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Os sussurros das mulheres.

Clotilde Tavares | 3 de junho de 2020

Inaugurando hoje o podcast do ***Umas&Outras***, com assuntos variados. Toda semana um episódio novo. Nesta semana, falo sobre as mulheres escritoras que precisaram se esconder atrás de um pseudônimo masculino para terem suas obras aceitas e publicadas.

É só clicar no link.

https://youtu.be/N8zlps0l7WM

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A TECEDEIRA

Clotilde Tavares | 26 de outubro de 2019

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Eu vivo carregando nos ombros a coerência do mundo. Calada. Sem dar um pio.

Tem hora que o peso é tão grande que eu acho que o mundo vai desabar.

Ninguém presta atenção em mim, sentada nesse lugar, tecendo, mas sou eu que garanto a fala de qualquer um aqui, mesmo o mais pequeno.

Sou em quem põe a mesa todo dia pro banquete dos sonhos.

E quando tu sai de casa, vê o semáforo? Sou eu que mantenho ele aceso, pra evitar os desatinos nas encruzilhadas.

Tem hora que a gente sente que tem uma coisa dentro da gente que tá à beira de desmoronar.

Mas é preciso segurar. Eu mesma não quero gritar e me desesperar no meio dos escombros, no meio das ruínas.

Não!

Minha tarefa é cuidar, cuidar, cuidar das receitas, dos cadernos, dos desenhos, dos esquemas. Essas coisas, elas têm um espírito, e sem esse espírito elas viram sombras.

Aí o que eu faço: cuido, pra que o Espírito não fuja das cidades, das arquiteturas, dos corpos, e vá morar em outros países.

Tu quer saber meu nome? Por que?

A primeira coisa que acontece quando a gente dá um nome a uma coisa é se separar dessa coisa. Tu quer se separar de mim? É, porque eu já tou aí dentro de tu.

Eu vermelha, tu branco, aquele preto, o outro amarelo, algum azul e aquela ali verde, gente de toda cor. E aqui todo mundo é índio, exceto quem não é.

Ah. Tu não acredita. Tu já sabe de tudo. Tu é um herói do teclado. Faz assim: vai lavar a louça, juntar a roupa suja e tirar o lixo. Depois tu vai pro teclado, vai jogar, ver a temporada nova, o episódio novo.

E te cuida, visse, pra não embarcar nessa onda de ódio. Odiar quem odeia? Sem pensar em que é que isso vai dar?

Não basta tu saber que eu tou aqui, tomando conta da felicidade? Que eu tou de olho nos assassinos que querem acabar com ela?

Tu não acredita na minha (tua) alma invencível?

Existe uma vida secreta, umas perguntas novas, uns desejos…

Presta atenção. Escuta.

Ontem eu subi num alto, senti o vento no rosto… Foi tão bom!

(Respira.)


Texto que performei no palco da Casa da Ribeira, em 1º de maio de 2019, escrito por mim, baseado no primeiro capítulo de “A Cultura no Plural”, de Michel de Certeau.

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A guerra.

Clotilde Tavares | 17 de abril de 2018

sol na cama

O amor não abre portas
e das janelas
só deixa frestas
que desenham espadas
no lençol.
Uma guerra.

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Um duro ofício

Clotilde Tavares | 30 de janeiro de 2018

Balzac

Aqui escrevendo, rasgando, corrigindo, deletando, copiando, colando, me irritando, me aborrecendo, querendo desistir, jurando que vou fazer outra coisa. Aí vejo os originais do grande Honoré de Balzac – diz a lenda que ele corrigia as provas impressas até por 20 vezes e enlouquecia os editores. Relaxo, tomo um café e volto ao duro e delicioso ofício de inventar do nada personagens e situações, porque a história já está dentro da minha cabeça e se não sair termina me fazendo adoecer. #AVidaÉBoa #VidaDeEscritor#NóisSofreMaisNóisGoza

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Ladybird – A Hora de Voar (Ladybird, 2017)

Clotilde Tavares | 26 de janeiro de 2018

Nunca consegui me entender direito com a minha mãe. Ela me amava, mas tinha um temperamento terrível. Eu também a amava, e tinha/tenho um temperamento igualmente terrível, herdado adivinhe de quem?

