Você precisa realmente disso?
Clotilde Tavares | 7 de novembro de 2009Há uma história que não sei se é verdadeira mas isso não importa, pois ela é perfeita para demonstrar o que quero dizer. Conta-se que na corrida espacial, com americanos e russos disputando para ver quem chegava primeiro à Lua, as canetas comuns se mostraram inadequadas para o uso na gravidade zero. Os americanos, então, gastaram alguns milhões de dólares na pesquisa da caneta ideal; os russos usaram um lápis.
Isso e o exemplo clássico do foco no problema ou foco na solução. É grande o número de ocasiões no dia-a-dia em que nos desviamos da solução e usamos ou adquirimos, muitas vezes a custo alto, equipamentos ou metodologias inadequadas ou complexas para resolver coisas que admitem soluções mais simples.
Este tema foi disscutido ontem no blog da Bia Kunze, a Garota Sem Fio. Bia Kunze é uma figura muito interessante: dentista especializada em home-care, ela também testa equipamentos de tecnologia móvel para empresas, escreve sobre esse tema em jornais e na Internet, tem um excelente blog e faz animada participação no Twitter além de manter duas casas em capitais diferentes (isso eu não entendi direito, mas deixa pra lá.)
Bia Kunze ajuda profissionais a escolher aparelhos, softwares e serviços, e auxilia as pessoas a tirar o maior proveito possível dos seus equipamentos. O que ela nota, no dia-a-dia como consultora, é que muitas vezes os clientes investem altas somas em aparelhos cheios de funções dos quais somente usam umas poucas, e que os problemas deles poderiam ser resolvidos de forma mais simples e barata.
Eu sou apaixonada por gadgets. Em 1975 eu já tinha uma calculadora eletrônica minúscula, e os colegas de faculdade me perguntavam, “para que eu queria aquilo”. Fui a primeira pessoa em Natal a ter uma agenda eletrônica, um modelo da Casio com sua espetacular memória de 32 Kb; quando eu a tirava da bolsa, as pessoas se amontoavam à minha volta para olhar a engenhoca, do jeito que alguns anos depois iam à minha casa para ver a placa de captura de TV que instalei no computador para ver minha novela num cantinho da tela enquanto digitava no Word.
Aí, eu notei que as coisas estavam se complicando quando começaram a aparecer os controles remotos com 101 teclas das quais a gente só usava umas cinco ou seis; os fornos de microondas de progamação complexa, cheios de recursos, que terminavam sendo usados apenas para esquentar o prato feito e a água para o cafezinho – como até hoje ainda fazemos. Os players de VHS e depois de DVD eram cheios de botões que não sabíamos para que serviam.
Esses aparelhos já estão vindo em um formato mais simplificado, talvez pelo aumento do acesso das chamadas classes C e D a esses produtos; mas no campo de outros gadgets, principalmente no que se refere à comunicação móvel, a praga dos dos mega-recursos para resolver miniproblemas continua com a corda toda. (Tem hífen? Não tem hífen? Eu nunca sei!)
Eu continuo gostando de gadgets, mas só compro aqueles que realmente utilizo. Tenho vassoura elétrica, ando com minibinóculo dentro da bolsa, tenho uma microlâmpada que prende no livro para ler à noite, sou viciada em bobagem nerd. Quando surgiu o iPhone, fiquei doidinha por um. Como não compro por impulso, comecei a me perguntar se eu realmente precisava dele. E cheguei à conclusão de que poderia viver muito bem sem a engenhoca.
Ora, minha gente! Sou uma escritora e trabalho em casa. Não tenho horários a cumprir, clientes a atender, compromissos agendados nem alunos a orientar (não mais, graças a Deus!), desde que me aposentei como professora da UFRN. Então para que danado eu quero um smartphone? Só porque todos os meus amigos têm, embora a maioria o use basicamente para telefonar e tirar fotos dos netos? Meu aparelho Nokia-Modelo-Simples recebe e faz todas as ligações que preciso, e que são poucas. E os meus netos todo mundo sabe que são lindos…
Aí, depois de namorar muito com um iPhone, e como a minha grana não nasce nas árvores, resolvi, em vez dele, comprar um leitor de e-books. Já li uma porção de artigos sobre essa maravilha tecnológica e estou muito inclinada a a adquirir o modelo da Sony. Para a leitora inveterada que eu sou, o gadget vai me permitir um sonho: andar por aí com centenas, talvez milhares de livros e lê-los em qualquer lugar onde estiver. Para mim, não me importa se os livros têm como suporte os átomos ou os bytes. Em qualquer formato, a essência mesma da Literatura que é o diálogo entre o leitor e o escritor, mantém-se preservado e vivo, para deleite de quem gosta de ler, na tela ou no papel.