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GERÚNDIOS

Clotilde Tavares | 21 de julho de 2024

ESTOU…

 

… BEBENDO o mar quando está salgado e o rio quando está doce.

… CONTANDO calorias e estrelas.

… COMENDO menos do que a fome pede e mais do que preciso para perder peso.

… ESCREVENDO pouco mas

… IMAGINANDO pra caramba.

… CAMINHANDO e cantando e seguindo a canção.

… LENDO o livro sobre história cultural do parto, da maravilhosa Simone Diniz.

… OUVINDO música revolucionário latino-americana.

… COMPRANDO objetos e utensílios de cozinha para mais uma experiência como dona-de-casa.

… PREPARANDO receitinhas no Air Fryer.

… SENTINDO que uma nova mudança em breve vai acontecer.

… ADIVINHANDO chuva.

… DORMINDO como criança.

… SONHANDO como adulta.

… ESQUECENDO de tudo minutos depois.

… ACOMPANHANDO o trajeto das nuvens e o rumor dos rios subterrâneos.

… PROCURANDO fatias do rio entre os edifícios que pontuam o horizonte.

… ACENDENDO velas para Santa Zoraide na tela do iPhone.

… ACREDITANDO em milagres, sempre.

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Comportamento, Cultura, Curiosidades, Humor, Pop-filosofia
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Gerúndios

ROMANCEIRO VIVO

Clotilde Tavares | 8 de julho de 2024

ROMANCEIRO VIVO: um podcast novo sobre coisas antigas.

As duas temporadas estão no ar, com acesso livre. Escolha onde quer ouvir. Curta, comente, compartilhe, e se inscreva no canal.

Onde: no Spotify e no Youtube.

Q

Como surgiu a ideia de um podcast sobre o romance ibérico tradicional cantado?

As pessoas sempre me perguntam como foi que eu comecei a me interessar pela cultura popular, pelo cordel, pelas histórias, pela poesia. Na verdade, eu nunca “me interessei”: fui criada junto com isso, com essas histórias, ditas decoradas ou lidas nos folhetos que Mamãe trazia da feira todo sábado, em Campina Grande, na Paraíba; ou embalada na rede por Titia, que cantava romances, que eram cantigas em verso com histórias de condes, barões e princesas; e tinha noites em que a velha Severina de João Congo, sentada no batente da porta da cozinha, dava vida a João Grilo, Pedro Malasarte, Juvenal e o Dragão, velhas histórias que a gente não se cansava de ouvir.

Na vida adulta, esse caldo cultural riquíssimo dentro do qual passei a infância terminou por me definir intelectual e artisticamente, e virou campo de estudo, de criação e de prazer. Passei a me dedicar aos temas da poesia popular, convivendo com pesquisadores e mestres que me orientaram e com artistas que me inspiraram. De gravador em punho, registrei poetas, violeiros, cordelistas, contadores de história e romanceiras.

No Departamento de Artes da UFRN, onde fui professora de algumas disciplinas, entre elas Folclore Brasileiro, apresentava tudo isso aos alunos e, no teatro, passei a incluir essa poesia viva nas minhas peças. Cantei romances e recitei cordel em aulas e em palestras incontáveis.

Por causa disso, as pessoas sempre ficam me pedindo que organize um curso com esses saberes. Decidi fazer esse “curso” em formato de podcast porque pensei: se há interesse, por que não difundir esse conhecimento de forma mais ampla, de uma forma que mais pessoas tenham acesso e não precisem pagar por isso?

Então estou aqui, com o podcast ROMANCEIRO VIVO, estreando sua segunda temporada, tendo a primeira entrado no ar em 19 de março de 2023. (No final deste texto deixo links para as temporadas e episódios.) Nele falo principalmente do romanceiro, da poesia tradicional, transmitida informalmente, na maioria das vezes de transmissão oral. Meu tema principal é o ROMANCE IBÉRICO TRADICIONAL CANTADO.

Mas o que é esse tal romance ibérico tradicional cantado, o objeto deste podcast?

São poemas musicados, de autoria anônima, que aparecerem no final da Idade Média, sobre diversos assuntos, desde as aventuras de cavaleiros e guerreiros, casos de amor da nobreza, lutas entre cristãos e mouros, histórias de aventuras marítimas, histórias de santos, e também histórias de gente comum, de amores e aventuras da gente do povo.

Os romances – os poemas cantados – geralmente são construídos em versos de sete sílabas, chamados de redondilha maior, e há inúmeras versões de cada um desses romances, cantados com melodias diferentes e também com finais diferentes. São transmitidos espontaneamente, de pessoa a pessoa. A linguagem é rápida, intensa, com ênfase nos acontecimentos, sem muitas descrições do ambiente. Os versos repetidos facilitam a compreensão e fixam a atenção do ouvinte.

Existem milhares de romances na memória popular em Portugal, Espanha, França e outros países, alguns copiados em documentos manuscritos ou preservados em folhas impressas raras e guardadas nas bibliotecas de universidades e mosteiros, mas repetidos e cantados até hoje, vivos na memória do povo, e que talvez você tenha ouvido também, em criança.

Eu quis trazer para você alguns deles, e usei um critério mais afetivo do que acadêmico pra essa escolha: escolhi os romances que gosto mais, que ouvi quando criança cantado pelas minhas tias e agregadas familiares, e depois mais adulta por Dona Militana e outras grandes romanceiras que tive a honra de conhecer. E quem é Dona Militana? Não se avexe. Lá na frente a gente vai saber.

O podcast é dirigido a quem tem curiosidade sobre o tema, mas sem grandes aprofundamentos teóricos – muito embora tudo seja embasado na teoria e na literatura produzida por estudiosos e pesquisadores, citados nas notas de cada episódio..

Como fiz esse podcast? Quem é a “minha” equipe?

Um podcast parte de uma ideia, que nasce na cabeça de alguém; há vários tipos de podcast: os de entrevista, os de humor, de reportagens, e aqueles que documentam algum assunto, como é o caso deste. Depois da ideia, vem a pesquisa, a elaboração do roteiro, a criação de vinhetas e do tema de abertura, e alguns podcasts, como este, têm o canto com acompanhamento musical. A narração do texto é geralmente feita em estúdio pra maior qualidade; depois de gravada, a primeira versão de cada episódio entra em modo de edição em programa de computador, onde são feitos os cortes, inclusões, e finalmente a mixagem e a masterização.

