Os maremotos da saudade
Clotilde Tavares | 6 de janeiro de 2018Último dia do ano e eu resolvi dar uma volta de carro pela minha cidade Natal. Quase sem sentir, fui na direção dos bairros de Tirol e Petrópolis, onde gastei praticamente dez anos da minha juventude, tendo o Hospital das Clínicas e a minha casa na Pinto Martins como pontos de referência. Estava tudo lá como no passado, e passei por ali sem ver os edifícios, nem as estruturas de vidro fumê, nem o que foi acrescentado depois. Vi Natal dos anos 1970, e me vi também, com meus 45 quilos de pura energia, subindo e descendo aquelas ruas, a pé, carregada com os pesados livros de Medicina, indo para a rua do Motor onde eu atendia as crianças no Centro de Recuperação Nutricional da UFRN, ou o Pronto Socorro do Hospital das Clínicas, a Maternidade-Escola, a Pediatria. Passei de carro hoje, devagar, pela avenida Getúlio Vargas e olhei o mar – igualzinho ao daquele tempo, as nuvens cheias, e o céu com uma Lua ainda tímida e desbotada, a me espiar lá de cima. E antes que os maremotos das saudade agitassem meus olhos com o sal das lágrimas, prudentemente tomei a Prudente de Morais e voltei ao abrigo uterino dest’A Bolha onde, na poltrona macia e entre séries e livros, pretendo esperar o Ano Novo.
Publicado no Facebook em 31 de dezembro de 2017.