O Clube Peripécia de Leitura Teatral para Não Atores
Clotilde Tavares | 4 de abril de 2021Todo mundo que me acompanha nas redes sociais sabe que eu tenho um Clube de Leitura, que criei e coordeno, existindo há três anos, praticamente sem interrupção, mesmo com a pandemia.
Pois bem: no primeiro ano de funcionamento, todo mundo já empolgado com a experiência de leitura e discussão coletiva, uma das pessoas me perguntou: – Clotilde, porque não lemos uma peça de teatro? E continuou: – Eu já tentei ler, queria ler, mas achei muito chato.
E é mesmo. As peças de teatro não são feitas para serem lidas, mas para serem representadas por atores em frente a uma plateia. O fenômeno teatral, além do texto, precisa de outros elementos para acontecer, como a cenografia, a sonoplastia e a interpretação dos atores. O texto é apenas mais um dos elementos da linguagem teatral.
Mas continuava o problema. Pessoas queriam ler peças. Como fazer?
Aí, em setembro de 2019, nós criamos o Clube Peripécia de Leitura Teatral Para Não Atores, que chamamos carinhosamente de “o Peripécia”.
Somos 11 pessoas, comigo 12. O número ideal de participantes, como a experiência nos mostrou depois de um ano de funcionamento, é entre 6 e 12. Menos de 6 fica muito restrito e sem animação. Mais de 12, dispersa. Somos pessoas de idades e formações diversas, e como regra principal temos: nada de atores ou pessoas ligadas ao teatro. Por que? Porque inibe os participantes, que ficam “acanhados” de ler teatro na presença de gente de teatro. No grupo temos professores de ensino médio e superior, advogados, cabeleireiros, aposentados, designers, comerciários.
E como funciona? Eu escolho uma peça e coordeno a leitura, que é feita “em círculo”, sem encarnar personagem, cada participante lendo sua fala, e o próximo leitor lendo a próxima fala. A leitura é simples, sem interpretação. O objetivo não é interpretar, porque sempre tem um que lê de forma mais expressiva do que o outro, inibindo quem é tímido ou desajeitado na leitura. O objetivo é o texto, é conhecer a obra. Não há plateia.
Tudo só funciona porque temos a incansável Eloiza Cirne, que organiza as reuniões, que começaram na casa dela e depois da pandemia passaram a ser virtuais, pelo zoom. Cabe a ela “juntar o povo” e cuidar do grupo de WhatsApp que mantém os membros informados das datas e horários. Na verdade, o Peripécia é dela, eu apenas escolho as peças e oriento a leitura.
Sempre nos reunimos nos domingos às 17 horas, primeiro presencialmente e agora pelo zoom. Nos adaptamos bem à nova plataforma e nos divertimos bastante. Quando a peça é grande, continuamos no domingo seguinte até terminar. Depois, damos um tempo de um ou dois domingos.
Já lemos:
Édipo Rei – Sófocles
A Mandrágora – Maquiavel
O Auto da Compadecida – Ariano Suassuna
O Tartufo – Molière
Hamlet – W. Shakespeare
A Farsa do Advogado Pathelin – Anônimo
O Moço que Casou com Mulher Braba – D. João Manoel
Aquele Que Diz Sim, Aquele Que Diz Não – Bertholt Brecht
A Cantora Careca – Ionesco
Romeu e Julieta – W. Shakespeare
O Pavão Misterioso – José Camelo de Melo Rezende
O grupo pediu para ler umas peças minhas, e eu fiquei toda feliz. Lemos Lamatown, O Dia em que Papai e Mamãe Fumaram Maconha e Os Contos de Fadas Politicamente Corretos.
Neste domingo, 4 de abril, vamos continuar a leitura do Sonho de Uma Noite de Verão, de W. Shakespeare, que começamos domingo passado.
Só resta dizer: saudemos Dionyso, e viva o Teatro. Evoé!
Começando pelas coisas primeiras
Clotilde Tavares | 1 de agosto de 2020Sobre o livro Poética, de Aristóteles.
Este é o primeiro parágrafo da Poética.
“Falemos da poesia – dela mesma e das suas espécies, da efetividade de cada uma delas, da composição que se deve dar aos mitos, se quisermos que o poema resulte perfeito, e, ainda, de quantos e quais os elementos de cada espécie e, semelhantemente, de tudo quanto pertence a esta indagação – começando, como é natural, pelas coisas primeiras.”
Vejam a simplicidade: se você eliminar o que tem entre os travessões, o que você vai ter?
“Falemos da poesia começando, como é natural, pelas coisas primeiras.”