Depois, chega a hora de colocar os episódios nos tocadores de podcast, em um processo que pode ser mais ou menos laborioso. É preciso construir uma identidade visual, produzir o material visual e escrito da divulgação, como releases e posts para as redes sociais. E também escrever os textos que apresentam o trabalho, aqueles que você lê quando está zapeando nas redes procurando algo para ouvir. Além disso, no caso deste meu, também é preciso compor as notas do episódio, com esclarecimentos e bibliografia. É coisa!

Podacsts profissionais, no modelo desse meu, apresentam cerca de 10 a 20 pessoas envolvidas nessas tarefas: pesquisador, roteirista, narrador, técnico de som, editor, jornalista, compositor, instrumentista, artista visual, e outros. Ouça um podcast até o fim e veja quantas pessoas são mencionadas nessas fichas técnicas.

Infelizmente, não posso contar com isso. Este podcast é feito por três pessoas:

A primeira, Paulo de Oliveira, responsável pelo estúdio e por toda a parte técnica: captação de som, edição, mixagem e a masterização.

Paulo de Oliveira

A segunda pessoa é o multiartista e rabequeiro Caio Padilha, que executa o tema de abertura, as vinhetas e me acompanha no canto dos romances.

Caio Padilha

Finalmente, a terceira pessoa é esta que vos tecla, fazendo o resto, desde a ideia original, a pesquisa, o roteiro e a narração até as atividades que vêm depois que o episódio é produzido, para colocá-los nos tocadores e divulgá-los nas redes.

Nós três fazemos isso por amor, ou, como dizemos aqui “na guerrilha”, sem patrocínio, sem verba, sem financiamento e sem usar as leis ou fundos de cultura. A vontade de fazer é tão grande que não queremos esperar pelos prazos e pela burocracia. Nenhum de nós é remunerado Nosso único e precioso retorno é a sensação de estar contribuindo para registrar uma tradição que está prestes a se extinguir, e isso é tudo que precisamos para continuar nisso que eu gosto de chamar “a batalha da cultura”.

Mas esqueci de acrescentar um quarto nome: você, que me ouve! É graças a você que persistimos aqui, cumprindo nosso papel, disseminando a Poesia, a Beleza, a Cultura Tradicional e contribuindo para fortalecer os laços de união entre os produtores e fruidores de arte.

Vamos aos links!

Se você não viu a primeira temporada, eu recomendo fortemente que veja antes da segunda. Comece por onde quiser, mas o trabalho segue uma organização didática que facilita a compreensão do tema. No entanto, se você é aquela pessoa que gosta da aleatoriedade, veja na ordem em que quiser, porque aqui tem lugar para todo mundo.

PRIMEIRA TEMPORADA

EPISÓDIO 1 – CANTANDO ROMANCES 

Romance apresentado: “JULIANA E DOM JORGE”

No primeiro episódio eu falo de maneira geral sobre o que é esse tal de romance ibérico tradicional cantando. Porque ibérico, porque tradicional e porque cantado.

EPISÓDIO 2 – ROMANCE, CORDEL E CANTORIA

Romance apresentado: “RAINHA E CATIVA”

Detalho melhor as definições e faço diferenças entre o romance, o cordel e a cantoria de viola.

EPISÓDIO 3 – POESIA, POEMA, MÉTRICA E RIMA

Romance apresentado: “GERINELDO”

No terceiro episódio, falo sobre poesia, composição poética, métrica, rimas e estrofes  .

EPISÓDIO 4 – DE ONDE VÊM OS ROMANCES?

Romance apresentado: “SANTA IRIA”

No quarto episódio, o assunto é a origem dos romances, e as teorias a respeito. Também falo um pouco sobre as canções de gesta.

EPISÓDIO 5 – DONA MILITANA, A MAIOR ROMANCEIRA DO BRASIL

Romance apresentado: “BELA INFANTA”

No quinto apresento a você a maior romanceira do Brasil: Dona Militana, e falo sobre a transmissão oral e a comunicação poética.

EPISÓDIO 6 – POR QUE CHAMAM ISSO DE ROMANCE?

Romance apresentado: “FLOR DO DIA”

No episódio sexto, vemos o motivo de se denominar os poemas de romances, e conhecemos alguma coisa sobre a formação dos idiomas nacionais.

EPISÓDIO 7 – ASPECTOS DO MUNDO MEDIEVAL

Romance apresentado: “DONA BRANCA”

No sétimo episódio falo sobre a história da Península Ibérica, principalmente as guerras, as invasões e as relações entre Igreja e Estado.

EPISÓDIO 8 – A MULHER COMO PROTAGONISTA

Romance apresentado: “DONZELA GUERREIRA”

Finalmente, no oitavo episódio, fecho a temporada com um episódio sobre as mulheres, em homenagem a todas aquelas vozes anônimas que, ao longo dos séculos, carregaram essas histórias na memória e as repassaram, geração após geração. As romanceiras, como Dona Militana, incluindo também as da minha infância, e ainda as pesquisadoras e professoras como eu.

 

SEGUNDA TEMPORADA

EPISÓDIO 9 – A RELIGIOSIDADE POPULAR

Romance apresentado: “SANTO ANTÔNIO”

Apresento fatos sobre este santo medieval e português, cuja vida envolta em lenda deu origem a poemas e romances variados.

EPISODIO 10 – ANTONINO E O PAVÃO

Romance apresentado “ANTONINO”

O caso de um romance que não é medieval, mas que tem raízes profundas na infância de muita gente.

EPISODIO 11 – O CEGO SEDUTOR

Romance apresentado: ANINHA E O CEGO

Quem é este nobre, que disfarçado de cego tenta seduzir mocinhas indefesas? O romance “Aninha e o cego” traz essa história que nos revela acertos e tratativas para o casamento na Idade Média.

EPISODIO 12 – LA CONDESSA

Romance apresentado: LA CONDESSA

A difícil arte de casar as filhas nos tempos medievais, e alguns comentários sobre a brincadeira infantil e as cantigas de roda.

EPISÓDIO 13 – UM AMOR QUE VENCE A MORTE

Romamce apresentado: CONDE OLINOS

O eterno tema dos amantes perseguidos pela família, o que conduz à morte de ambos.

EPISÓDIO 14 – FEMINICÍDIO NO MEDIEVO

Romance apresentado: A BELA MAL CASADA

Mesmo inocente, a personagem dessa história triste é tratada cruelmente pelo marido impiedoso

EPISÓDIO 15 – A BELA NA MISSA

Romance apresentado: A BELA NA MISSA

Quem é esta mulher, que ao entrar na igreja perturba toda a celebração?