Pois é. As relações entre mãe e filha sempre dão bons temas para ficção, na literatura, no teatro, no cinema. É o caso de Ladybird – A Hora de Voar, (Ladybird, 2017), da diretora Greta Gerwig, filme que surge neste início de ano com cinco indicações ao Oscar: melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro original (também da Greta Gerwig), melhor atriz (Saoirse Ronan, a filha) e melhor atriz coadjuvante (Laurie Metcalf, a mãe).

O filme traz o binômio mãe preocupada e cheia de trabalho/filha adolescente cursando a série final do ensino médio, com todos aqueles lugares comuns que estamos acostumados a ver nos filmes do gênero: primeiro beijo, a popularidade na escola, a necessidade de afirmação, o primeiro baile, o quarto sempre desarrumado, as melhores amigas, a inveja das garotas bonitas, as brigas com o irmão mais velho, as dificuldades financeiras da família e o centro de tudo: as brigas e desentendimentos com a mãe, já que o pai é o bonzinho da história, nas palavras da megera mal humorada que persegue a pobre menina nessa idade tão difícil. Mais do mesmo, diz você. Mais do mesmo, pensei eu.

Mas neste filme, tudo isso se passa sutilmente de outra forma, com algumas camadas a mais de profundidade, embaladas por um diálogo vivo e intenso e por situações comuns mas exploradas magistralmente pela diretora. E a Laurie Metcalf – que desempenho! – eu já a conhecia como a divertida fanática religiosa mãe de Sheldon Cooper em The Big Bang Theory (aliás, os coadjuvantes daquela série são um assunto à parte) mas nunca a havia visto em um papel dramático. Fiquei encantada. Sua interpretação de Marion, a mãe da adolescente Ladybird, é um dos grandes trabalhos que vi ultimamente no cinema e consegue construir com a Saoirse Ronan, também outra excelente atriz, uma cumplicidade e uma apropriação do texto e das situações que só consegue fazer quem domina a grande arte de representar.

Toda a história me tocou muito, e me revi na adolescente truculenta, teimosa, desaforada, lutando para ser alguém, para ter um nome e uma carreira, e trombando dia e noite com aquela criatura exigente, irascível, destemperada, mal-humorada e tão parecida com a minha mãe na maioria dos momentos. Mas não é para isso que o cinema serve? Não é para despertar em nós uma viagem, uma descoberta? Quando a obra de arte nos toca, nosso coração vive de novo, o sangue circula aquecido, o mundo se transfigura, enxergamos uma pouco mais além do que víamos antes. É o milagre da fruição artística.

Lindo filme, tocante emocionante, fabricador de lágrimas quentes de saudade pois Mamãe, minha irascível e difícil mãe, há muito me deixou. Como a personagem, na cena final, pude repetir também, sempre procurando as palavras, mas sempre sem encontrá-las: “Mãe, eu queria lhe contar… (Tempo) Eu te amo. (Tempo.) Obrigada, eu… (Tempo.) Obrigada.”

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A forma da água (The Shape of Water, 2017)