Isso é o objetivo do livro, condensado em uma frase simples, com a beleza de “começar pelas coisas primeiras”, que dá todo o sentido à prática da compreensão de qualquer tema.
O que há entre os travessões pode ser enumerado em tópicos, que são os tópicos que ele vai desenvolver no trabalho. Quer ver?
“dela mesma e das suas espécies, da efetividade de cada uma delas, da composição que se deve dar aos mitos, se quisermos que o poema resulte perfeito, e, ainda, de quantos e quais os elementos de cada espécie e, semelhantemente, de tudo quanto pertence a esta indagação”
- dela mesma e
- das suas espécies,
- da efetividade de cada uma delas,
- da composição que se deve dar aos mitos, se quisermos que o poema resulte perfeito, e, ainda,
- de quantos e quais os elementos de cada espécie e, semelhantemente,
- de tudo quanto pertence a esta indagação
Então, a leitura fica fácil quando perdemos o medo de “não entender”. Só aqueles experientes entendem da primeira vez.
Sentiu alguma dificuldade? Leia em voz alta. As palavras adquirem sentido, forma, som e cor. Cuidado com a pontuação: vírgula é uma pausa curta e, depois dela, sempre vem mais alguma coisa. O ponto fecha a ideia.
Este texto se destina às pessoas que estão inscritos no Grupo Teatro Grego.
A TECEDEIRA
Clotilde Tavares | 26 de outubro de 2019Eu vivo carregando nos ombros a coerência do mundo. Calada. Sem dar um pio.
Tem hora que o peso é tão grande que eu acho que o mundo vai desabar.
Ninguém presta atenção em mim, sentada nesse lugar, tecendo, mas sou eu que garanto a fala de qualquer um aqui, mesmo o mais pequeno.
Sou em quem põe a mesa todo dia pro banquete dos sonhos.
E quando tu sai de casa, vê o semáforo? Sou eu que mantenho ele aceso, pra evitar os desatinos nas encruzilhadas.
Tem hora que a gente sente que tem uma coisa dentro da gente que tá à beira de desmoronar.
Mas é preciso segurar. Eu mesma não quero gritar e me desesperar no meio dos escombros, no meio das ruínas.
Não!
Minha tarefa é cuidar, cuidar, cuidar das receitas, dos cadernos, dos desenhos, dos esquemas. Essas coisas, elas têm um espírito, e sem esse espírito elas viram sombras.
Aí o que eu faço: cuido, pra que o Espírito não fuja das cidades, das arquiteturas, dos corpos, e vá morar em outros países.
Tu quer saber meu nome? Por que?
A primeira coisa que acontece quando a gente dá um nome a uma coisa é se separar dessa coisa. Tu quer se separar de mim? É, porque eu já tou aí dentro de tu.
Eu vermelha, tu branco, aquele preto, o outro amarelo, algum azul e aquela ali verde, gente de toda cor. E aqui todo mundo é índio, exceto quem não é.
Ah. Tu não acredita. Tu já sabe de tudo. Tu é um herói do teclado. Faz assim: vai lavar a louça, juntar a roupa suja e tirar o lixo. Depois tu vai pro teclado, vai jogar, ver a temporada nova, o episódio novo.
E te cuida, visse, pra não embarcar nessa onda de ódio. Odiar quem odeia? Sem pensar em que é que isso vai dar?
Não basta tu saber que eu tou aqui, tomando conta da felicidade? Que eu tou de olho nos assassinos que querem acabar com ela?
Tu não acredita na minha (tua) alma invencível?
Existe uma vida secreta, umas perguntas novas, uns desejos…
Presta atenção. Escuta.
Ontem eu subi num alto, senti o vento no rosto… Foi tão bom!
(Respira.)
Texto que performei no palco da Casa da Ribeira, em 1º de maio de 2019, escrito por mim, baseado no primeiro capítulo de “A Cultura no Plural”, de Michel de Certeau.
O contexto
Clotilde Tavares | 2 de janeiro de 2015No meio de uma palestra sobre teatro, levanta-se um camarada da plateia e me diz:
“Posso fazer uma pergunta impertinente?”
E eu:
“Não existem perguntas impertinentes; existem pessoas impertinentes. Mas vá em frente.”
E ele, depois das risadas da plateia, tasca:
“É verdade que na semana passada, depois que a senhora assistiu a peça Fulana-de-Tal, saiu do teatro dizendo que nunca mais ia voltar a ver uma peça na cidade?”
