Ladybird – A Hora de Voar (Ladybird, 2017)
Clotilde Tavares | 26 de janeiro de 2018Nunca consegui me entender direito com a minha mãe. Ela me amava, mas tinha um temperamento terrível. Eu também a amava, e tinha/tenho um temperamento igualmente terrível, herdado adivinhe de quem?
Pois é. As relações entre mãe e filha sempre dão bons temas para ficção, na literatura, no teatro, no cinema. É o caso de Ladybird – A Hora de Voar, (Ladybird, 2017), da diretora Greta Gerwig, filme que surge neste início de ano com cinco indicações ao Oscar: melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro original (também da Greta Gerwig), melhor atriz (Saoirse Ronan, a filha) e melhor atriz coadjuvante (Laurie Metcalf, a mãe).
O filme traz o binômio mãe preocupada e cheia de trabalho/filha adolescente cursando a série final do ensino médio, com todos aqueles lugares comuns que estamos acostumados a ver nos filmes do gênero: primeiro beijo, a popularidade na escola, a necessidade de afirmação, o primeiro baile, o quarto sempre desarrumado, as melhores amigas, a inveja das garotas bonitas, as brigas com o irmão mais velho, as dificuldades financeiras da família e o centro de tudo: as brigas e desentendimentos com a mãe, já que o pai é o bonzinho da história, nas palavras da megera mal humorada que persegue a pobre menina nessa idade tão difícil. Mais do mesmo, diz você. Mais do mesmo, pensei eu.
Mas neste filme, tudo isso se passa sutilmente de outra forma, com algumas camadas a mais de profundidade, embaladas por um diálogo vivo e intenso e por situações comuns mas exploradas magistralmente pela diretora. E a Laurie Metcalf – que desempenho! – eu já a conhecia como a divertida fanática religiosa mãe de Sheldon Cooper em The Big Bang Theory (aliás, os coadjuvantes daquela série são um assunto à parte) mas nunca a havia visto em um papel dramático. Fiquei encantada. Sua interpretação de Marion, a mãe da adolescente Ladybird, é um dos grandes trabalhos que vi ultimamente no cinema e consegue construir com a Saoirse Ronan, também outra excelente atriz, uma cumplicidade e uma apropriação do texto e das situações que só consegue fazer quem domina a grande arte de representar.
Toda a história me tocou muito, e me revi na adolescente truculenta, teimosa, desaforada, lutando para ser alguém, para ter um nome e uma carreira, e trombando dia e noite com aquela criatura exigente, irascível, destemperada, mal-humorada e tão parecida com a minha mãe na maioria dos momentos. Mas não é para isso que o cinema serve? Não é para despertar em nós uma viagem, uma descoberta? Quando a obra de arte nos toca, nosso coração vive de novo, o sangue circula aquecido, o mundo se transfigura, enxergamos uma pouco mais além do que víamos antes. É o milagre da fruição artística.
Lindo filme, tocante emocionante, fabricador de lágrimas quentes de saudade pois Mamãe, minha irascível e difícil mãe, há muito me deixou. Como a personagem, na cena final, pude repetir também, sempre procurando as palavras, mas sempre sem encontrá-las: “Mãe, eu queria lhe contar… (Tempo) Eu te amo. (Tempo.) Obrigada, eu… (Tempo.) Obrigada.”