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“O Estado são eles”

Clotilde Tavares | 3 de outubro de 2010

O memorialista Sandro Fortunato, inventor e mantenedor do site Memória Viva vem colocando no ar exemplares antigos da revista O Cruzeiro.

Recordação viva de uma época, é lá que eu mato as saudades da adolescência e vez por outra sou instigada por um bom texto como esse, da imortal Rachel de Queiroz, sobre os privilégios que os homens – e mulheres – ditos públicos se dão quando no exercício da coisa pública. O texto foi publicado em 12 de setembro de 1959. Nem vou comentar. Vou só reproduzir alguns trechos, para sua reflexão. Então, é ler e pensar sobre.

Diz Rachel:

“ (…) Lembrou-me a minha velha mestra de música, Dona Elvira Pinho, abolicionista e republicana histórica, mulher de rígida virtude particular e cívica. Uma de suas alunas era filha do governador e vinha para as aulas no carro oficial. E D. Elvira interpelava a garota, em plena classe: “Como vai o nosso automóvel? Você tem agradecido aqui às meninas o empréstimo do carro para você passear? Sim, porque tanto o automóvel como o motorista, a gasolina, tudo é nosso – nós que pagamos!”

“A menina ficava encabulada ou furiosa, não sei, e Dona Elvira, abandonando a teoria musical, dava um aula de boa ética republicana. Que tudo pertence ao povo, pois quem paga é o povo. Os governantes que gastam consigo o dinheiro dos contribuintes estão usurpando essas regalias – aliás, a própria palavra está dizendo: regalia – privilégio do rei! República não tem rei, e, assim, os governantes republicanos não deviam ter palácios para as suas famílias nem carros oficiais para passear os meninos, nem comida e luxo à custa do povo.

(…) “Até a ditadura ainda havia um certo pudor. Talvez porque ainda restassem vivos muitos republicanos da cepa de D. Elvira. Com o Estado Novo, todo o mundo amordaçado, sem ninguém para estrilar, o hábito da regalia se universalizou. Os homens públicos deixaram de separar o que era do Estado e o que era deles, ou antes, o uso e abuso dos bens públicos passou a ser privilégio dos cargos e, por extensão natural, da parentela dos cargos. Ninguém se lembra mais da origem do dinheiro com que se custeia o luxo dos poderosos – aqueles ínfimos impostos que o pobre mais pobre tem que pagar: o cruzeiro a mais no preço do feijão, da farinha, do metro de pano, a licença para vender um pé de alface ou um chapéu de palha.

“Talvez se esses aproveitadores da riqueza pública – e entre eles haverá muitos homens honestos – se detivessem um instante a pensar de que pobreza, de que miséria, provém aquela riqueza, que não foi para tal fim que a arrancaram ao triste contribuinte; que aquele automóvel do seu uso talvez custe dez leitos que faltam num hospital; que aquele passeio de avião talvez represente mais cem analfabetos; que aquela comissão no estrangeiro valha por alguns quilômetros de estrada; que aquele piquenique oficial em Brasília talvez esteja custando o DDT que iria acabar a malária numa região inteira ou o barbeiro – em outra; se eles pensassem, talvez recuassem envergonhados, e devolvessem o seu a seu dono.

“Mas eles não se lembram. Vêem apenas o dinheiro fácil, abundante, bom de gastar. Dizem que se um não gastar, outro gasta. E, acima de tudo, convencem-se de que eles próprios e os seus é que representam o Estado, e que emprego da fazenda pública em regalias pessoais para os que encarnam o Estado, é tão legítimo quanto os gastos em ordenados de professoras, em remédios para os ambulatórios.”

(…) “Quando se funda uma nação, o povo promete obedecer aos seus chefes escolhidos e pagar uma percentagem determinada sobre tudo que produzir, para o sustento da indispensável máquina de direção e defesa nacional. Os líderes, por sua vez, juram não ser mais que fiéis servidores do povo que os emprega. Mas parecem que juram à falsa fé. Porque, mal se apanham com a máquina nas mãos, esquecem de quem é o dono e de quem é apenas o gerente. Transferem para a sua pessoa, a grandeza que só era do cargo. Querem palácios condignos, carruagens condignas, tratamento condigno, privilégios condignos.”

(…) “E nessa preocupação de se regalarem a si, acabam esquecendo para que subiram tão alto, e se convencem de que o povo existe apenas para sustentar o Governo, e não o Governo para servir o povo.”

As palavras de Rachel de Queiroz são sábias, fundadoras, tão atuais que parecem ter sido escritas hoje. E são também uma boa lembrança para todos nós, que acabamos de eleger nossos governantes.

Leia aqui a crônica inteira.

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corrupção, O Cruzeiro, Rachel de Queiroz, uso da coisa pública
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"Toda vez que um juiz prende um ladrão…"

Clotilde Tavares | 11 de fevereiro de 2010

Hoje, com a notícia da prisão do governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, disseram logo:

– Não adianta! Rapidinho vem outro juiz e manda soltar!

Aí eu me lembrei de uma história que está lá no livro “Os Martelos de Trupizupe”, da autoria do meu irmão Braulio Tavares.