“É sim”, respondo, tranquilamente. “É verdade. Saí do teatro aborrecida, porque o espetáculo não me agradou e a cadeira era dura, minhas costas doíam. A afirmação foi um desabafo que fiz para quem estava na minha companhia e que você deve ter ouvido, ou alguém lhe contou, obviamente sem conhecimento do contexto.”
O contexto, minha gente. Não podemos esquecer o contexto – a peça sofrível, a dor nas costas, a cadeira dura.
Para demonstrar, pergunto à plateia, incluindo o meu interlocutor impertinente:
“Alguém sabe o que quer dizer a frase ‘Ainda teremos Paris’?”
Ninguém sabia. Para saber, é preciso assistir ao filme Casablanca, a obra prima de Michael Curtiz.
Em tempo: dois dias depois da fatídica frase lá estava eu no teatro de novo, assistindo outra peça. É como beijar de novo a boca que você prometeu esquecer.
Quem nunca?
O texto e o som
Clotilde Tavares | 26 de abril de 2010Eu estava navegando na internet e li uma notícia muito interessante. Richard Johnston, um estudante de pós graduação em Harvard e coordenador de um projeto sobre Shakespeare, recomenda a leitura e a audição ao mesmo tempo da peça Hamlet. É só fazer o download para o seu e-reader (o meu é o PRS-600 da Sony) do texto e do audio-book.
O e-reader permite a execução simultânea de ambos – som e texto – e deve ser interessante, pelo menos para mim, que estudo o texto do Hamlet há bastante tempo e nunca tinha tido essa idéia. E é claro que isso pode ser feito com muitas outras obras. Já existem audio-books disponíveis para download de muitas obras clássicas em português e é uma forma interessante de unir Literatura e tecnologia. Não precisa ter e-reader. O áudio, geralmente em MP3, pode ser ouvido enquanto se lê o livro de papel.
Penso que isso poderia ser utilizado para que os alunos pré-vestibulandos tivessem um acesso mais “suave” às obras que devem obrigatoriamente ler para o vestibular. Isso tem a ver comigo neste ano pois o meu livro A Botija foi indicado para o vestibular 2011 da Universidade Federal de Campina Grande, e já começam a chegar ao meu email pedidos para que eu “ajude” professores e alunos a “transformar” o livro em “peça-de-teatro”.
Entre os professores de colégios e cursinhos há uma tendência em se transformar os livros em peças de teatro para que os alunos “conheçam a história” e “mantenham o pique” nas aulas de Literatura. São coisas que a gente ouve comumente na TV, nas matérias dos telejornais, quando se aproxima a época das provas. Um dia desses vi um dos professores entrevistados sobre o tema dizer que dessa forma “os livros ganham vida”.
Ora, minha gente! Eu milito tanto no campo do Teatro como no campo da Literatura, e fico bem à vontade para falar sobre ambos. Os romances não são meras “histórias” e não é bastante saber “o que aconteceu”. Um romance é o estilo, é a forma de contar a história, de costurar o enredo, é o uso precioso da linguagem. Um romance pode ser adaptado para o teatro, mas o resultado não vai nunca ser o romance: vai ser uma outra obra, usando uma linguagem diferente, a linguagem da cena.
E desde quando os livros só “criam vida” se forem representados no palco? Os livros criam vida na tela da nossa mente, que se torna um palco interior, povoado pelas imagens evocadas por aquilo que lemos.
Parece que o problema está aí. Entendo a imaginação como a capacidade de criar imagens mentais, e penso também que essa capacidade anda um pouco atrofiada nas mentes dos espectadores em que nos transformamos todos. Nossa vida moderna depende sempre de um écran, de uma tela: televisão, computador, games, vídeos, mostrador de celular e os inúmeros monitores espalhados pelo ambiente urbano que nos dizem o que queremos ou precisamos saber.
Então, o cérebro se acostuma a receber essa imagem já pronta e perde a capacidade de formar suas próprias imagens a partir de mensagens escritas. Por isso, o prazer dos romances deixa de existir, e é preciso transformar esse romance em “imagem” (a peça de teatro) para que ele possa tornar-se “vivo”.
Um dia desses ouvi na livraria uma jovem dizendo a outra, que manuseava um romance: “Ver um filme, tudo bem, mas ler um livro desse inteirinho… Sem condição!” E eu concordo que realmente não há condição da criatura ler um livro de trezentas páginas se ela não consegue visualizar, imaginar, criar mentalmente cenas e personagens.
É uma pena, pois além dos jovens estarem perdendo essa capacidade com a omissão ou concordância do sistema de ensino, a imagem que as telas de todo tipo jogam na mente deles já vem pronta, acabada, carregada de um conteúdo que, muitas vezes, ele não pode nem sabe criticar.
