O contexto
Clotilde Tavares | 2 de janeiro de 2015No meio de uma palestra sobre teatro, levanta-se um camarada da plateia e me diz:
“Posso fazer uma pergunta impertinente?”
E eu:
“Não existem perguntas impertinentes; existem pessoas impertinentes. Mas vá em frente.”
E ele, depois das risadas da plateia, tasca:
“É verdade que na semana passada, depois que a senhora assistiu a peça Fulana-de-Tal, saiu do teatro dizendo que nunca mais ia voltar a ver uma peça na cidade?”
“É sim”, respondo, tranquilamente. “É verdade. Saí do teatro aborrecida, porque o espetáculo não me agradou e a cadeira era dura, minhas costas doíam. A afirmação foi um desabafo que fiz para quem estava na minha companhia e que você deve ter ouvido, ou alguém lhe contou, obviamente sem conhecimento do contexto.”
O contexto, minha gente. Não podemos esquecer o contexto – a peça sofrível, a dor nas costas, a cadeira dura.
Para demonstrar, pergunto à plateia, incluindo o meu interlocutor impertinente:
“Alguém sabe o que quer dizer a frase ‘Ainda teremos Paris’?”
Ninguém sabia. Para saber, é preciso assistir ao filme Casablanca, a obra prima de Michael Curtiz.
Em tempo: dois dias depois da fatídica frase lá estava eu no teatro de novo, assistindo outra peça. É como beijar de novo a boca que você prometeu esquecer.
Quem nunca?