Clotilde Tavares | 24 de janeiro de 2018
The-Shape-of-Water-FX-featured
#semspoiler
Guillermo del Toro está de volta com mais uma de suas fantásticas fábulas, repetindo a estética de O Labirinto do Fauno (2006).
Lendo por aí nos fóruns de cinema, vi que pessoas bem humoradas dizem que este seu novo filme deveria ter como título Amélie Poulain encontra o Monstro da Lagoa Negra mas, piadas à parte, esse é um filme espetacular em todos os sentidos. Teve mais de dez indicações ao Oscar – filme, diretor, atriz, roteiro original, ator coadjuvante, fotografia edição e mais algumas indicações técnicas.
É claro que o Oscar obedece a alguns critérios que para mim continuam misteriosos no que se refere às indicações como, por exemplo, por que indicar um filme como Corra! (Get Out)? Interessante, assistível, mas nada que mereça um Oscar. Nesse caso, porém, a Academia acertou.
A Forma da Água começa por ser uma homenagem ao cinema. Ali estão os musicais, com Fred Astaire, Carmen Miranda, Shirley Temple, o sapateado, a dança com balde e esfregão, o cinema da época, e tudo na medida certa, sem cansar o olho do espectador.
O importante é que o filme é um exercício de empatia, uma forma de olhar para o outro vendo a essência, o que existe de verdadeiro no outro e não sua aparência. A faxineira muda, que não pode e não consegue falar por um trauma de infância, e o Monstro, também mudo porque monstro, não humano – mas ambos pensam, sentem, têm habilidades, amam.
Os coadjuvantes da trama: a mulher submissa ao marido, o artista incompreendido e superado pela tecnologia, o investigador bruto e sádico com sua família de comercial de margarina, o general doa-a-quem-doer, o cientista-espião que é agente de Moscou, o ambiente da Guerra Fria recriado tão bem.
Uma cenografia que em certas horas me lembrou Brasil O Filme (Terry Gillian-1985), cheia de canos e tubulações, meus Deus, o que circula dentro daqueles canos? Tudo uma metáfora do subterrâneos e desvãos da alma humana.
E quantos elementos emblemáticos! O ovo, que inicia e estabelece a relação entre os personagens principais e simboliza a nossa origem comum, animais que somos todos e, finalmente, o elemento água, mediador de emoções. A água, ou o estado líquido, veículo de tudo quem tem a ver com desejos e sentimentos: sangue, suor, lágrima, saliva, sêmen, secreções de glândulas… Somos seres aquáticos, crescemos na piscina do líquido amniótico de nossas mães e vivemos nos desmanchando em secreções o tempo todo. Quando secamos, sobrevém a morte.
A Forma da Água é nossa forma, ou, pelo menos, a forma que deveríamos ter. Veja, e dissolva-se.
#MaratonaOscar2018 #AdoroCinema #AVidaÉBoa

 

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Os objetos misteriosos

Clotilde Tavares | 16 de novembro de 2017

Uma das características principais do conto maravilhoso é a presença do “objeto mágico”, que permite ao herói realizar tarefas difíceis, senão impossíveis. Vladimir Propp dedica todo um capítulo do seu livro “As Raízes Históricas do Conto Maravilhoso” ao que ele chama de “auxiliares mágicos”, mostrando que o conto atinge seu apogeu quando tais auxiliares – que podem ser animais ou objetos – são colocados à disposição do herói. As reminiscências me trazem a voz pausada de Severina de João Congo, uma das contadeiras de história da minha infância, que dizia: “Aí a velha entregou a Juvenal um fio do cabelo dela, um cabelo muito comprido, e disse que aquele cabelo tinha a força de mil correntes…”

São inúmeros os exemplos de objetos mágicos no conto maravilhoso. No folheto “História de João Moleque e a princesa Lindalva”, de João José da Silva, há uma touca mágica, presente de Nossa Senhora, que torna o herói invisível: “Quando chegou no jardim/ A mulher estava ainda/ Esperando a sua volta/ Com uma alegria infinda/ Ele chegou, ela deu-lhe/ Uma touca muito linda// E disse: esta touca tem/ Uma força benfazeja/ Pois ela em tua cabeça/ Não há diabo que te veja/ Pois ficarás invisível/ Vencerás qualquer peleja.”.

Já na história de “A Princesa Rosamunda ou a Morte do Gigante”, de José Pacheco, o gigante Aranol possui um espelho de prata que tem o poder de desencantar a princesa, transformada em pedra pelo poder da magia: “Sou eu, Aranol, o chefe/ E o que pretendes mais?/ Hidelbrando respondeu-lhe:/ És um gigante voraz/ Dá-me o espelho de prata/ Que desencanta os mortais.// Minha irmã, a princesinha/ Tão inocente e tão boa/ a bruxa Zoraina Preta/ Há dias petrificou-a/ Só o teu espelho faz/ Voltá-la à mesma pessoa.”