Nesta semana uma simpática jovem me enviou um email, pedindo-me para “ajudar” o grupo de alunos a transformar o meu livro em peça, num Seminário de Literatura do qual iam participar. Aí eu perguntei se, como se tratava de um seminário de Literatura, por que queriam transformar um livro em teatro? Seria a mesma coisa que, num seminário de Teatro, em vez de apresentarem as peças, as transformassem em livros e dessem para a platéia ler!
E você? O que pensa disso tudo?
A preparação espiritual do ator
Clotilde Tavares | 25 de abril de 2010Hoje deixem-me falar sobre teatro. O teatro, arte onde milito há anos, ora como atriz, ora como dramaturga, ora com professora, é uma atividade absorvente e muitas vezes ingrata, principalmente quando perseguimos um resultado que pretende ser mais artístico do que comercial, quando buscamos mais a evolução estética da arte que praticamos do que uma gorda bilheteria e casas lotadas.
Por outro lado, como viver de teatro sem atender aos aspectos comerciais da arte? Como pagar o aluguel, a escola das crianças e a conta do supermercado sem vender ingressos? Artistas moram, comem, têm filhos, usam luz elétrica e água encanada. Parece óbvio, mas muita gente esquece disso e adora pedir uma cortesia para não pagar dez reais por um ingresso. Conciliar arte com mercado, eis o grande dilema de produtores, diretores e atores, que vivem tendo o palco como o centro pulsante e apaixonado de suas vidas.
Entre os vários problemas que o teatro nos coloca, está um, crucial nos dias de hoje, que é a formação do ator. O espaço aqui é pequeno para uma discussão dessas, mas é possível levantar alguns pontos. Sempre defendi, como pessoa de teatro, aquilo que chamo de preparação espiritual do ator.
Essa tal preparação “espiritual” não tem nada a ver com religião, mas com a elevação do espírito, do intelecto, das idéias, dessa parte imponderável do ser humano que extrapola as habilidades corporais desenvolvidas pelos exercícios, que hoje em dia são muitas vezes colocadas como os principais requisitos para o trabalho teatral. Essas técnicas são importantes mas ficam vazias e mecânicas se o ator não tiver esse desenvolvimento interno, do “espírito”, da sua essência enquanto ser humano.
Ler, pensar, trocar idéias, ver filmes, ver quadros, ouvir música, experimentar outros tipos de artes, experienciar a transcendência, a ampliação da consciência, praticar a felicidade, tocar um instrumento musical, observar a natureza e aprender com ela…
Mas tudo isso dá trabalho e a maioria dos jovens atores continua com um pé no palco e os olhos e o desejo na TV Globo, sem sequer ir ao cinema, quanto mais ler um livro! Aí fica aquela casca seca, dominando técnicas corporais, encostando o calcanhar na nuca, mas sem referências interiores para cumprir a tarefa do ator que é criar do nada, tendo como ponto de partida apenas as falas do texto, um personagem completo.
E é aí que reside a mágica desta arte. Criar um ser humano de verdade – de verdade enquanto a cena existe – dando-lhe alma, vida, energia, emoções, suor, sangue, lágrimas e risos! Quem poderia aspirar a uma tarefa mais empolgante do que esta? Um tarefa de deuses? E isso acontece todo dia no teatro, mas num teatro feito por pessoas que, além de músculos, ossos, tendões e ligamentos tenham também espírito, alma e essência.
Este post é dedicado aos participantes da oficina “Devorando Hamlet”, promovida pelo Núcleo dos Jovens Artistas, que ministrei de 19 a 23 deste, e que me afastou deste blog por uma semana. Comemoramos com esta oficina, como o faço anualmente, o aniversário de Mr. William Shakespeare.
Dia Mundial do Teatro
Clotilde Tavares | 27 de março de 2010E neste Dia Mundial do Teatro, juntando com as comemorações de primeiro aniversário deste blog, sugiro que revisite o post do ano passado, nesta mesma. data. Nele digo tudo que penso desta arte à qual estou unida de forma sempre apaixonada há mais de 50 anos, uma vez que pisei num palco pela primeira vez como atriz, com papel decorado e ensaiado, em 1959, em Campina Grande-PB.
Leia o post clicando aqui.
A divina Sarah
Clotilde Tavares | 27 de dezembro de 2009Para os fãs do teatro, o nome de Sarah Bernhardt sempre soa envolto em uma aura quase divina. Esta atriz foi um ídolo mundial na sua época, e encarnava aquele ideal de diva, de deusa, de femme fatale, de pessoa cujo talento ficava acima da linha da normalidade.