EPISÓDIO BÔNUS – TANTAS PERGUNTAS

Um episódio sem romance, para responder às perguntas do ouvinte.

EPISÓDIO 16 – A NAU CATARINETA

Romance apresentado: NAU CATARINETA

Sete anos e um dia vagando no imenso mar, calmo e terrível. Essa epopéia é um dos romances mais conhecido e encerra esta segunda temporada.


 

As duas temporadas estão no ar, com acesso livre.

Onde: Spotify, e no Youtube.

 

Escreva, comente, pontue, participe.

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Os meus endereços estão abaixo.

Clotilde Tavares, esta que vos tecla.

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Arte, Cultura
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cultura popular, folclore, idade media, medievo, poesia, romance cantado, romanceiro, romanceiro iberico

Estranhas iguarias

Clotilde Tavares | 3 de julho de 2024
Uma das mais doces recordações da minha infância – e quando uso a palavra doce peço que me entendam literalmente – era quando minha tia Adiza, que morava conosco em Campina Grande, fazia uma de suas viagens ao interior da qual sempre trazia, como raro e precioso troféu, uma ou duas latas de chouriço. Esta estranha iguaria, que é na verdade um doce feito com sangue de porco, açúcar, farinha e especiarias era considerado artigo de luxo entre nós, pela dificuldade em obtê-lo, e vinha acondicionado em latas de leite em pó, que ficavam na mais alta prateleira do armário. Nada, porém, era suficientemente inacessível para a nossa gulodice e, armados de uma colher de sopa, abríamos as latas e mergulhávamos a colher naquela substância negra e macia, ornada de castanhas, e roubávamos uma ou duas colheradas. Era o bastante, pois a mistura era forte e podia nos colocar com os intestinos desregulados se comêssemos muito, denunciando o atentado ao doce patrimônio de Mamãe e Titia.
Há um doce muito parecido com esse no universo culinário nordestino: é um doce de gergelim, chamado “espécie”, que conheci já na idade adulta por um amigo que, indo ao confins paraibanos, trouxe para mim a preciosidade, que tem a mesma aparência do chouriço mas difere em relação à base, ao ingrediente principal, que no chouriço, é o sangue de porco e, na “espécie”, é o gergelim. Além disso, o chouriço é mais compacto, mais consistente e a “espécie” mais cremosa, e de sabor mais suave.
Cascudo define um e outro. Segundo o Mestre, chouriço é o mesmo que “morcela”, nome comum em Portugal, e dá a receita, constante no seu Dicionário do Folclore Brasileiro: uma tigela de farinha de mandioca peneirada e outra tigela contendo os seguintes ingredientes: erva doce, pimenta do reino, gengibre, cravo, castanha de caju assada bem seca, gergelim, tudo pilado junto e passado na peneira. Faz-se o mel de rapadura, esfria-se e mistura-se em fogo brando com o sangue de porco, mexendo para não encaroçar. Depois de fervido, coa-se, junta-se a farinha e os temperos, leva-se novamente ao fogo e vai-se despejando lentamente a banha derretida de porco, em fogo alto, mexendo-se vigorosamente até despregar do tacho, coisa que deve acontecer depois de umas duas horas. Come-se frio, com farinha fina.
E as quantidades, perguntaria você, meu caro e exatíssimo leitor. De que tamanho é essa tigela? Quantas rapaduras se usa para fazer o mel? Qual a quantidade de sangue de porco, e como se deve obtê-lo? E eu sei? Quem sou eu para saber de coisas tão misteriosas? Receitas como essas, feitas “no olho” durante tantos séculos, passadas de mãe para filha desde os tempos em que se amarrava cachorro com linguiça, nunca trazem as quantidades e para realizá-las você vai usando o bom-senso, repetindo o preparo e testando as quantidades até encontrar a medida certa.
Então, para a sua satisfação, passo-lhe também a receita do doce de gergelim, a famosa “espécie”, uma das muitas que existem na Internet, dessa vez com as quantidades exatas e perfeitamente passíveis de reprodução.
Coloca-se um copo americano (chama-se “copo americano” aquele comum, de bar) de gergelim em uma panela e leva-se ao fogo para torrar. Quando estiver estalando retira-se do fogo e mexe-se até esfriar um pouco quando se deve misturar uma colher de sopa de cravo da Índia torrado e meio copo americano de castanha de caju assada e sem pele. Passa-se tudo no moinho ou no liquidificador, coloca-se numa panela, junta-se uma colher de sopa de manteiga e quatro copos americanos de mel de rapadura. Leva-se ao fogo, mexendo sempre até aparecer o fundo da panela. Enfeita-se com castanhas. Quem ensina a receita, acrescenta que o gergelim pode ser moído ou liquidificado. Para não “embolar”, deve-se colocar no liquidificador, uma porção de gergelim e igual quantidade de farinha de mandioca, pois a farinha “enxuga” o gergelim.
Quanto ao chouriço, há o doce e há o embutido, uma espécie de linguiça, que recebe o mesmo nome. Tratei aqui somente do doce e, se for procurar a receita na Internet, fique atento para não confundir um produto com outro.
No mais, é ter muito cuidado com essas preciosidades culinárias pois são hipercalóricas, desequilibrando sem remédio qualquer dieta de emagrecimento. E bom apetite.
Ah, e esqueci de dizer que quem tiver acesso e quiser me dar um ou outro de presente, eu aceitarei de bom grado e garanto que lhe serei eternamente agradecida pela doce oferenda.
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Comportamento, Cultura, Curiosidades, Memória
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Campina Grande, chouriço, culinária nordestina, culinária popular, doce de gergelim, doce de sangue, espécie, receita de doce

Adiza Santa Cruz Quirino, “Tia Adiza” (1916-1990)

Clotilde Tavares | 1 de julho de 2024

      

Os descendentes de Pedro Quirino Ferreira e Inez Santa Cruz Ferreira, todos eles, são devedores desta mulher, tia Adiza, ou simplesmente “Tia”, cuja dedicação à família foi a motivação mais importante da sua vida. Não houve filha mais dedicada, irmã mais compreensiva, cunhada mais prestimosa e tia mais generosa, boa, dadivosa, sempre gastando o que tinha e o que não tinha para ajudar qualquer um do seu sangue que estivesse em dificuldades. Por causa dessa dedicação sempre colocou em segundo plano sua vida pessoal e, depois de longo noivado, desistiu do casamento para se dedicar a quem precisava dela: irmãos e sobrinhos.