João Martins de Athayde refere-se a um anel que transporta a pessoa para qualquer lugar, em “Raquel e a fera Encantada”, que nada mais é do que mais uma versão do conto “A Bela e a Fera”: “Disse a voz: no travesseiro/ Encontrarás um anel/ Um objeto distinto/ Um amigo tão fiel/ Que livrará o teu pai/ Daquela morte cruel// Este anel é encantado/ A pessoa que tiver/ Com ele se livrará/ Dos obstáculos que houver/ Se transporta em dez minutos/ Para o local que quiser.”

Há um folheto onde esses objetos assumem condição de protagonistas: “Josimar e os 4 Objetos Misteriosos”, de Silvino Pereira da Silva. O herói, ao perseguir um veado com intenção de matá-lo, presencia a sua queda em um poço. Penalizado, resolve salvar o animal e deixá-lo livre. Este, em recompensa, lhe dá os quatro objetos que dão título à história. “Outra voz chegou e disse/ Ninguém mais lhe atrapalha/ Aqui quem chegar com fome/ Come muito e não trabalha/ Em paga do benefício/ Dou-te esta linda toalha// Josimar, esta toalha/ Pertence à alta magia/ Quando estiveres com fome/ Seja de noite ou de dia/ É bastante dizer: Põe-te/ Cheia de comedoria.”

E o folheto continua: “Apareceu outra voz/ Num som vibrante de moça/ Dizendo: Vós viverás/ Sem precisar fazer força/ Conduzindo com cuidado/ Esta linda e rica bolsa.// Ela é misteriosa/ E fará tua defesa/ No ato de precisão// Podes dizer com certeza/ Ó bolsa te enche para/ Acabar minha pobreza.// Assim outra voz lhe disse/ Recebes o meu conselho/ Aceitas esse objeto/ Um misterioso espelho/ É de grande utilidade/ Este belíssimo aparelho.// Sendo magnetizado/ Dos mais antigos sistemas/ Se vê as cenas dramáticas/ Das artistas de cinema/ Também vê-se a deusa Vênus/ Cantando lindos poemas.// Ele ouviu alguém dizer/ Josimar, a hora é esta/ Recebes esta rabeca/ Que faz parte da orquestra/ E prossigas na viagem/ Pois já terminou a festa.// Saibas que esta rabeca/ Tem o nome de vingança/ É um objeto mágico/ E de muita confiança/ Precisando tocar nela/ Quem estiver por perto dança.”

O conto maravilhoso, nas suas narrativas fantásticas e encantadoras, apresenta uma enorme variedade de objetos. Além dos já citados, há outros mais, uma infinidade deles. A pedra de fogo, que quando atritada “encandeia todo mundo” ou dela “surgem dez soldados armados até os dentes”. A varinha mágica, a bengala, o chicote, a espada, a água que devolve a vida e a luz dos olhos, a maçã envenenada, as botas de sete léguas, o porrete que sozinho luta e destrói os inimigos á força de pancadas, e… o pavão misterioso.

“O Pavão Misterioso”, folheto de cordel da autoria de José Camelo de Melo Rezende, é a história da Condessa Creuza, a moça mais bonita da Grécia, conservada pelo pai trancada desde a infância no mais alto quarto do sobrado.Uma vez no ano, a moça aparece por uma hora ao povo, que vem de longe, só para contemplar-lhe a beleza. Um retrato dela chega até a Turquia, onde mora Evangelista, que se apaixona pela bela figura da jovem. Dirigindo-se à Grécia, ele encomenda a um engenheiro um mecanismo alado – o Pavão Misterioso do título – a bordo do qual consegue chegar até o quarto da moça, raptando-a, depois de vários perigos e dificuldades.

