As calçadas de Natal
Clotilde Tavares | 4 de setembro de 2010Hoje envolvi-me em uma atividade que há muito eu não fazia. Precisei de um cartucho para a impressora e, como a loja só entregava em casa contra dinheiro ou cheque e eu não tinha nenhum dos dois, lá fui eu a pé, passar a compra no cartão. A loja era perto, uns 400 metros de casa, e não compensava chamar um táxi.
Era de manhã, no sábado ensolarado desta minha cidade Natal, e lá saí eu dispostíssima, calçada afora, aproveitando para cumprir minha meta diária de meia-hora me movimentando, de preferência andando e fora da minha poltrona.
Ah, meu caro leitor. Como é difícil andar na rua. As calçadas são verdadeiras pistas de obstáculos. Nenhuma é igual à outra. Uma é de pedra, a outra é de ladrilho, na seguinte encontro paralepípedos; nesta outra, que vem depois, há veículos estacionados e tenho que ir pelo asfalto, com os carros me tirando cada fino!
Fico pensando nas pessoas que põem um tênis e descem para caminhar no bairro. Como caminham, com tais calçadas? É um segredo que não consegui decifrar ainda. Pior ainda: o sofrimento daquelas que caminham porque precisam, porque têm que ir de um lugar a outro e que não têm carro. E as grávidas, e cadeirantes, e mulheres com carrinhos de bebê, e idosos? – é, também sou idosa sim senhor!
Essas calçadas são verdadeiros obstáculos ao meu direito constitucional de ir e vir. Como posso fazer isso em condições tão ingratas? E a avenida, tão convidativa no ano de 1982, quando eu ia diariamente a pé de onde morava, na rua da Saudade, ao prédio onde hoje é o Sebrae – e onde era naquele tempo a Alcanorte, à qual prestei serviços durante seis meses, agora me parece uma verdadeira Linha Vermelha, com todo o respeito aos meus leitores da maravilhosa cidade do Rio de Janeiro.
Mudaria a cidade, ou mudei eu? Ah, meu caro leitor. Mudamos ambas. Eu fiquei mais lenta, mais amante do silêncio e da solidão, e a avenida cresceu, inchou, com tanto carro e caminhão! As calçadas, que antes eram lisas e uniformes, hoje estão de um jeito que não dá nem pra gente desfrutar do passeio olhando o mundo porque senão tropeça em algo ou enfia o pé num buraco.
Enfim, cumpri lá a minha missão e, 400 metros de ida e mais outro tanto de volta, comprei meus preciosos cartuchos. Ao chegar ao prédio onde moro, encontrei o rapaz da oficina: tinha vindo trazer o meu carro. Ninguém merece.