Galo cantou, às 4 da manhã…
Clotilde Tavares | 8 de fevereiro de 2010“À meia-noite acorda um francês
Sabe da hora e não sabe dos mês
Tem esporas e não é cavaleiro
Tem uma serra e não é carpinteiro.
Cava no chão e não acha dinheiro.
O que é o que é?”
Quando eu era menina, Mamãe me perguntava essa adivinha, que ela trazia entre as milhares de coisas que tinha decoradas. A gente logo respondia: é o galo!
Com presença forte ao longo de todo o folclore, tanto brasileiro quanto mundial, o “Francês” da adivinha é um animal emblemático, que “chama o dia e afugenta a noite” com seu canto em horas certas.
Em Hamlet, logo no primeiro ato, Shakespeare o chama de “trombeta da manhã”, na fala de Horácio:
“…Ouvi dizer que o galo, essa trombeta da manhã, com sua voz vibrante e clara desperta o dia, e que a esse aviso, os espíritos errantes, onde quer que estejam, retornam aos seus refúgios…”
E em Macbeth é usado como marcador do tempo na voz do porteiro:
“… Estivemos bebendo até o primeiro cantar do galo…”
Antes que o galo cantasse, Pedro negou três vezes a Cristo; e no jogo do bicho é o número 13, sendo por isso mascote do Treze Futebol Clube, de Campina Grande, um dos meus times do coração, cognominado “O Galo da Borborema”.
Uma história curiosíssima de um galo que seria preparado para o almoço de domingo já foi contada no meu livro Coração Parahybano, na crônica “A minha Noruega”, na página 113; e em Natal, onde moro, ele é considerado um símbolo da cidade, encimando orgulhosamente as torres das igrejas.
João Cabral de Melo Neto, no poema Tecendo a Manhã, o define:
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
Mas essa qualidade de tecer a manhã antes que a manhã real surja muitas vezes incomoda quem quer dormir e não consegue.
Tenho um amigo que mora numa casa onde o quarto dele é no primeiro andar. A janela dá para um pequeno – muito pequeno – quintal de um vizinho.
Aí, o vizinho foi e comprou um galo. Toda santa madrugada o animal começava a cantar, e o barulho ecoava no pequeno e apertado espaço entre as casas.
Então o meu amigo pegou sua vara de pescar, amarrou um peso na ponta, colocou a vara pela janela em direção da biqueira de zinco da casa do vizinho e, toda vez que o animal cantava, ele com a vara, batia na biqueira: dém, dém, dém.
O galo cantava, ele batia. Cocoricó, dém, dém, dém.
Depois de duas noites de dém, dém, dém o vizinho sumiu com a ave para outro galinheiro, onde foi tecer a manhã bem longe de ouvidos humanos precisados de repouso…