Você acredita em tudo?
Clotilde Tavares | 3 de agosto de 2009Você acredita em tudo que chega na sua caixa postal pela Internet?
Desde que o e-mail foi inventado que recebemos todo tipo de mensagens. Mães desesperadas enviando fotos de crianças perdidas, pedido de doações para crianças com doenças gravíssimas e que precisam fazer cirurgia, milionários africanos cujos milhões de dólares estão presos em alguma conta e que precisam de uma pessoa para ajudá-los a entrar na posse da fortuna. São histórias de rins arrebatados durante a noite, de cobras venenosas nas alfaces de um supermercado, de dinheiro ou celulares grátis se você enviar certa quantidade de e-mails.
Isso sem contar a enorme quantidade de textos com autoria atribuída a grandes nomes da literatura como Oscar Wilde, William Shakespeare, Fernando Pessoa e Clarice Lispector. Há ainda textos creditados a jornalistas e autores em destaque na mídia como Arnaldo Jabor, Luís Fernando Veríssimo ou Ariano Suassuna. Com o nome do último está circulando um texto sobre o forró de baixo nível, na verdade escrito pelo jornalista pernambucano José Teles.
É conhecido o poema Instantes, atribuído a Jorge Luís Borges (“Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros…”), poema cujo título original é I Would Pick More Daisies e cujo autor é Don Herold, tendo sido publicado em Seleções do Reader’s Digest em 1953. O curioso é que este autor, escritor, humorista e cartunista escreveu mais de dez livros mas sua obra mais conhecida circula o mundo atribuída a outro… O poema, impresso em poster na década de 1980 por um laboratório farmacêutico, foi largamente distribuído a médicos e eu mesma tinha um pregado na minha parede… até descobrir a verdadeira autoria. Fã de Borges, não quis compactuar com a impostura.
Um dia desses, numa palestra “motivacional”, a palestrante recitou um poema de Clarice Lispector que, como sabem aqueles que conhecem sua obra, nunca escreveu poesia. Mas o tal poema circula na Internet e pode ser lido normalmente ou da última para a primeira linha, artifício que provavelmente seduz as mentes mais simplórias, que o propagam.
Vi esta semana um anúncio da oficina de um artista visual onde ele estrutura todo o trabalho em cima do texto Você aprende, atribuído a William Shakespeare, mas que na verdade é da autoria de uma jovem norte-americana, Veronica Shoffstall, que o publicou em um livro de 1995 com o título Chicken soup for the soul. Quem conhece os textos de Shakespeare jamais confundiria a prosa elisabetana do século XVI com a escritura do Você Aprende (…Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma…) As pessoas que gostam desse texto ficam tao fanatizadas por aquelas palavras que são capazes de brigar se você afirmar que o texto não é da autoria do bardo de Stratford.
O último boato da Internet refere-se a uma suposta liminar que a indústria Monsanto teria dado entrada para proibir o Ministério da Agricultura de divulgar uma cartilha onde explica tudo sobre os alimentos transgênicos. A Monsanto não entrou com liminar nenhuma, a cartilha vai começar a ser distribuída amanhã pelo Ministério mas a notícia já rodou a Internet porque todo mundo, como diria minha mãe, “emprenha pelos ouvidos”* e adora demonizar uma multinacional. Veja os detalhes no blog DNAm dos biólogos Gabriel Cunha e Rafael Soares.
A lista é interminável, e se você quer saber de tudo o que é fraude que ocorre na Internet clique no excelente site Quatrocantos. É importante comprovar as coisas antes de sair espalhando por aí.
*A expressão “emprenhar pelos ouvidos” significa dar crença a tudo o que ouve sem questionar. No caso, a tudo que recebe por e-mail…