Procurando apartamento para alugar
Clotilde Tavares | 29 de junho de 2009Estou procurando apartamento para alugar. Para os seguidores deste blog que não me conhecem, o apartamento que procuro é em Natal, capital do Rio Grande do Norte, uma cidade linda, perfumada, agradável, cidade onde morei durante 35 anos e da qual estou ausente há quatro, morando na capital parahybana a 180 km de distância. Eu gosto de definir Natal dizendo que ela é uma cidade impossível, como aquelas cidades do livro de Ítalo Calvino, porque Natal encerra tantas contradições, tantas coisas boas ao lado das piores, tudo tão entrelaçado e misturado que muitas vezes corta todas as nossas possibilidades de se viver nela. Mas meu tempo na Parahyba acabou. A saudade dos filhos e netos vem aumentando e agora estou de volta: é isso que importa.
A experiência de procurar apartamento em qualquer cidade é algo quase transcendental, pelo muito que envolve, pelas energias mobilizadas, pela ansiedade, pelo quadro em branco que é um apartamento onde não moramos ainda e que queremos encontrar, que só existe na nossa mente, espaço desejado e ainda não encontrado, dentro do qual precisamos inscrever mesmo que somente na imaginação os locais para o sofá, os livros, a mesinha preferida, as cortinas, a coleção de caixinhas, a posição da cama, os quadros, as fotografias.
Aí, entramos naquela habitação vazia, nua, asséptica, recém-pintada, e começamos a pensar: será que meu sofá cabe nessa parede? Será que quando estiver sentada aqui vou gostar de ver sempre essa porta da cozinha que abre direto na sala? Esse corredor estreito não vai me dar claustrofobia e me fazer rememorar o trauma do parto toda vez que eu passar por ele? Essa pia da cozinha tão alta não vai me deixar com dor nas costas? Será que tem barulho? Debruço na janela do quarto e vejo bem em frente aquela estrutura colorida de madeira na qual as crianças adoram subir e descer sem parar. Não, este positivamente não é o apartamento que quero.
Tenho andado bastante nesses dias. E tenho encontrado – com algumas exceções – apartamentos de dois tipos. O primeiro tipo é o que chamo “colméia”. Apartamentos de 55 m2, com 3 quartos, sendo duas suítes, e mais dependência de empregada. Aí é assim: você põe o sofá na sala, o sofá de três lugares, mas não cabe o de dois; a TV tem de ser de 14 polegadas, porque vai ficar quase diante do seu nariz; num dos quartos vai a cama, e no outro o armário; caso eu habite um desses, o terceiro quarto fica para os livros, dos quais devem caber apenas um terço dos que tenho. Os banheiros saõ engraçados: sentando no vaso, os joelhos encostam na parede da frente; e felizmente não sou homem porque penso que se fosse teria que me preparar para usar o banheiro ainda fora do quarto, já que lá dentro não há espaço para abrir o zíper. E a dependência de empregada? É naquele caixote que querem que um ser humano durma? Naquele caixote sem janelas? Uma múmia egípcia estaria mais confortável no seu sarcófago.
Esses apartamentos/colméias distribuem-se muitas vezes em torres de número variado, com a chamada área de lazer com diversos equipamentos como piscina, parque, salão de jogos, salas de ginástica, salão de festas, churrasqueira… mas eu não uso nada disso. É o apartamento ideal para o casal jovem: ambos trabalham fora, e só chegam em casa à noite onde, depois de ver Tv por meia hora, caem no sono. Os filhos, protegidos e acompanhados pelas empregadas, desfrutam da área de lazer durante o dia, quando não estão na creche ou na escola. Perfeito. Para eles, não para mim.
Já o segundo tipo de apartamento é o inverso. É o apartamento do novo-rico. Duzentos, trezentos metros quadrados, quatro suítes com closets, sala para home-theater, outras salas “íntimas”, quatro vagas na garagem, hidromassagem, ofurô, adega, escritório, e uma coisa chamada “varanda-gourmet”, que é uma varanda grande que tem numa das extremidades uma churrasqueira. Aí eu imagino: o cara começa a vida morando na periferia, fazendo churrasco “na laje” e convidando toda a vizinhança; depois melhora de vida e vai para um condomínio-colméia com churrasqueira coletiva, mas descobre que aí já não é mais tão agradável se misturar com os semelhantes. Daí a alguns anos os filhos crescem, ele progride mais, e então está pronto para a varanda-gourmet, que não deixa de ser uma forma sofisticada de “churrasco na laje”…
As construtoras e arquitetos – ou ambos – e ainda o mercado imobiliário não estão nem aí para pessoas como eu, que vivem sozinhas, que têm móveis e objetos queridos dos quais não querem se desfazer, que possuem coleções que precisam ser acomodadas, e que não necessitam de um monte de cubículos, nem de área de lazer ou “varanda-gourmet”. E fico vendo aqueles filmes americanos como “Ghost”, por exemplo, e doida pra morar num “loft”, aquele “vão” enorme onde eu pudesse espalhar minhas coisas e andar, caminhar para lá e para cá nas horas em que estou atrás de idéias para escrever estes meus textos.
Eu só quero uma sala grande – grande é o modo de dizer, de uns 25 a 30 m2. A que tenho agora é formada por dois quadrados: um de 3m x 3m e outra de 4m x 4m e cabe muito bem meu conjunto de estofado, minha TV, a cadeira que reclina, e minhas mesinhas com porta-retratos e coleções de caixinhas. Nem mesa de jantar eu tenho. Pois é: aquela mesa que todo mundo tem, com seis cadeiras e guarda-louças, eu não tenho, porque não preciso! Além da sala, preciso de um segundo cômodo que é o quarto, para a cama, a cômoda e um pequeno armário de um metro de largura; e o terceiro cômodo para os livros. Se a sala for grande, ponho os livros na sala e elimino um cômodo! A cozinha, um lugar para lavar roupa, e pronto. Mas tudo de um tamanho que eu possa dar três passos sem esborrachar o nariz numa parede.
Então, meu caro leitor, está duro de encontrar. Mas eu vou insistir. Continuo procurando. Além do que citei acima, gosto de “vista”. Preciso de uma varandinha que caiba a rede, e que dê pra ver o mundo, as estrelas de noite, e a lua quando nasce, ou Vênus, logo antes do amanhecer. Tem que ser um pouco alto, mas não precisa ser de frente para o mar. Gosto muito de observar a vizinhança, casas, quintais, copas de árvores, carros, avenidas e eventualmente outros edifícios, desde que não fiquem muito perto do meu.
Encontrei um assim: um céu. Vigésimo andar, tamanho razoável, vendo toda a baía de Ponta Negra. Mas entre aluguel, condomínio, IPTU e outras taxas saía por mil e setecentos reais, e eu não posso pagar tanto.
Mas espero. Como minhas intenções são boas, meu espírito está em paz e sempre me alinhei ao lado das forças do Bem e da Justiça, sei que o Universo vai me oferecer, na hora adequada, a morada dos meus sonhos, onde eu possa viver mais um período da minha vida, no meio dos meus livros e fotos, perto dos meus filhos e netos, nesta cidade que, apesar de impossível, é a mais concreta possibilidade de vida que eu tenho agora.