“O Pavão Misterioso” é um folheto cujos “objetos misteriosos” possuem um quê de realidade, demonstrando uma vez mais que a magia é parceira e precursora da ciência. Na verdade, se pensarmos bem, o espelho de Josimar, “…magnetizado…(onde) se vê as cenas dramáticas das artistas de cinema…”, sendo inclusive chamado de “aparelho”, nada mais é do que as telas, monitores e écrans que estão presentes em nossa vida. N’O Pavão Misterioso está onipresente a tecnologia, a ciência, e uma exposição clara da mágica subjacente aos objetos. Pode-se dizer que, n’O Pavão, a Ciência assume o status da magia, realizando prodígios, apontando soluções, desenvolvendo estratégias.

O pavão do título não é a ave mágica e mítica que sai de dentro de um ovo para levar o herói no seu dorso até os confins do mundo. É nada mais do que um helicóptero, um aeroplano, que pousa e decola verticalmente. É inventado a pedido do herói pelo Dr. Edmundo, um “engenheiro profundo” que reside na “Rua dos Operários”. O poeta explica com riqueza de detalhes: “O grande artista Edmundo/ Desenhou nova invenção/ Fazendo um aeroplano/ De pequena dimensão/ Fabricado em alumínio/ Com importante armação.// Movido a motor elétrico/ Depósito de gasolina/ Com locomoção macia/ Que não fazia buzina/ A obra mais importante/ Que fez em sua oficina.// Tinha a cauda como leque/ As asas como um pavão/ Pescoço, cabeça e bico/ Alavanca, chave e botão/ Voava igualmente ao vento/ Para qualquer direção.” E é o próprio inventor, que não é um mágico ou uma bruxa, mas um inventor, um engenheiro, um artista, que termina a explicação: “Eu fiz um aeroplano/ Do formato de um pavão/ Que se arma e se desarma/ Comprimindo em um botão/ E carrega doze arrobas/ Três léguas acima do chão.” É o triunfo da técnica dando suporte às soluções miraculosas.

Além do pavão propriamente dito, há ainda no folheto a presença de uma serra, facilmente identificável com nossas atuais serras portáteis: “Edmundo ainda lhe deu/ Uma serra azougada/ Que serrava caibro e ripa/ Sem que fizesse zoada/ Tinha dentes de navalha/ De gume bem afiada.” Com ela, Evangelista, o herói, depois de aterrar silenciosamente com seu pavão-helicóptero na cumeeira do palácio do Conde, praticava uma abertura pela qual podia descer e contemplar a sua amada Creuza. Ao aparecer o feroz Conde, pai da moça, entrava em cena o outro objeto: “Deu-lhe um lenço enigmático/ Que quando Creuza gritava/ Chamando pelo pai dela/ Aí o moço passava/ Ele no nariz da moça / Com isso ela desmaiava!” Um lenço enigmático, meu caro leitor, que nada mais devia ser do que um lenço embebido em clorofórmio, anestésico e desmaiante.

Outras menções à tecnologia acontecem no folheto. Logo no início, a presença dos fotógrafos que se atropelam uns aos outros para tirar o retrato de Creuza e depois vendê-lo; a indelével “banha amarela” que a moça, meio a contragosto, mas obedecendo ao pai, passa na cabeça de Evangelista para que ele possa ser identificado depois; e mais detalhes do pavão: “Com pouco o conde acordou/ Viu a corda pendurada/ Na coberta do sobrado/ Distinguiu uma zoada/ E as lâmpadas do aparelho/ Mostrando luz variada.// E a gaita do pão/ Tocando com rouca voz…” As luzes, os faróis, e a buzina, ou a “gaita” do aparelho, em plena atividade, voando, elevando-se ao céu com o casal de amantes fugitivos. Até os aspectos técnicos da decolagem de um aparelho são mostrados, na visão dos soldados: “Os soldados da patrulha/ estavam de prontidão/ Um disse: Vem ver, Fulano/ Lá vai passando o pavão/ Veja como ele faz curva/ para tomar direção.” Finalmente, um telegrama substitui o “mensageiro” ou o “portador”, levando as notícias no final da história.