Numa época em que as mulheres só se realizavam através da maternidade e da dedicação aos maridos, Adiza trabalhou no comércio em escrituração contábil, tendo começado ainda na década de 1940 em Ottoni & Cia., em Campina Grande, e depois em uma firma de exportação de couro, Armando Lobo & Cia. A partir dali, quando a firma fechou, trabalhou com João Ferreira Torquato no escritório de contabilidade deste, até aposentar-se.

Morou com a irmã Cleuza (minha mãe) a partir de 1947 e a ajudou na criação dos filhos, mas sempre foi devotada a todos os sobrinhos. Era presbiteriana, mas nunca impôs a ninguém a sua crença, cantando os hinos com bela voz de soprano. Na cozinha mostrava seu talento na pamonha, na canjica, no puxa-puxa, nos bolos e doces, que só ela sabia como dar o ponto. Seu prazer era chegar em casa à noite, depois do trabalho, e deitar-se numa rede, embalando-se com os sobrinhos, enquanto cantava antigos romances; e quando ia balançar a rede para um deles dormir, inventava cantigas especiais para cada um, cantigas até hoje lembradas.

Sob a sua ficha genealógica tive que escrever “sem descendência”, pois não teve filhos. Mas aqui quero registrar toda a rica descendência de Amor com que, inesgotavelmente, nos nutriu a todos.

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adiza, Campina Grande, infancia, Memória, tia adiza

Como escolher um texto para encenar na escola?

Clotilde Tavares | 12 de julho de 2023
ANTES DE LER saiba que este texto foi escrito em 2008, quando não se sabia direito o que era linguagem inclusiva. Será reescrito em breve.

Durante toda a minha experiência como professora de teatro sempre fui procurada por alunos ou ex-alunos que, atuando como professores na rede pública ou particular de ensino, me pediam sugestões sobre que texto deveriam montar nas escolas, principalmente quando o diretor pedia claramente um texto sobre “drogas” ou sobre “gravidez na adolescência”, por exemplo. Uma pergunta precede essa discussão da escolha do texto:

– O que quero dizer com o teatro, com esta arte que pratico?

Os motivos que levam uma pessoa a ser professora de teatro são diferentes daqueles que levaram outra pessoa a ser professora de matemática, por exemplo.

Mesmo aquelas pessoas que são professoras de teatro “por acaso”, ou seja, porque o curso tinha mais vagas, ou porque terminou sendo a única opção, e nunca pararam para pensar nisso, durante o curso devem ter aprendido que a arte é um processo de comunicação, e é preciso obviamente ter algo a comunicar.

Então a pergunta que devemos estar diariamente nos fazendo é “o que quero dizer ao mundo?” como professor, como professor de arte, como artista, como cidadão e como ser humano.

Quais são os meus valores? Em que acredito? Por que estou metido no mundo do teatro? São perguntas que todo praticante da arte teatral precisa estar constantemente fazendo a si mesmo. E ao longo desta exposição expresso também meu pensamento sobre a arte teatral e sua função enquanto prática artística e estética, sobre a forma como eu a vejo, entendo e pratico, obviamente respeitando aqueles que a vêem, entendem e praticam de outra forma.

É preciso ter em mente que, da mesma forma que há muitos tipos de pessoas, diferentes umas das outras, e inseridas em contextos sociais diferentes, há muitos tipos de teatro. O teatro enquanto arte quase pura, de pesquisa da linguagem, onde brilham nomes como Peter Brook e Eugenio Barba, Antunes, Zé Celso, passando pelas comédias ligeiras com atores globais, os espetáculos para crianças sempre em cartaz nos teatros das cidades, os grupos universitários que pesquisam e criam tendências, os megaespetáculos como autos e celebrações comemorativas que agora estão disseminados por todas as cidades, até as representações dos pequenos circos do interior e o mamulengo, tão vivo nas mãos e falas dos nossos artistas populares.

Tudo isso é teatro, e cada um deles tem seu público, e cada um deles está inscrito em uma posição ao longo da extensa linha que liga a Arte e o Entretenimento, uns com mais arte, outros com mais entretenimento, mas todos igualmente válidos e possíveis.

Eu sempre trabalho mais na direção da Arte do que do entretenimento, mas nada me impede de trabalhar nesta última direção. Isso é bom, porque experimento de tudo e enriqueço minha prática.

Mas vamos voltar ao nosso tema principal, que é esse teatro que a direção da escola encomenda ao professor de arte. Quero relatar três casos reais.

O primeiro: o padre, diretor de um colégio católico, chama o professor de teatro para fazer “uma peça” sobre gravidez na adolescência, mas recomenda expressamente que a questão sexual não deve de jeito nenhum ser abordada de forma explícita.

O segundo: assistentes sociais escrevem e dirigem uma peça sobre alcoolismo no serviço de prevenção de um grande hospital. Na peça, o personagem chega bêbado às três horas da manhã, e esbraveja contra a esposa, quebrando as coisas dentro de casa; uma vizinha é assistente social, entra na casa do casal às três da manhã, e faz uma preleção sobre as consequências do abuso do álcool, enquanto os outros personagens – o alcoólatra e a esposa – escutam, atentos.

O terceiro: uma peça, representada por crianças, apresentada num festival escolar. As crianças, no papel de árvores, são derrubadas sumariamente por outra criança, no papel de machado. Uma das árvores se adianta para os proscênio e diz: “Vamos salvar a natureza!” As outras árvores dizem: “Vamos!”, e partem para cima do “machado” e o expulsam do palco. Depois, juntos, cantam uma canção.

Tudo isso é uma pequena amostra do que tem sido feito por aí em nome do teatro nas escolas ou nas instituições.

Peço que façam comigo uma pequena reflexão sobre esse tipo de peça que traz uma “mensagem”. Essas peças procuram responder a uma questão, que é “como podemos curar/evitar/prevenir/eliminar as drogas/alcoolismo/gravidez/na-adolescência/abuso-infantil/destruição-da-natureza/efeito-estufa?

Essas peças geralmente mostram uma situação que enfoca o problema e levam a pessoa que assiste a assumir uma atitude benevolente diante do problema, dizendo consigo mesmo: “Se eu estivesse nessa situação que estou vendo no palco, eu faria a escolha correta!” e quando há no palco o triunfo ou o fracasso do protagonista, o espectador diz, em tom superior: “Eu sabia que ele ia terminar assim!”