Braulio glosa em martelo em decassílabo o mote “Toda vez que um juiz prende um ladrão/  Chega outro juiz, manda soltar!”

O verso foi escrito há uns oito anos, mas parece que foi escrito hoje, não é, minha gente?

*     *     *

Glosa ao mote

Toda vez que um juiz prende um ladrão/ Chega outro juiz, manda soltar

Por Braulio Tavares – Do livro “Os Martelos de Trupizupe” (Natal, Engenho de Artes, 2004)

1.

Toda vez que um soldado de polícia

leva preso um filhinho-de-papai,

meia hora depois ele já sai

com propina na hora mais propícia…

Toda vez que um jornal dá a notícia

dos trambiques de algum parlamentar,

noutro dia precisa apresentar

desmentidos de toda a redação…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

2.

Quando algum promotor tem a coragem

de enfiar sua mão nesse vespeiro,

chega um fax e manda bem ligeiro

que ela mexa com outro personagem…

Se o Congresso descobre sacanagem

e promete depressa investigar,

muita gente começa a encomendar

uma pizza gigante pro salão…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

3.

Mesmo quando um ladrão endinheirado

por acaso pernoita na cadeia

ele tem boa cama e boa ceia

numa cela com ar refrigerado.

Sendo o caso de ser um magistrado,

tem direito a TV e frigobar;

tem cozinha francesa no jantar

e cobertas de seda no colchão…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

4.

Outro caso na história brasileira

é o juiz conhecido por Lalau

que roubou cem milhões dum tribunal

e escondeu do outro lado da fronteira.

O juiz vai em cana terça-feira

e na sexta já mandam libertar;

não tem homem que faça ele passar

sete dias seguidos na prisão…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

5.

No Brasil tem indústria madeireira

derrubando floresta em todo Estado,

e às vezes vem um advogado

traz a lei, e interrompe essa sujeira.

Mas aí um ricaço abre a carteira

compra a peso de ouro a liminar,

e na mata se volta a escutar

motosserra, machado e caminhão…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

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corrupção, José Roberto Arruda, martelo agalopado, política brasileira, trupizupe
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Pequenos crimes

Clotilde Tavares | 20 de outubro de 2009

Segundo a Wikipedia, a contravenção é “uma infração penal, designada de crime menor, punida com pena de prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou cumuladamente.” E, continua dizendo que parace não haver diferença entre crime e contravenção, “pois o mesmo fato pode ser considerado crime ou contravenção pelo legislador, de acordo com a necessidade da prevenção social”.

Fazendo uma analogia com as drogas, quando se diz que as chamadas “drogas leves”, como a maconha, podem servir de porta de entrada para drogas mais perigosas, como a cocaína e o crack, eu também posso pensar que a contravenção, que é um crime leve, pode servir de porta de entrada para o crime maior, o crime grande. O camarada se acostuma a viver muito próximo do ilegal até que vai se acostumando e termina por cometer um delito de verdade.

E é fácil detectar esses pequenos crimes no dia-a-dia. Um cara passa sossegado com uma gaiola na mão. Dentro, um pássaro. Será que ele tem licença do Ibama para possuir aquele passarinho? E o outro que conserta, por exemplo, geladeiras e fogões e usa a calçada da casa como oficina de trabalho, de onde se espalha o cheiro dos produtos químicos e da tinta utilizada? Além disso, trabalha sem máscara, sem camisa e descalço, prejudicando a própria saúde e pondo em risco sua vida.

Pelo leito inclinado da rua, desce uma grande grande quantidade de água. Não está chovendo. É um morador da parte alta da rua trocando a água da piscina! A água que ele não quer mais, despeja na rua e ela desce em corredeiras porque o novo rico construiu a piscina mas esqueceu de providenciar uma forma adequada de esvaziá-la.

No corredor do prédio de apartamentos, a mãe manda o garotinho de cinco anos jogar bola com a empregada, por certo quando o guri está insuportável dentro de casa. É como se dissesse: vai ser insuportável no corredor, e aproveita e incomoda os vizinhos. E a madame entra com o cachorrinho poodle no restaurante e dá pedacinhos de comida na boca do bicho, como se ele fosse gente.

E assim caminha a Humanidade, de crime em crime, sem nem saber que é crime porque não tiveram educação em casa, porque as escolas são frágeis, porque as políticas que deviam cuidar disso são frágeis, porque não há como fiscalizar, porque não há como reclamar, porque o dinheiro que devia ser utilizado para dar sustentabilidade às políticas de prevenção some depressa no sorvedouro da corrupção, esta sim, um crime grande, mas que começa e se origina nos pequenos crimes de todo dia.

Contravenção é uma infração penal, designada de crime menor, punida com pena de prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou cumuladamente.

Não existe na realidade uma diferença substancial entre crime e contravenção penal, pois o mesmo fato pode ser considerado crime ou contravenção pelo legislador, de acordo com a necessidade da prevenção social. Ex: no Brasil, o porte ilegal de armas já foi considerado contravenção penal, com o advento do estatuto do desarmamento hoje é considerado crime.

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codigo penal, contravenção, contravenção penal, corrupção, crime
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