Como fazer perguntas, como dar respostas
Clotilde Tavares | 10 de setembro de 2009Nos meus tempos de médica, quando trabalhava atendendo populações carentes em consultórios nos bairros pobres, rolava uma espécie de anedota sobre a desinformação do médico recém-formado quando começa a lidar com uma população para a qual ele não foi preparado na universidade.
Dizia a história que a mãe chegava com a criança, fraca, mal-nutrida, doente, com todos os indícios de quem estava passando fome. Travava-se, então o absurdo diálogo.
“Esse menino está comendo?” – perguntava o médico.
“Está, sim senhor” – era a resposta da mãe.
“E ele come carne?”
“Come, sim senhor.”
“Toma leite?”
“Toma sim senhor.”
“Come feijão, arroz, verduras, frutas?”
“Come, sim senhor” – continuava afirmando a mãe.
Aqui,então, o médico expressava sua confusão:
“Então por que é que ele está tão magro e tão doente?”
E a mãe:
“Pois é, doutor, quando tem, ele come.”
Toda a confusão se dava pelo fato da mãe responder corretamente a pergunta do médico, e do profissional perguntar uma coisa quando na verdade queria saber outra. E quantas vezes isso não acontece na nossa vida? Quantas confusões e problemas ocorrem porque quem faz a pergunta não sabe formulá-la ou quem dá a resposta responde outra coisa, e não aquilo que foi perguntado?
É comum a seguinte cena: o adolescente chega em casa, às nove horas da noite. Está atrasado para o jantar. Pergunta então para a mãe:
“Mãe, tem jantar?”
A mãe, geralmente, responde uma coisa mais ou menos assim:
“Você pensa que eu sou sua escrava, ou sua empregada, ou sua garçonete, para ficar aqui de plantão até uma hora dessas esperando que você chegue para colocar seu jantar?”
Aí o menino olha assim de lado, meio desconfiado e diz:
“Mãe, eu apenas perguntei se tinha jantar, e você responde sim ou não. Se tiver, eu janto. Se não tiver, eu como qualquer coisa e vou dormir…”
E assim, prestando atenção à pergunta e respondendo apenas o que teria sido perguntado, muitas batalhas domésticas seriam evitadas.
Mas, para mim, a campeã dessas histórias aconteceu num desses colégios americanos onde o ídolo estudantil do futebol precisava ter um aproveitamento mínimo nas matérias para poder entrar em campo e defender as cores da escola. Louro, alto, forte, atlético, vivia tão concentrado nos treinos que relaxou com a prova de Filosofia e havia tirado zero. Era a final do campeonato e o garoto não podia entrar no campo, a não ser que se saísse bem numa prova de emergência que a direção havia permitido que ele fizesse. O estádio lotado, as animadoras de torcida no gramado fazendo suas coreografias, as equipes esperando e, no vestiário, todo paramentado para entrar em campo, nervoso, suando, o nosso herói esperava o professor de Filosofia que vinha aplicar a prova.
O professor chegou, afobado e foi logo comunicando:
“Vou lhe fazer apenas uma pergunta”, disse. “Se responder certo, entra em campo. Se não, não vai poder jogar.”
A tensão era visível em todos que ali estavam: o treinador, o massagista e um membro da direção, que havia vindo fiscalizar a prova.
O professor continuou:
“A pergunta é a seguinte: quero que você me diga tudo que sabe sobre Sócrates”.
O garoto ficou pálido.
“Sócrates? Tudo que sei sobre Sócrates?” Pensou um pouco. “Sócrates era grego e tomou veneno. Pronto. É tudo que sei sobre Sócrates.”
“Resposta certa”, disse o professor, exultante. “Podem deixá-lo entrar em campo.”
Pois é, minha gente. Saber perguntar, saber responder: uma arte, que todos deveriam praticar.
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