Na minha maneira de ver, essas peças, conduzidas desta forma são, em última análise, um processo de infantilização e manipulação do público. O autor/diretor se sente moralmente superior à plateia e – muito mais grave – permite que a plateia assuma uma superioridade moral para com as pessoas na peça que não aceitam os pontos de vista ali colocados como corretos.

Tal atitude afasta da atividade exatamente os alunos que estariam, digamos assim, em situação de risco, que seriam os alvos da ação educativa. Imagine comigo que você é um garoto de 13 anos, sedento de experiências, curioso de sexo e drogas. Obviamente não vai lhe interessar qualquer atividade que diga que você não pode ou não deve ter essas experiências.

As peças de mensagem, nesta análise, não atingem, por isso, os seus objetivos, pois contêm julgamentos e explicações, e quando você explica, ou julga, não está fazendo teatro. Está fazendo política, praticando a moral, ou divulgando a ciência. Mas não está fazendo teatro. Teatro é Arte, e Arte é feita de alegorias, simbologias, metáforas. Sem isso, é discurso, é proselitismo e – pior de tudo – é chato.

Essas peças são empobrecedoras do espírito, porque não dão opção à plateia. Nada resta ao público a não ser concordar com o castigo ou com a redenção do protagonista, contrariando um dos pressupostos básicos do teatro que é atingir a consciência, FAZENDO PENSAR.

Então, o que fazer para combater as drogas, a violência, a gravidez na adolescência, a destruição da natureza e todas essas questões que são importantes, que permeiam nosso cotidiano e a respeito das quais é fundamental que os jovens fiquem atentos?

Há muitas coisas que podem ser feitas, sem precisar envolver o teatro nisso. Vou citar algumas que me ocorreram aqui rapidamente, mas vocês provavelmente conseguirão imaginar muitas outras. Levem os meninos ao hospital psiquiátrico e à prisão, para que eles vejam onde vão parar os que se drogam. Levem-nos aos programas de apoio às mães adolescentes que há em toda a cidade, e deixem que eles escutem os depoimentos dessas mães e pais de 14 anos de idade. Levem-nos ao Pronto Socorro, para que vejam as vítimas da violência, gritando de dor, ou mortas na guerra das cidades.

E não precisam dizer nada, pois o que esses jovens vão ver, de verdade, na frente deles, é mais contundente do que qualquer peça de teatro. E ensinem aos meninos caridade e compaixão com os que sofrem e se drogam, e cometem crimes, porque eles também são humanos e não cabe a nenhum de nós julgá-los nem sentir-se superior a eles.

E o teatro? Se optarmos por não realizar a tal “peça de mensagem”, o que vamos montar com nossos alunos?

Na escola, vamos nos juntar e explorar com eles a grande aventura do espírito humano, os mistérios, os problemas da alma! Vamos esquecer as calamidades do cotidiano e vamos nos reunir em torno do amor, da paixão, da ambição, da amizade, do sacrifício, da fantasia – e da morte também pois ela faz parte da vida!

Eu acredito que o caminho para atingir o coração dos homens é confrontá-los com a sua própria humanidade, mas de forma poética, respeitosa e amorosa. É preciso trazer à tona o mistério, mas sem desvendá-lo. E o espectador tem que levar o mistério consigo e ir desvendando-o na sequência. Em vez do dedo em riste, em vez da lição de moral, da sentença educativa, da frase edificante, é melhor e mais honesto contar uma história…

– Mas eu não vou lidar com homens, dirá você, jovem professor de teatro, ou o diretor preocupado de uma escola da periferia. São apenas crianças, adolescentes, carentes, em situação de risco.

E eu lhe respondo:

– Não, não, não! São homens e mulheres, sim! Cidadãos como eu e você, seres humanos em toda a sua plenitude. Tratá-los de outra forma é infantilizá-los, manipulá-los, considerá-los seres inferiores, privados da capacidade de entender as coisas, como bem pouco tempo atrás se fazia com as mulheres!

Com esses homens e mulheres em formação, vamos fazer o melhor que podemos fazer com o teatro. Os clássicos, as histórias eternas da humanidade, e a memória cultural da nossa região.

Vamos montar Shakespeare, por que não? Não o texto integral, mas os enredos, as histórias: a história do amor proibido de Romeu e Julieta, da ambição de Macbeth, do sofrimento existencial de Hamlet, das incertezas do amor em Sonho de Uma Noite de Verão, e da esperteza em O mercador de Veneza, do ciúme de Otelo. Essas histórias são eternas e seus protagonistas não são reis ou príncipes, mas homens e mulheres iguais a qualquer um de nós.

Vamos montar outros clássicos, como suas histórias imortais: a avareza e cobiça, em O avarento e a hipocrisia, em O tartufo, de Moliére; a corrupção n’O Inspetor geral, de Gogol, a incapacidade do homem em fugir ao seu destino no Édipo Rei, de Sófocles, a incomunicabilidade entre as pessoas n’A Cantora Careca, de Ionesco. Vamos montar Brecht, cujo teatro intensamente poético abre espaço para a reflexão e a discussão através do mecanismo do distanciamento.

Vamos montar autores brasileiros, como Martins Pena, Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Dias Gomes, Millor Fernandes.

Vamos montar os autores nordestinos: Ariano Suassuna, Paulo Pontes, Altimar Pimentel, Braulio Tavares, Lourdes Ramalho, Racine Santos.

E se nada disso bastar, ou for suficiente, temos ainda o universo inesgotável do romanceiro popular nordestino, dos folhetos da literatura de cordel, com suas histórias imorredouras; O Pavão Misterioso, O Cachorro dos Mortos, A Louca do Jardim, Juvenal e o Dragão, ou A História do Marido que Trocou a Mulher por uma Televisão a Cores.

O que funciona como prevenção à droga, à violência, ao abuso, na escola, é o teatro não na sua temática, mas na função agregadora e coletiva do fazer teatral propriamente dito, dando noção de objetivo, organização do tempo, horários, disciplina, sentido de grupo, de construção coletiva, elevação da autoestima, liberação da fantasia. Tudo isso que o teatro proporciona deve ser mais vantajoso para o jovem do que a lição de moral proposta pela peça de mensagem.

O teatro, minha gente, na escola, ou seja onde for, não é para ensinar nada a ninguém. O teatro é para levantar o véu que separa o visível do invisível que há em todos nós. O teatro é para fazer sonhar, instigar, emocionar, comover, fazer com que nos aproximemos, cada um, da nossa própria humanidade.