Vladimir Propp salienta que o uso do objeto mágico não diminui a glória do herói, sendo esse objeto a pura expressão de sua força e de seus talentos. Através deles, que são extensões dos sentidos e capacidades humanas, pode o herói conseguir seus objetivos, matar a fera e casar-se com a princesa, nessas histórias que encantaram nossa infância e que continuam encantando a vida adulta daqueles que mantêm a criança viva e brincante dentro de cada um.

Ítalo Calvino é quem afirma: “As fábulas são verdadeiras.” E continua: “São uma explicação geral da vida, nascida em tempos remotos e alimentada pela lenta ruminação das consciências camponesas até os nossos dias.” Os contos dão sentido às nossas experiências existenciais numa fase da vida em que não temos ainda o pensamento racional muito bem elaborado; eles nos fazem entender a dicotomia entre ricos e pobres, entre reis e vassalos, entre o amor e o sofrimento, entre a vida e a morte. E nos mostram, ainda segundo Calvino, “o esforço para libertar-se e autodeterminar-se como um dever elementar, junto ao de libertar os outros, ou melhor, não poder libertar-se sozinho, o libertar-se libertando.” Os contos são o “catálogo do destino” que pode caber a um homem e a uma mulher, entreabrindo o véu que recobre o mundo oculto e nos permitindo, mais do que qualquer outra coisa, vivenciar o mistério da nossa alma, reconhecer suas sombras e escuridões e integrá-las à luz, na busca da Paz e da Felicidade.

 

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Amor, paixão, essa-coisa.

Clotilde Tavares | 1 de agosto de 2017

namorados

Hoje o assunto é o amor.

Ô assunto complicado. Uns chamam de amor, outros chamam de paixão, outros de afinidade, outros de escrito-nas-estrelas. É essa coisa misteriosa, essa força centrífuga que lhe arranca de onde você está e lhe joga em cima de outra criatura, muitas vezes exatamente o oposto daquele ser ideal que você sonhava para a sua vida. Ai, amor, a quanto obrigas! Ai, surpresas do amor.

A criatura está assim distraída, à toa na vida, sentada no shopping ou no restaurante, quando aparece aquela pessoa que, assim que você põe o olho em cima, seu corpo se liquefaz, se derrete, que nem uma lava de vulcão, escorre pelo chão ficando na cadeira somente o vestido inútil, a bolsa esquecida, o relógio, o colar. Você não existe mais, derreteu-se, liquefez-se, desmanchou-se, apaixonou-se, incendiou-se.

Enquanto o amor-paixão-essacoisa consome a mata atlântica da sua vida com suas chamas incontroláveis, você descobre que a vida é boa, que você pode até morrer mas nem liga, que é preciso comprar novas taças, novos lençóis, novos óleos e incensos perfumados.

Tem coisas das quais você não abre mão – você continua sendo #ForaTemer – mas no resto, ah, no resto, o que é o amor senão dar razão a quem não tem? Se você quer ter razão, não serve pra amar, vá procurar outra coisa pra fazer.

Mas o bom é que tudo isso um dia passa. A ficha cai, a razão volta, o fogo recua e se solidifica outra vez, dando novamente uso ao vestido, à bolsa, ao relógio, ao colar. E você está pronta para outra, e você se lembra de Guimarães Rosa, quando disse que “o amor é um pássaro que põe ovos de ferro”.

Apois.

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VIAJAR: A MELHOR COISA É A VOLTA

Clotilde Tavares | 14 de junho de 2017

Museu Palácio Salinas

Museu Palácio Salinas – Sevilha, ES.

Ainda estou aqui tentando organizar o caos. Não o caos físico, pois deixei o apartamento arrumado e assim o encontrei quando cheguei na madrugada do dia 9: tudo no lugar. Mas voltei em caos mental, lotada de imagens, ideias, insights, sons, palavras, vozes, textos, histórias, melodias, um pout-pourri cultural tão diferente do meu e ao mesmo tempo tão igual porque a região que visitei, na Espanha, a Andaluzia, que fica no Sul, é tão parecida com este meu Nordeste em alguns aspectos que parece que eu, em vez de ter ido à Europa, fui somente acolá, no meu Cariri amado.

