Decifro e devoro
Clotilde Tavares | 17 de janeiro de 2015Você fala e eu decifro. O que você não quer dizer, e não diz com palavras, diz com o gesto, com o olhar que foge do meu, com os dedos que pegam e soltam os objetos, com a ponta do pé que desenha círculos no ar. Você fala e pausa, e hesita, e omite – mas eu sei. A sua sobrancelha que se ergue um milímetro me diz o que quero saber, e quando você entreabre a boca e toca o lábio superior com a ponta da língua é como se escrevesse uma carta, um bilhete, demonstrando suas intenções. Falou sem respirar? Ou respirou antes de falar? A respiração foi longa ou curta? Onde estava o olhar, enquanto respirava? Qual a parte do corpo que você me mostra sem querer enquanto fala? Apalpa a nuca me mostrando o cotovelo? Ou abre os braços me mostrando a palma da mão? Adianta o ombro direito ao falar? Ah, esfinge, eu te decifro inteira e depois, saciada, também te devoro.