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Este artigo foi escrito em 2008 e publicado no blog Teatro Vivo <http://teatrovivo.wordpress.com>
http://linktr.ee/ClotildeTavares
clotilde.sc.tavares@gmail.com
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Idade Média sem trevas

Clotilde Tavares | 11 de julho de 2023

Por que usamos os termos práticas medievais, prisões medievais, etc, em relação a coisas abomináveis, absurdas, atrasadas, reprováveis? Por que dizemos que a Idade Média é a “Idade das Trevas”? De onde saiu isso?

Quando estudamos, vemos que o medievo não é esse período obscuro e atrasado que habita nossa imaginação leiga, alimentada pela ficção cinematográfica e não por um conhecimento com base na ciência historiográfica. O que acontece é que visões negativas se cristalizaram e caíram no senso comum.

Então vejamos.

No século XVIII, surgiu na França o Iluminismo, movimento cultural baseado no racionalismo, feito pela elite intelectual europeia. Esse movimento tentou buscar um rompimento com a mentalidade medieval e acreditava na ideologia do progresso, na Razão, que iria iluminar as mentes das pessoas e expulsar as trevas da superstição e da ignorância que, no entender deles, vinha da Idade Média. Denominaram o século 18 como o Século das Luzes e passaram a chamar, por oposição, a Idade Média de Idade das Trevas. Hoje, essa denominação está sendo abandonada por ser considerada preconceituosa e sem fundamentação histórica.

Os estudiosos consideram que a passagem de uma idade a outra se dá através de uma continuidade, e não uma ruptura. Entre a Idade Média e a Idade Moderna, essa continuidade se deu através de processos lentos e graduais como o Renascimento, o Protestantismo, os Descobrimentos e a Centralização Política. Os elementos desses processos, concretizados na Idade Moderna, já estavam presentes no medievo.

Na Idade Média há o surgimento das corporações mercantis, das guildas de artesãos e comerciantes. Constroem-se de belas e suntuosas igrejas, e acontece também a reconstrução da ordem social a partir dos escombros do império romano. Os idiomas nacionais se consolidam, e surge a civilização ocidental cristã. Não houve trevas, mas a inauguração de um recomeço em uma Europa arrasada pela decadência. A própria democracia ocidental é muito mais de origem medieval do que grega, pois se baseia em esquemas contratuais e representativos nascidos nas monarquias feudais.

É ainda na Idade Média que surgem os governos representativos, o habeas corpus, os bancos, a contabilidade, a escrita musical, a imprensa e as universidades.

Também na Idade Média surgem os romances cantados, objeto do podcast ROMANCEIRO VIVO, em oito episódios, criado e narrado por esta locutora que vos tecla.

É só clicar aqui: https://youtube.com/playlist?list=PL2t2uTCTKKYEYQZVdREcvzctWuhy-Kta3

E a quem interessar possa, tem muito mais em FRANCO JUNIOR, Hilário. O Significado da Idade Média. In: A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo, Brasiliense, 1988, p 170-181.

**********

Este texto foi publicado originalmente no Facebook em 2 de março de 2023 <https://www.facebook.com/clotilde.tavares/>

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Dia Mundial do Trabalho

Clotilde Tavares | 11 de julho de 2023

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Alguns usos do livro

Clotilde Tavares | 11 de julho de 2023

Usos do livro? Como assim, pergunta você, meu razoável e esclarecido leitor. Livro é uma coisa que tem somente um uso, e que se resume à leitura do seu conteúdo. Você entende a importância da leitura, sabe que o livro é um veículo adequado à transmissão e à propagação do conhecimento; que é um objeto que tem muitas características, quanto a tamanho, aparência, número de páginas, e aos diferentes conteúdos, mas uso mesmo você não consegue imaginar outra coisa para fazer com o livro a não ser lê-lo, ou ignorá-lo, se for o caso em que o conteúdo não lhe desperte interesse. Nesse caso, coloca-se o livro em algum lugar e esquece-se dele.

Agora em abril contei os livros que tenho em casa. São cerca de 2.300, de todo tipo e gênero, e alguns eu tenho desde a minha mais antiga infância. Já tive mais, já tive mais de três mil, mas sempre estou doando. Pois bem: eu, que tenho livros em casa, vou lhe contar alguns usos deste objeto que você nem imagina, e que não têm nada a ver com o ato da leitura.

Quem tem TOC, mesmo na sua forma moderada, pode usar uma quantidade boa de livros para se distrair catalogando, colecionando, descobrindo formas de organizar o acervo. Organizar uma coleção de dois mil e tantos livros: supremo prazer. Isso requer toda uma operação prévia de planejamento, porque os métodos consagrados pela biblioteconomia jamais servem para os nossos próprios livros. A nossa forma não só é a melhor, como a mais funcional e produtiva, e a gente simplesmente não entende porque não é adotada ainda pelas grandes bibliotecas do país. E assim, começamos geralmente pelos critérios que iremos adotar para arrumá-los, como autor, estilo, ou gênero, clássicos ou contemporâneos, ensaio, poesia ou ficção, deixando juntos todos os de Cascudo, os de Borges, os de Suassuna, os de teatro – e agora, como fazer? O Auto da Compadecida fica junto com os de teatro ou com os de Suassuna? Devo comprar um segundo exemplar, para que nenhuma das categorias fique inferior à outra? E mergulhada nessas questões vejo passar a tarde, ou a noite, e a diversão é garantida.

Outro uso do livro é ocupar as mãos enquanto a cabeça precisa resolver um problema. Nesses casos, é preciso colocar uma mesinha auxiliar junto da estante, e ir tirando os livros da prateleira, com lentidão e carinho, um a um, folheando, revendo dedicatórias, procurando grifos antigos ou papeizinhos entre suas páginas, ou simplesmente tendo-os entre as mãos, distraída, como se alisasse o dorso de um gato ou brincasse com as orelhas de um cachorro. Os livros vão se amontoando sobre a mesa, a prateleira fica nua, pronta para o pano que vai tirar aquela poeira – e nada de pano úmido porque umidade não combina com livro. A cabeça, cercada pela afetuosa presença e manuseio dos livros queridos, fica relaxada, confortável, tranquila e de repente, voilá! Aparece a solução perfeita para aquilo que estava exigindo uma decisão, uma resposta, um encaminhamento.

