Um mundo sem plástico
Clotilde Tavares | 27 de agosto de 2009Nesses últimos dias, onde a mudança de apartamento tem transformado minha vida e meu juízo numa amostra do caos, tem horas em que a gente não consegue encontrar as coisas simples di dia-a-dia, soterradas no meio da bagunça. Foi assim que hoje, depois que fiz um sanduíche, vi que não havia guardanapo de papel. Remexendo nas coisas ainda desarrumadas encontrei guardanapos de tecido, que uso raramente; passei um deles em volta do pão e quando ia começar a comer senti aquela sensação de estranhamento, de coisa suja, anti-higiênica.
Isso me deu o que pensar, uma vez que durante toda a minha infância e parte da adolescência era assim que eu levava o lanche para a escola: um pão com alguma coisa dentro, que podia ser um ovo frito, um naco de goiabada, uma fatia de queijo de coalho ou simplesmente a boa e velha manteiga, tudo isso embrulhado em um guardanapo de pano. É que nessa época, meu caro leitor de menos de cinqüenta anos de idade, não havia guardanapos de papel. Mais espantoso ainda: não havia plástico. Faça agora um pequeno exercício de imaginação para visualizar como era esse mundo, com era essa vida sem plástico.
As embalagens, todas elas, eram de papel, de cartão ou de cartolina; usava-se ainda o bom e velho vidro e as latas de metal. Não havia caixinhas de suco ou de leite longa vida, nem garrafinhas brancas de iogurte e muito menos bandejas de isopor recobertas com filme plástico. Mais espantoso ainda: não havia supermercados. Comprava-se alimento na feira, no açougue ou na mercearia da esquina, de onde as verduras, o feijão e o arroz, a carne, os ovos e o pão vinham embrulhados em papel, que ficava amontoado em folhas de cerca de 60 por 80 cm em cima do balcão, com um peso em cima. O bodegueiro colocava o papel aberto no balcão, e ali colocava o arroz ou o feijão. Depois, habilmente, torcia o papel entre o dedo polegar e o indicador, fazendo uma espécie de dobradura que atuava como uma verdadeira costura sobre o papel, ensacando perfeitamente o alimento. O leite era entregue na porta de casa, e vinha em latões sobre uma carroça puxada por burro. Ou então ia-se buscar o leite em algum curral perto de casa, já que não havia proibição para esse tipo de atividade na zona urbana. Pasteurização era algo desconhecido.
As galinhas chegavam vivas e estressadas da feira, atadas pelos pés e penduradas de cabeça para baixo nas bordas do balaio com as compras, equilibrado sobre a cabeça do balaieiro; ao chegar em casa, eram colocadas no quintal para engordar um pouco e sossegarem antes de serem mortas com um golpe certeiro no pescoço para aparar o sangue que, colocado no vinagre para não talhar, transformava-se pelos milagres da alquimia culinária na deliciosa cabidela. Nesses tempos sem plástico também não havia sabão em pó, amaciante, papel higiênico com perfume de baunilha, nem detergente para a pia. Não se conhecia maionese, nem iogurte com mil sabores, nem margarina. Como dizia o escritor Rubem Braga, nesse tempo todo telefone era preto e todo refrigerador era branco.
Divirto-me em levar meus filhos e netos a imaginarem um mundo sem plástico, sem isopor, sem supermercados ou shopping centers, sem TV a cabo e sem computador e sinto que é como se eu estivesse falando a eles de um outro planeta, de estranhos alienígenas que comiam pão com doce no lanche da escola e matavam as galinhas na cozinha da casa aparando o sangue para fazer cabidela. Um tempo que já se foi e que não volta mais, porque a vida agora é outra e a tecnologia que trouxe o plástico e o isopor trouxe também os antibióticos, as substâncias que prolongam a vida e promovem a saúde. A tecnologia trouxe também algo que considero ser uma das coisas mais importantes desses últimos tempos: as possibilidades cada vez mais reais e eficazes de comunicação entre as pessoas, superando diferenças, exercitando a tolerância e praticando a boa vontade. Admirável mundo novo, é esse, e estou feliz por estar vivendo nele.