Necessito de tempo para desligar esse liquidificador da minha cabeça e depois deixar assentar, coar, filtrar, entender, relacionar, deduzir, essas coisas que só quem tem a cabeça como a minha, moendo o tempo inteiro, pode entender.

Para mim, não adianta colocar aqui na timeline um monte de fotos sem dizer o que são, sem contextualizar, sem explicar; e somente aos poucos é que vou conseguir destilar tudo isso que ainda ferve dentro e ao meu redor.

Do ponto de vista prático, voltei antes do prazo pois fui derrotada sumariamente pelas escadarias (jardins e castelos não têm elevador) e os longos trajetos a pé. Não sou realmente uma viajante que se preza, pois minha capacidade de andar a pé é mínima, a comida diferente sempre me faz mal e estranho muito as diversas camas nas quais tenho que repousar à noite meus cansados ossos. Nada demais, considerando que não sou mais aquela jovem de décadas atrás – felizmente, porque aquela vivia lisa, cheia de problemas e não sabia o que fazer com a vida.

A FOTO: Detalhe do pátio do palácio Salinas, hoje museu. Veja a fonte, presença indispensável nos pátios andaluzes. O piso é um mosaico romano do século III que o proprietário incluiu quando fez a restauração e que foi “trazido” de Itálica – antiga cidade romana das proximidades e que foi praticamente “saqueada”, tendo suas riquezas trazidas para propriedades particulares. Pelo menos foi isso que eu entendi e que ainda não tive tempo de pesquisar a real história. A imagem no nicho é a Virgen de los Remedios e reza a tradição que diante DESTA MESMA imagem Cristóvão Colombo rezou e pediu proteção antes de sair para descobrir a América. Eu adoro essas histórias. 

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Ernesto e o Oscar 2015

Clotilde Tavares | 22 de fevereiro de 2015

vendofilme

Todo ano nessa época eu “baixo” os filmes do Oscar e assisto todos. Por “filmes do Oscar” eu entendo não só os indicados a melhor filme como também aqueles que tem indicações de Melhor Roteiro e outros. Então, nesta última semana, foi uma maratona aqui na Bolha, onde eu e Ernesto vimos TREZE filmes.

Aqui na minha telona rolaram “American Sniper”, “Birdman”, “Boyhood”, “Selma”, “O Grande Hotel Budapest”, “O Jogo da Imitação”, “A Teoria de Tudo”, “Whiplash”. Desses, amei O Grande Hotel Budapest pela direção de arte, chorei feito boba com A Teoria de Tudo e como sou fã de Clint Eastwood achei American Sniper o melhor dos oito. Ernesto dormiu pesado aos 30 minutos de Birdman – eu ainda aguentei 40 minutos, mas me cansei com o diálogo excessivo e a câmera inquieta e também apaguei; e depois de ver uma hora de Boyhood ele e eu desistimos do resto quando vimos que o filme tinha mais de duas horas de duração com aqueles temas mais-do-mesmo.

Registro aqui que sentimos falta dos nossos diretores preferidos: os irmãos Cohen e Tarantino que, junto com Eastwood, fazem o cinema que gostamos de ver. Além desses vi ainda Foxcatcher, O Juiz (palmas para Robert Duval), Garota Exemplar (com alguns furos de roteiro mas se salvando no final), O Abutre (que concorre a melhor roteiro original e é bem interessante) e Into The Woods (vi mais por obrigação porque não tenho muita paciência com musical). Ernesto queria ver esse filme com Julianne Moore (Para Sempre Alice) pois ele é um fã ardoroso da atriz, mas quando eu descobri que era sobre uma pessoa com Alzheimmer vetei a exibição, porque tenho medo que atraia.

Neste domingo à noite estarei a postos para ver a premiação na TV. Eu não sou daquele tipo de gente que “torce” pela premiação, aposta e entra em bolão. Pra mim, o importante é ver os filmes, que considero uma boa seleção do caminho que a indústria cinematográfica está querendo seguir – o que, muitas vezes, se distancia do caminho da arte cinematográfica.

Mas isso é outra história.

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