Quando a leitora é jovem, os livros servem para assustar os namorados. Eu nunca compreendi porque aquelas criaturas cujos cérebros louros e bronzeados que só entendiam de marés e pranchas achavam que tinham que ler para poder namorar uma leitora. Entravam na minha casa e diziam: Mermão, vou ter que ler isso tudo? Era o comentário dos filhos de Poseidon, semideuses das ondas e dos ventos, ao se depararem com aquelas paredes cobertas de livros. Eu perguntava: Rapaz, eu vou ter que me equilibrar numa prancha e surfar? Claro que não, diziam. Aí eu encerrava: Então você não precisa ler tudo isso. Bora ali, bora conversar um assunto – e a gente ia brincar de Eduardo e Mônica.

Um dos meus usos preferidos para o livro é quando acordo de manhã e abro a porta do quarto para o resto do apartamento, cheio de livros, que passaram a noite ali, fechados, exalando e concentrando seu maravilhoso cheiro de madeira adocicada. Eu inspiro e encho o pulmão com o melhor perfume do mundo, odor de árvores antigas, de mel, de sementes doces, olhando aquelas lombadas amadas, berço de histórias lidas, relidas ou ainda não lidas, mas que já estão comigo, e que me cercam de doses de carinho e afeto cuja intensidade os humanos desconhecem.

Mas o melhor momento é quando paro a leitura porque um trecho me emocionou ou me fez refletir, e coloco o livro aberto sobre o peito, sincronizando meu coração com o dele. Desce sobre mim a calma dos abençoados, cerro devagar os olhos, e tenho a certeza de que, enquanto o mundo ferve lá fora, eles sempre estarão ali comigo e nunca, nunca, nunca irão embora, nunca me deixarão sozinha.

————-

***ALGUNS USOS DO LIVRO***
por Clotilde Tavares Publicado no dia 06/06/2023 no blog Típico Local <tipicolocal.com.br> e no Facebook

*A foto, feita na mesma data, mostra uma das minhas estantes.

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arrumar estantes, biblioteca, biblioteconomia, catalogação de livros, estante, leitura, livro, Memória

Imagine um hipopótamo

Clotilde Tavares | 11 de julho de 2023

Pablo Escobar, o traficante colombiano de quem a maioria conhece a história, era doido por animal selvagem e montou um zoológico particular na sua propriedade, mandando buscar no continente africano girafas, zebras, elefantes, dromedários, búfalos, cangurus, flamingos, avestruzes e outros.
Trouxe também hipopótamos. Alguns acabaram por fugir e ao que parece já são cerca de 120 animais, habitando em liberdade e causando desequilíbrio ecológico ao longo do rio Magdalena. Se você teclar no |Google <hipopótamos de Pablo Escobar> vc vai encontrar muitos artigos e repoetangens que dão detalhes do caso.

No Spotify, no link a seguir, você também encontra a canção “A Hipótese do Hipopótamo Tartamudo”, criação genial de Braulio Tavares, que merece uma “oitiva” atenta. De tanto acompanhar as CPIs incorporei o termo oitiva ao meu vocabulário corriqueiro. <https://open.spotify.com/track/52BBz1rxn3WtslVR8XYldp?si=Mr-WDs0ySQKKmuvI6xkD6w&context=spotify%3Asearch%3Abraulio%2Btavares%2Bhipopotamo>

Eu queria muito falar mais sobre esses animais espetaculares, pelos quais tenho fascinação e encanto; mas meus poucos leitores vivem reclamando dos meus longos textos (ah, vou publicar algo sobre isso em breve); por isso vou economizar para transcrever abaixo um texto poético sobre o portentoso bicho, pescado diretamente do Livro de Jó, Capítulo 40, versículos 15 a 23, na tradução publicada na Bíblia do Peregrino (Editora Paulus, 3ª. edição, 2011), tradução que recomendo a quem, como eu, lê este livro espetacular pelo seu valor histórico, poético e literário..

“… Olha o hipopótamo,
que eu criei como a ti;
come erva como as vacas.
Olha a força de suas ancas,
a potência do seu ventre musculoso
quando ergue sua cauda como um cedro,
trançando os tendões das coxas.
Seus ossos são tubos de bronze,
sua ossatura, barras de ferro.
É a obra prima de Deus,
só seu criador pode aproximar dele a espada.
Os montes lhe trazem tributo,
os animais selvagens brincam junto a ele;
ele se deita debaixo dos lótus,
e se esconde entre os juncos do pântano;
cobrem-no os lótus com sua sombra,
envolvem-no os salgueiros da torrentes.
Embora o rio desça bravo, não se assusta,
está tranquilo, ainda que o Jordão
espume contra seu focinho. …”

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O teatro orgyástico e antropofágico de Zé Celso.