Nascida em Paris em 1844, dominou os palcos da Europa e logo em seguida sua fama ganhou o mundo. Além de atriz, foi cortesã famosa tendo aos seus pés desde intelectuais de renome até cabeças coroadas. Na época, o limite que separava as duas atividades quando se tratava de mulheres era bem tênue, e Sarah, sem querer a principio assumir o papel de mulher galante para o qual havia sido empurrada por sua mãe, terminou por encarná-lo e e seus amores e aventuras ficaram famosos, suas peripécias corriam o mundo.
Oscar Wilde escreveu Salomé para ela; teve casos com Gustave Doré, Georges Clarin, , os atores Jean Mounet Sully e Lou Tellegen, e com o escritor Victor Hugo. Teve ainda um caso com a pintora Louise Abbema.
Foi casada com o ator Aristides Damala; o casamento durou pouco em si durou pouco e conta-se que, ainda casada com ele, Sarah teria se envolvido com o Príncipe de Gales, que posteriormente veio a se tornar o rei Eduardo VII da Inglaterra.
Chamavam-na “A Divina Sarah”. Excursionou pelo mundo quase todo com suas peças de teatro; além de atriz cuidava da sua companhia de teatro com grande tino empresarial e fez fortuna com seu trabalho. Seu papel mais marcante foi o da peça A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas. Representou todo tipo de papel, incluindo Hamlet, de William Shakespeare.
Em 1905, encenava La Tosca no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Na cena final, ela se atirava do alto de um muro para a parte de trás do cenário, onde deveria cair em cima de colchões ali colocados. O contra-regra esqueceu de fazê-lo, e ela quebrou a perna, que não se recuperou, precisando ser amputada tempos depois. Mesmo assim, continuou representando, sentada em uma cadeira de rodas, aproveitando-se da sua presença magnética e da sua voz envolvente e cheia de nuances, que manteve-se incólume ao envelhecimento.
Em 1923, com quase 80 anos, estava rodando um filme quando desmaiou. Faleceu a 26 de março do mesmo ano, sob os cuidados do seu filho Maurice.
Um video do You Tube mostra a atriz em uma pequena cena; a interpretação é calcada no teatralismo, com largos gestos e gritos que nao se ouvem no video – o cinema ainda não tinha som.
Inventando histórias
Clotilde Tavares | 24 de outubro de 2009Trabalhando com teatro, uma das coisas que tenho que fazer de vez em quando é escrever textos que depois serão encenados por atores. Escrever é muito bom, é uma coisa que me dá muito prazer e quando se trata de uma tarefa específica como é o caso dessa as dificuldades que podem aparecer servem apenas como estímulo para tentar alcançar um resultado melhor.
Quando eu ainda ensinava teatro na UFRN muitas vezes inventava personagens a partir dos exercícios de trabalho de ator propostos aos alunos. E o engraçado é que esses personagens, criados pelos alunos/atores eram quase sempre reis, imperadores, sacerdotes, heróis, magos, princesas, governantes… Isso acontece, penso eu, porque projetamos nos personagens que criamos nosos sonhos, nossas expectativas, nossos desejos.
Uma coisa semelhante acontece no que se relaciona à chamada “terapia das vidas passadas”. Segundo alguns estudiosos, é possível acessar existências que já vivemos através de hipnose e outras técnicas. Eu não sei se isso é verdade ou não, e nem quero aqui discutir essa questão. O que quero dizer é, quando se trabalha com esse tipo de prática de uma forma que considero superficial, as pessoas sempre são, em vidas passadas, reis ou imperadores, nobres na corte francesa, sacerdotisas do templo de Ísis, guardiões do tesouro de Persépolis, altos dignatários, embaixadores, e por aí vai.
Aí eu pergunto: e as pessoas comuns? Nunca vi ninguém dizer que, numa vida passada, tenha sido servente de pedreiro ou lavrador. Nunca ouvi ninguém dizer que foi dona de casa ou uma simples costureira, apesar desse tipo de gente – as pessoas simples – representarem noventa e cinco por cento ou mais das pessoas existentes no mundo, em qualquer época que se considere.
Talvez se pense que a vida das pessoas comuns é destituída de atrativos, de aventura, de encanto, mas disso eu discordo. Eu, você, cada um de nós, por simples e comum que seja, tem suas histórias e aventuras para contar. Cada um de nós tem um repositório de histórias, emoções e vivências tão excitantes quanto a vida de qualquer rei, ou rainha. Concorda comigo?