Meu amor por D. Pedro I
Clotilde Tavares | 7 de setembro de 2010Quando, aos onze anos de idade, fui estudar no Alfredo Dantas, em Campina Grande, descobri que, nas comemorações do 7 de setembro eu teria que desfilar marchando, mas na última fila, porque era pequena para a minha idade e era a menorzinha de todas. No primeiro ensaio, as meninas maiores riam de nós, as “pequenas”, e eu, valendo-me de “desmaios” de mentira que D. Alcide, a diretora, e Mamãe tomaram como verdadeiros, consegui ser retirada da formatura e dispensada da humilhação pública de ser a última menina das fileiras.
Aos quatorze anos, já tendo conseguido alguns centímetros a mais, fui tomada de paixão avassaladora por D. Pedro I, ou melhor, pelo garoto de quinze anos que representava o Imperador, cavalgando um imenso cavalo negro que o pai dele mandava vir diretamente da fazenda para o filho montar no “dia 7”. O menino era tão lindo, com seu bigode desenhado a lápis, a jaqueta azul com botões dourados e a calça branca enfiada no cano das botas negras de couro, que eu sentia o coração parar quando ele passava, com as ferraduras do cavalo tirando faíscas nas pedras do calçamento.
Esperei ansiosamente ser escolhida para fazer parte do pelotão das “gregas”, meninas vestidas com uma túnica curta que deixava à mostra as pernas e uns dez centímetros de coxa. Quando já me considerava eleita fui recusada porque além das pernas grossas era preciso também ser bonita, e eu não era. Para me consolar, comecei a brincar com os instrumentos da banda e descobri que era hábil no tarol; alguém me ensinou uns solos e daí a pouco eu era a nova sensação do ginásio, entre rufos e contratempos. O tarol vinha na frente da banda, e era uma posição de destaque, onde o que valia era a habilidade e não as pernas grossas ou a cara bonita. Saí orgulhosíssima para o primeiro ensaio nas ruas da cidade, alimentando a secreta esperança de que D. Pedro reparasse em mim.
Mas deu tudo errado. Na cidade pequena, a novidade logo chegou aos ouvidos de Papai que, quando cheguei da aula, proibiu minha nascente carreira marcial com uma frase seca: “Não quero filha minha tocando tambor pelo meio da rua”. E pronto. Novamente jogada para o último pelotão, sem tarol ou roupa de grega, só me restou desmaiar no sol quente e ser dispensada outra vez da formatura.
Quanto a D. Pedro, nunca mais o vi, nem soube dele. A voraz passagem do tempo consumiu na minha memória o seu nome, deixando apenas o bigode feito a lápis, o lampejo da jaqueta azul num dia claro de sol e o grito de “Independência ou morte!” lançado pela sua garganta adolescente enquanto o cavalo negro erguia para o ar as patas indóceis.
Essa e outras fotos sobre o passado de Campina estão no blog Retalhos Históricos de Campina Grande.
Talvez você também goste de ler o texto sobre a data que publiquei aqui neste blog há um ano. É um texto do qual gosto muito, e os leitores também gostaram.