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Noites brancas

Clotilde Tavares | 28 de junho de 2011

Eu não gosto de forró eletrônico, de forró “universitário”, desse forró falso e mecânico que só sobrevive às custas de bailarinas de traseiro empinado. Eu não gosto de festa de São João com som amplificado, ensurdecedor. Eu não gosto de teclado no lugar da sanfona. Eu não gosto de pamonha e canjica feitas em série e vendidas nos supermercados em pratinhos de plástico. Eu não gosto daquela tapioca redonda, pequena e grossa, recheada de presunto ou chocolate.

Eu não gosto das roupinhas de matuto para crianças vendidas nas barracas que margeiam as avenidas. Eu não gosto das festas juninas que competem umas com as outras para ver quem faz a maior, obstruindo ruas, infernizando a vida dos moradores e enlouquecendo a vizinhança com o barulho. E, acima de tudo, eu abomino as tais quadrilhas estilizadas, invenção ridícula da indústria de massa, com suas coreografias imbecis e seus enredos absurdos. Mesmo assim o São João ainda é a festa mais bonita do Nordeste. Mas o que eu gosto no São João, minha gente, quase tudo que eu gosto não existe mais.

O bom do São João era o milagre dos grãos de milho se transformando pela magia das mãos habilidosas das cozinheiras em uma pasta amarela e saborosa que, mexida por horas ao fogo se transformava na canjica; ou a solução genial de cozer outra mistura na própria palha, criando a pamonha, enquanto as crianças, sentadas no chão, faziam bonecas loirinhas ou ruivas com as espigas de milho.

O bom do São João era a fogueira armada na frente da casa, os vizinhos chegando, as conversas, e o quarto de bode que depois de dormir o dia todo no tempero acordava em estalos sobre as brasas, prenunciando delícias de sabor. O bom do São João eram as estrelinhas cuidadosamente seguras nas pontas dos dedos que depois de acesas rebentavam em maravilhas luminosas, trazendo para o canto da sala todo o mistério do Big Bang original.

O bom do São João era o forró dançado nas latadas dos sítios, com sanfona, triângulo e zabumba, sem microfone nem amplificador, a poeira subindo e o chiado das chinelas marcando o tempo preciso do andamento, sem coreografias mirabolantes, mas misturando o suor nos corpos quentes, colados e excitados. O bom do São João era Jackson do Pandeiro, Marinês, Luiz Gonzaga, Elino Julião e o Trio Nordestino. O bom do São João eram os versos mais lindos que já se escreveu sobre essa festa: “Olha pro céu, meu amor/ vê como ele está lindo…”

Tudo isso já foi embora, tragado pelo tempo. Permanece somente o ar cortante e frio da Serra da Borborema e as noites brancas de Campina Grande, como que velando a casa do Alto Branco, solene e silenciosa, órfã da fogueira, dos risos e da festa.

Esse texto foi escrito em 2005 e faz parte do meu livro Coração Parahybano, que você pode baixar gratuitamente clicando no link que esta no alto da coluna da direita.

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« Avental todo sujo de ovo Voltei! »

7 Responses to “Noites brancas”

  1. Noites brancas | Diário do Tempo disse:
    28 de junho de 2011 às 09:31

    […] aqui Esta entrada foi publicada em Sem categoria. Adicione o link permanenteaos seus favoritos. ← A Administração Pública à margem da lei e o sono do MP […]

  2. Carito disse:
    28 de junho de 2011 às 09:48

    Noites brancas, Clotilde, Dostoiévski… Alta noite, alta literatura… Jackson, Marinês, Luiz, Elino… BorborAme-os! Viva São João!

  3. Sivoneide disse:
    1 de julho de 2011 às 22:27

    Que lindo! Você diz neste texto exatamente o que eu penso sobre o assunto. Por essas e outras sou sua fã.

  4. paulo sarkis disse:
    8 de julho de 2011 às 21:47

    Grande Clotilde, e eu que nunca gostei de festa junina, li e saboreei seu texto e voltei a lembrar, e passei a gostar, e desgostar. Grande abraço

  5. mauricio miele disse:
    30 de agosto de 2011 às 14:00

    de galho em galho aqui encontrei um pouso
    sou professor de geografia no eja, escola astrogildo silva, no jd patente em são paulo. trabalho agora o nordeste. peço sua autorização para usar esse texto como sensibilização para uma um dissertação sobre a memoria, sobre o nordeste, sobre a vida
    obrigado
    mauricio miele

  6. Emanuel Neri disse:
    9 de outubro de 2011 às 13:05

    Olá, Clotilde.
    Que bom receber notícias suas. Lembro também muito de você, daqueles tempos de Natal -e já faz tempo, hein? Seus textos, seus poemas – tudo ainda está na minha memória. Vamos nos reencontrar. Quando for a São Miguel do Gostoso, em novembro, passo por Natal para 4e ver. Me envie, por favor, seu email particular e telefones para contatos.
    Emanuel Neri

  7. Françoise disse:
    23 de junho de 2012 às 19:48

    Mas nem tudo está tão perdido. Pelo menos na minha cidade (Parelhas) ainda tenho o privilégio de ver minha mãe esmagando os grãos de milho em um moinho velho pra fazer pamonha, meus irmãos indo pro “mato” tirar lenha pra fogueira, a família e os vizinhos em volta do fogo, conversando, rindo e dançando ao som do velho sanfoneiro “Galego de Zabé”. Lá ainda é assim, ainda.

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