Eu e meu duplo
Clotilde Tavares | 27 de outubro de 2009No tempo em que eu ainda estava na ativa como professora da UFRN, tirei três meses de licença prêmio, à qual eu tinha direito. Os colegas perguntavam: “E então, Clotilde, vai fazer o que com esses três meses de folga? Vai viajar? Vai aproveitar para escrever um livro?” e ficavam chocados quando eu respondia que não ia fazer nada, que ia ficar à toa, que tinha tirado a licença exatamente para isso. “Mas fazer nada como?” perguntavam, como se tivessem esquecido do supremo deleite que é ficar estirada na rede branca armada na varanda, empurrando de leve o pé na parede para desfrutar do balanço suave e do rangido do armador.
Essa incapacidade de relaxar, de entregar-se ao ócio, é uma constante nesses tempos turbulentos e apressados em que vivemos. O cotidiano assume uma velocidade, uma intensidade, uma concentração tal que fica difícil desligar-se disso nos momentos de lazer. Então, para acompanhar o ritmo, busca-se também diversões agitadas, velozes, barulhentas e concentradas. Não se admite mais um lazer onde não haja barulho, agitação e movimento.
Além disso, é importante mostrar-se ativo, sociável, extrovertido. Olha-se com desconfiança as pessoas contemplativas, que amam a solidão, o sossego, o silêncio. Um sujeito que passa o fim de semana lendo em vez de sair para a balada, principalmente se é jovem, é olhado com estranheza pelo grupo, e os amigos dizem: “Precisamos arrancar Fulano de casa, do meio desses livros, e levá-lo para se divertir”, como se os livros não fossem uma diversão tão aceitável como qualquer outra.
Na verdade, as diversões desses dias de hoje são cada vez mais desgastantes pelo tempo que perdemos tentando nos divertir, ou lutando para chegar no local da diversão. São horas perdidas em filas para comprar ingressos, em congestionamentos no caminho para a praia ou enquanto aguardamos uma mesa no nosso restaurante predileto. A diversão termina sendo mais cansativa do que o trabalho, mas é preciso se divertir, é preciso freqüentar, é preciso aparecer nos lugares, é preciso dançar a noite inteira, é preciso ir ao restaurante da moda, à buate do momento. É preciso manter a fama de ativo, participante, sociável.
Ah, meu caro leitor, ficar sozinho exige competência. Dedicar o fim-de-semana a arrumar os armários exige coragem. Entregar-se à leitura, à contemplação, enquanto todos estão na praia ou na balada, exige um espírito forte, disposto a enfrentar críticas de todo tipo. Finalmente, ficar à toa, sem fazer nada, simplesmente, é um suicídio social.
Esquecem-se os baladeiros de que é nos momentos de solidão que pensamos, criamos, questionamos. É nesses momentos que acontece o encontro mais importante, o encontro da gente com a gente mesmo, com o nosso duplo, que nos observa do fundo do espelho, que tem coisas para nos dizer mas precisa de silêncio e de calma para se expressar. Dessa conversa, sempre saímos mais fortes, mais calmos, mais vivos e criativos. Experimente. É um bom programa para qualquer fim de semana.