Leitura de meninas e moças
Clotilde Tavares | 2 de julho de 2009Eu estava – estou – escrevendo minhas memórias e de repente cheguei ao assunto das leituras que eu tinha no internato, onde fiquei dos meus oito a dez anos de idade. Depois, quando voltei para casa dos meus pais lia de tudo, mas durante o tempo em que fiquei interna aprendi que havia uma leitura própria para meninas e para moças. Lembro também que a leitura das meninas de hoje não me lembra de jeito nenhum aquela das meninas de 50 anos atrás. Eu fui uma dessas meninas, e os livros que eram sucesso no meu tempo faziam parte da famosa Coleção Menina e Moça, que era a leitura recomendada para jovens, entre os dez e os dezoito anos.
A coleção Menina e Moça era composta de romances açucarados, escritos originalmente em francês por diversos autores e traduzidos para o português. Tinham cerca de duzentas páginas, capas coloridas e títulos como “A Glória da Família”, “A Pequena Detetive”, A Afilhada das Abelhas”, “Flor de Nobreza”, e outros do mesmo tipo.
Editados a partir dos anos 1940 pela Editora Jose Olympio, o catálogo da editora dizia serem “todos os títulos dignos de estar em todas as mãos: 1- por seu fundo moral e instrutivo, 2- seu excelente acabamento gráfico, 3- suas qualidades literárias, 4- suas traduções vivas e corretas.”
Outro trecho do catálogo diz que a coleção “… é constituída por pequenos romances que encantam e prendem pelo enredo, oferecendo ao mesmo tempo às suas leitoras oportuna advertência moral e ricos ensinamentos pelo que encerram de observações sobre a vida e a humanidade. São romances atraentes em que palpita a alma simples e sonhadora da juventude, envolta nas ciladas a que vive exposta a criatura humana desde o alvorecer da existência.”
Tudo isso faz parte de uma época que não existe mais, onde a educação da mulher, além de ser diferente da do homem (para os meninos havia “O Tesouro da Juventude”) exaltava conteúdos e virtudes que incluíam a submissão, o gosto pelo casamento e pelo lar, o papel da mulher como guardiã dos valores morais da sociedade e como sendo “a reserva moral da família”, o que parecia querer dizer que o homem podia aprontar à vontade uma vez que a mulher estava ali, para suprir de bons valores a sociedade inteira.
Felizmente para mim, se essa leitura era estimulada no colégio de freiras, em casa a leitura era livre e escolhida por mim mesma. As meninas de hoje lêem histórias de Gossip Girl, que tratam de fofocas e de meninas de caráter péssimo e reprovável; ou os livros de vampiro que agora fazem sucesso novamente.
Aos doze anos em 1960, eu lia em casa coisa bem mais perigosa: Nelson Rodrigues, Zé Lins, a poesia de Vinicius de Morais, a “Lolita” de Vladimir Nabokov; aos 14 anos fui apresentada a Henry Miller.
Nada mau para uma leitora iniciante, não é, meu caro leitor?