Clotilde Tavares | 8 de julho de 2023
JOSE CELSO MARTINEZ CORREIA (1937 – eternidade)
Dyoniso, o deus do teatro, veio entre chamas e arrebatou-o para o Olimpo. Meu coração sangra. Em 2007, após vê-lo numa apresentação, escrevi o texto abaixo, que consta das referencias sobre o dramaturgo na Wikipedia.
*** Os trechos entre-aspas foram tirados dos programas das peças,
Postado no Facebook em 6 de julho de 2023
——-
***O TEATRO ORGYÁSTICO E ANTROPOFÁGICO DE ZÉ CELSO***
Se a pessoa for a São Paulo e não sair para lugar algum, não for ao cinema, ao shopping, ao teatro, não encontrar ninguém, não ler um só jornal nem ver TV, e mesmo sem ter feito nada disso for assistir a uma peça de José Celso Martinez Correia, a vivência desse espetáculo lhe garantirá uma experiência total da cidade, dessa urbe cosmopolita e corrompida, inocente e safada, amordaçada pelos grilhões da grana mas com doses industriais de vida e tesão pulsando a cada arquejo. A experiência intelectual, artística, estética e, sobretudo, existencial, oferecida por um espetáculo de Zé Celso e seu grupo Uzyna Uzona, sediados no espaço do Teatro Oficina à rua Jaceguay, 520, Bixiga, é inigualável. Aliás, eu não entendo por que o pessoal de teatro das cidades não freta um ônibus, ou avião, ou seja lá o que for e não vai ver “Os Sertões”, da mesma forma que o povo de música se organiza para ir ver Rolling Stones, U2 ou Madonna.
Zé Celso é uma síntese. Ele simboliza a pulsão primitiva e orgiástica de uma cidade, uma urbe viva, que se vende e se curva ante a força da grana que ergue e destrói mas mantém a resistência surda dos seus guetos e muquifos, das suas favelas, vilas e cabeças-de-porco, com seus saberes e prazeres bem longe do cardápio dos deleites oficiais dos engravatados. Ou seja, o público de Zé Celso vai ao seu teatro porque sabe o que se passa ali dentro, porque assume participar – e há muitas formas de participação – daquele acontecimento teatral, onde nos reconhecemos como “… uma só nação de alvorotados, endividados, individuados, destroçados, solitários, no inferno de Dante Marcola Jabor.” Ao mesmo tempo, numa espécie de milagre interno, nos reconhecemos também como “células humanas que contagiam o organismo do país apodrecido aprontando-o para regeneração e crescimento.”
E que teatro é esse? O que propõe, o que quer fazer? Começa com o edifício teatral propriamente dito do Teatro Oficina que não é um teatro tradicional, modelo italiano, com platéia, camarotes, palco e cortina, como 90% das pessoas pensa que são todos os teatros existentes. O Oficina, a rigor, é um corredor de trinta metros de comprimento, com seis metros de largura, e uma altura total de uns dez a doze metros. Encostados às paredes mais compridas, bancos de madeira, com um balcão acima deles onde cabem mais bancos, tudo com um metro de largura, o que reduz o espaço cênico a um corredor comprido, de trinta metros por três. Os atores se deslocam acima e abaixo desse corredor, com piso de terra, que tem uma parte em declive. Há ainda uma fonte, com água corrente, lugar para os músicos num pequeno palco e todos os espaços podem e são utilizados pelos atores e pela cena.
Mas não pense que é um teatro tosco. Os espetáculos dispõem de moderníssimos aparatos tecnológicos, som perfeito, luzes espetaculares, projeção digital, e uma das paredes dessa estrutura, num trecho de uns dez metros, é de vidro, mostrando por transparência os prédios de São Paulo. Uma árvore imensa, com seus 15 metros de altura, também cresce no local e foi incorporada à estrutura do teatro. Mais do que o espaço, porém, é o que se passa ali dentro, colocando José Celso Martinez Correia na galeria dos grandes nomes do teatro brasileiro, com um poder quase metaplásico de renovação, de crescimento, de surpresa, de novidade.
O espetáculo “Os Sertões” demonstra isso. A rigor, não é “um espetáculo”: é um complexo, uma “pentalogia” de cinco espetáculos, cada um deles com seis horas de duração. O épico euclidiano se transforma num épico brasileiro/universal, dividido em “A Terra”, “O Homem I”, O Homem II”, “A Luta I” e “A Luta II”. Nessas trinta horas há uma síntese completa da nossa história como seres humanos, pertencentes à Humanidade, como brasileiros, e como seres pulsantes, cheios de tesão, de dores, de amores, de ambições e quimeras, de maldades e momentos de ternura. Há um sentido profundamente shakespeariano na obra, quando trata da luta do homem com o seu destino, essência da tragédia. Para quem conhece Shakespeare, é um prazer sem igual desfrutar das referências e interpolações, estabelecendo essa ponte viva entre o homem shakespeariano, hamletiano, renascentista, e o homem de hoje, proposto e desejado pelo teatro de Zé Celso, um homem renovado, refeito, renascido, “desmassacrado”. Zé Celso explica que, um dia, cansados, esgotados de trabalho, os atores pensavam que iam fazer um espetáculo fraco. Mas nada disso aconteceu. “Atingimos no ser-estar, serestando nos sertões nesta noite uma tranqüilidade na execução da peça, um estado de inocência criativa com o público junto que nos fez experimentar sem poder definir ainda o ‘desmassacre’, ou mais precisamente, o início do desmassacre. Dentro deste mundo sob o Terror, o nascimento de um sentimento novo, o fim absoluto da paranóia, do estresse, para a continuidade desta felicidade guerreira.”
E o “desmassacre” não acontece somente com os atores. O público que está ali, durante as seis horas que dura cada um desses espetáculos, é incorporado em uma experiência cheia de epifanias que faz o tempo voar. Começa às seis horas da tarde, e quando você vê é meia-noite, o espetáculo terminou, todo mundo dançando e celebrando, e você não quer ir para casa, quer ficar ali, morar ali, incorporar-se àquela trupe de loucos, como o vigia do estacionamento que virou ator e é uma das mais belas figuras do espetáculo. Uma “rave” movida a endorfinas, movida a Tesão, movida a Alegria, movida a Arte.
O público que vai a “Os Sertões” é completamente diferente daquele que vai a ver “Sweet Charity” o musical onde Claudia(canta-dança-sapateia-e-representa)Raia oferece às platéias de novos-ricos que pagam R$ 60,00 para ver esta edulcorada história de amor. No Teatro Oficina pagamos R$ 30,00 (eu, como sou da classe teatral, só paguei R$ 10,00) mas a quantia é irrelevante para a qualidade da vivência que temos ali. Nada tenho contra o teatro de entretenimento, sobretudo quando é de boa qualidade, como provavelmente deve ser o espetáculo de Cláudia Raia. Mas o teatro, enquanto Arte, tem outros objetivos. O teatro, em sua acepção mais profunda, tem como finalidade levantar o véu que separa o visível do invisível e deixar-nos ver dentro de nós mesmos, ainda que por um instante, quem somos, de que matéria somos feitos. Isso o teatro de Zé Celso faz com maestria.
Se quisermos, podemos sair do nosso banco e entrar em cena junto com os atores, como figurantes da construção do arraial de Canudos, ou situações outras propostas pela peça. Podemos entrar em cena, nos misturar à ação, experienciar com vividez o que está acontecendo, como no antigos rituais dionisíacos onde os homens experimentavam diversas alteridades, incluindo a divindade. Ser deus por um minuto, quem não gostaria de? Mas nada disso é obrigado. Se você, como público, quer ficar sentado no seu lugar, ninguém lhe aborrece, nem lhe obriga a nada. Mesmo assim, o véu se levanta e a pessoa que entra naquele espaço e comunga com aquela ação jamais sai dali a mesma. Sai se conhecendo mais, integrando suas experiências num outro nível, entendendo melhor seu semelhante, desfrutando mais dos seus momentos de Alegria e Tesão, sabendo-se homem, mulher, “demasiadamente humano… para a produção de uma paz sem pieguismo, uma paz de criação por devoração antropofágica e de vitória sobre o mais forte, não em poder de estrutura, dinheiro ou armas, mas em poder da presença trans-humana. Aqui se luta pelo apaixonamento da condição contraditória humana, através do re-apaixonamento pelos homens do seu planeta quase inviável, em sua Terra.”
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