Antes mal-acompanhada do que só
Clotilde Tavares | 22 de janeiro de 2010Nos dias em que estou assim à toa, sem fazer nada, uma coisa que me distrai muito é ler os classificados. O meu caro leitor não imagina o potencial de diversão que há nesses anúncios, ou como é instigante exercitar a imaginação inventando histórias a partir daquelas poucas palavras que ali estão.
Todas as pequenas – e às vezes grandes – necessidades humanas estão presentes, explícitas ou latentes nos classificados. São pessoas que estão “vendendo todos os móveis” por motivo de viagem ou transferência e eu logo imagino a dor que a gente sente quando tem que se separar de um objeto querido, que pode ser o armário antigo e cheio de recordações ou a fofa poltrona que já se acostumou com nosso corpo.
E o que pensar quando o anúncio diz: “Vende-se vestido de noiva, cor branca, em renda francesa, todo rebordado em pérolas. Nunca foi usado.” Pobre noiva, que com tanto carinho escolheu modelo e tecido e quem sabe até ajudou a fazer o trabalhoso bordado, mas não chegou a vesti-lo e subir ao altar! Que tragédia ou desilusão se esconderá por trás deste anúncio? Uma traição? Morte prematura do noivo?
Quando o assunto é ortografia, as coisas se tornam muito engraçadas. É curioso observar a forma como certas palavras são escritas e aí o crédito por essas aberrações ortográficas tanto pode ir para quem redige o anúncio e o entrega no balcão como para a atendente do jornal, a quem o anunciante dita o texto pelo telefone. Alguém quer vender um título do “Walter Park”, em vez de “Water Park”, um salão de beleza oferece “coiffus” em vez de “coiffeurs” (cabelereiros) e outro quer vender um computador com estabilizador de “um caviar”, quando o correto é 1 KVa.
Descobri também que é um bom negócio trabalhar com recarga de cartuchos para impressora, tal a quantidade de anúncios dessa atividade. Um deles oferece a própria máquina que faz o trabalho e afirma que esta é “a profissão do novo milênio”. Acrescenta ainda que “Deus é fiel”, mas nessa eu passei batida e não consegui estabelecer qual seria a relação entre a fidelidade divina e a tinta dos cartuchos.
Mas o melhor de tudo é a criatividade das pessoas na hora de oferecerem seus serviços. Descobri um “motorista/locutor”, um “massagista profissional” que adverte de maneira taxativa que não massageia “partes íntimas” e um “caligrafista”, que se oferece para endereçar convites de casamento, formatura e outros eventos. Encontrei também um “sargento do exército, 30 anos, comunicação fácil, experiência em planejar, sobrepor limitações, mudanças de paradigma e táticas racionais…”, que acrescenta outras habilidades e conclui o anúncio dizendo que “… não é fumante, flamenguista ou corintiano e muito menos simpatizante do futebol”.
Finalmente, entre todo esse cortejo de profissionais, gostei muito de dois rapazes que se oferecem para “acompanhantes”: “Lindo, gaúcho, olhos azuis” e “Novato, 22 anos, prazeiroso”. Com um pequeno esforço de imaginação, consegui me ver sendo acompanhada por um deles ou, quem sabe, pelos dois ao mesmo tempo. Mas temo, meu caro leitor, que isso não seja assunto para este blog e vou ficando por aqui, profundamente inclinada a subverter o provérbio e afirmar que, vez por outra, é melhor estar mal-acompanhada do que só.