O PAVÃO MISTERIOSO: quem é o autor do romance?
Clotilde Tavares | 30 de julho de 2014Por conta dessa minha paixão pelo folheto de cordel “O Pavão Misterioso”, sempre tem gente me perguntando isso ou aquilo sobre essa obra. E é uma peça literária tão rica e variada que qualquer dia desse reúno tudo que já escrevi ou pensei a respeito do “Pavão…” e escrevo um livro somente sobre ele.
Um dos aspectos sobre o qual mais me perguntam é a questão da autoria. Uns dizem que o autor do folheto é João Melquíades Ferreira, enquanto outros sustentam que a autoria pertence a José Camelo de Melo Rezende.
No excelente livro “Memória das Vozes: cantoria, romanceiro & cordel” (Salvador, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2006), na página 68 e seguintes, Idelette Muzart-Fonseca dos Santos nos conta a história dessa controvérsia.
Ela relata que nos anos 1920, José Camelo era cantador de viola pelo interior da Paraíba mas, não sendo bom improvisador, preferia compor romances em versos e cantá-los. Foi assim que compôs a história do Pavão, que cantava por onde ia, em dupla com seu parceiro Romano Elias. Em 1927 Camelo se envolveu com um crime, e teve que passar um tempo no Rio Grande do Norte. Enquanto ele estava sumido, saiu uma edição do folheto tendo como autor o poeta João Melquíades Ferreira.
Quando José Camelo voltou à Paraíba, publicou o romance por sua conta, incluindo no início uma nota acusatória a João Melquíades que aqui transcrevo.
Quem quiser ficar ciente
da história do pavão
leia agora este romance
com calma e muita atenção
que verá que essa história
é minha e de outro não.
Há muitos anos versei
essa história e muitos dias
fiz uso dela sozinho
em diversas cantorias
depois dei a cópia dela
ao cantor Romano Elias.
O cantor Romano Elias
mostrou-a a um camarada
– a João Melquíade Ferreira
e este fez-me a cilada
de publicá-la porém
está toda adulterada.
E como muitas pessoas
enganadas tem comprado
a diversos vendelhões
o romance plagiado
resolvi leva-lo ao prelo
para causar mais agrado.
Portanto eu vou começar
a história verdadeira
na estrofe imediata
e no fim ninguém não queira
dizer que ela é produção
de João Melquíade Ferreira.
E aí José Camelo segue com as estrofes do romance, que tem pouquíssimas diferenças daquelas publicadas por Melquíades. Infelizmente, apesar dos cantadores e poetas da época confirmarem a história de José Camelo, a retificação não surtiu muito efeito e, em várias obras que foram escritas depois sobre a literatura de cordel, o folheto é referido como sendo da autoria ora de Melquíades ora de José Camelo, como na “Antologia da Literatura de Cordel”, de Sebastião Nunes Batista, onde ele credita o folheto a ambos os poetas. Descendentes de Melquíades, com razão, ficam abespinhados quando, em algum artigo ou texto, se atribui a autoria a José Camelo.
Para mim, baseada em tudo que li e ouvi, aceito que “O Pavão Misterioso” é da autoria de José Camelo de Melo Rezende. Estou convencida tendo como base a argumentação de Idelette Muzart, que considero uma pesquisadora séria e competente. Além disso, desde jovem, sempre soube – não me perguntem como – que o Pavão era da autoria de José Camelo, vindo tomar conhecimento da controvérsia Camelo/Melquíades já adulta, quando comecei a ler, estudar e pesquisar o tema.
“O Pavão Misterioso” é uma história de eterno encantamento para os meus ouvidos. A literatura de cordel, apesar de escrita, é feita para ser lida em voz alta, e as estrofes dessa obra imortal continuam ecoando na minha mente, na voz de Mamãe, que lia para a gente ouvir sentada no batente da porta, nas noites da minha infância em Campina Grande.
Achei aqui a imagem que orna este post. Não consegui descobrir quem é o “Ari” da assinatura. Penso que é Arievaldo Viana, mas não tenho certeza. Se alguém souber, quem sabe o próprio “Ari”, é só entrar em contato que dou o crédito. Aliás, achei essa imagem tão bonita que imprimi e colei na capa de um dos meus cadernos.