofe de dez linhas) atribuída a Louro Branco que responde à sua pergunta:

“Um grande sábio profundo
Me perguntou certa vez
Se eu conhecia as três
Piores coisas do mundo
Lhe respondi num segundo
E lhe dei explicação:
– Doido, mulher e ladrão.
Doido não tem paciência
Ladrão não tem consciência
E mulher não tem coração.”

Sintético, enxuto, exato, na medida. Uma estrofe perfeita.

Outra da qual gosto muito é uma sextilha atribuída ao poeta pernambucano Antonio Marinho, sogro do não menos famoso vate Lourival Batista, dos Batistas de São José do Egito. Sobre a saudade, fala Antonio Marinho:

“Quem quiser plantar saudade
Escalde bem a semente
Plante num lugar bem seco
Quando o sol tiver bem quente
Pois se plantar no molhado
Ela cresce e mata a gente.”

A quem estiver estranhando essa coisa de “atribuído a…” explico que na poesia popular essa questão de autoria é assim mesmo meio nebulosa, meio confusa, meio incerta. Para não errar, prefiro dizer que o verso é “atribuído a” do que fechar questão quanto ao autor.

Outro primor da síntese é uma estrofe que escutei por aí, da qual não sei o criador:

baralho(1)

“O baralho tem quatro ás
Quatro dois e quatro três
Quatro quatro e quatro cinco
Quatro nove e quatro seis
Quatro oito e quatro sete
Quatro dez, quatro valete
Quatro dama e quatro reis.”

Não poderia concluir este registro sem falar em Rosil Cavalcanti, compositor genial de obras musicais como “Sebastiana”, “Tropeiros da Borborema”, e tantas outras. Basta dizer que Rosil foi aceito na Academia de Letras de Campina Grande apenas pelas suas letras, apenas pelas suas composições, sem nunca haver escrito um livro. A cadeira do qual foi patrono e fundador foi depois ocupada por meu pai, o jornalista e poeta Nilo Tavares, coisa que muito nos gratificou. Rosil Cavalcati é o autor de “Moxotó”, cuja letra é um verdadeiro e estudo sociológico da região que ele descreve na canção, com todas as suas características geográficas, econômicas, antropológicas e sociais:

“Você precisa conhecer uma terra boa
Você precisa conhecer o Moxotó
Pra ver o cabra entrar no mato encourado
Derrubar touro montado
Pegar cobra e dar um nó.
Lá tem vaqueiro que emborca no carquejo
Quebrando arapiraca
Tem sim senhor
Tem caçador que pega onça de mão
E sangra de faca
Tem sim senhor
Tem fazendeiro que morre e não sabe
Quantas reses tem
E tem morena de fala doce e amena
Que em outra terra não tem
Isso também tem…”

Oitenta palavras e toda a região passa como um filme, à sua frente! Genial.

Lagoa do Puiú, município de Ibimirim-PE, em pleno Moxotó, onde meus parentes ainda habitam, criam e cultivam.

<br>
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Antonio Marinho, Ibimirim, Louro Branco, Louruval Batista, Moxotó, Nilo Tavares, poesia popular nordestina, Rosil Cavalcanti
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