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Como escolher um texto para encenar na escola?

Clotilde Tavares | 12 de julho de 2023
ANTES DE LER saiba que este texto foi escrito em 2008, quando não se sabia direito o que era linguagem inclusiva. Será reescrito em breve.

Durante toda a minha experiência como professora de teatro sempre fui procurada por alunos ou ex-alunos que, atuando como professores na rede pública ou particular de ensino, me pediam sugestões sobre que texto deveriam montar nas escolas, principalmente quando o diretor pedia claramente um texto sobre “drogas” ou sobre “gravidez na adolescência”, por exemplo. Uma pergunta precede essa discussão da escolha do texto:

– O que quero dizer com o teatro, com esta arte que pratico?

Os motivos que levam uma pessoa a ser professora de teatro são diferentes daqueles que levaram outra pessoa a ser professora de matemática, por exemplo.

Mesmo aquelas pessoas que são professoras de teatro “por acaso”, ou seja, porque o curso tinha mais vagas, ou porque terminou sendo a única opção, e nunca pararam para pensar nisso, durante o curso devem ter aprendido que a arte é um processo de comunicação, e é preciso obviamente ter algo a comunicar.

Então a pergunta que devemos estar diariamente nos fazendo é “o que quero dizer ao mundo?” como professor, como professor de arte, como artista, como cidadão e como ser humano.

Quais são os meus valores? Em que acredito? Por que estou metido no mundo do teatro? São perguntas que todo praticante da arte teatral precisa estar constantemente fazendo a si mesmo. E ao longo desta exposição expresso também meu pensamento sobre a arte teatral e sua função enquanto prática artística e estética, sobre a forma como eu a vejo, entendo e pratico, obviamente respeitando aqueles que a vêem, entendem e praticam de outra forma.

É preciso ter em mente que, da mesma forma que há muitos tipos de pessoas, diferentes umas das outras, e inseridas em contextos sociais diferentes, há muitos tipos de teatro. O teatro enquanto arte quase pura, de pesquisa da linguagem, onde brilham nomes como Peter Brook e Eugenio Barba, Antunes, Zé Celso, passando pelas comédias ligeiras com atores globais, os espetáculos para crianças sempre em cartaz nos teatros das cidades, os grupos universitários que pesquisam e criam tendências, os megaespetáculos como autos e celebrações comemorativas que agora estão disseminados por todas as cidades, até as representações dos pequenos circos do interior e o mamulengo, tão vivo nas mãos e falas dos nossos artistas populares.

Tudo isso é teatro, e cada um deles tem seu público, e cada um deles está inscrito em uma posição ao longo da extensa linha que liga a Arte e o Entretenimento, uns com mais arte, outros com mais entretenimento, mas todos igualmente válidos e possíveis.

Eu sempre trabalho mais na direção da Arte do que do entretenimento, mas nada me impede de trabalhar nesta última direção. Isso é bom, porque experimento de tudo e enriqueço minha prática.

Mas vamos voltar ao nosso tema principal, que é esse teatro que a direção da escola encomenda ao professor de arte. Quero relatar três casos reais.

O primeiro: o padre, diretor de um colégio católico, chama o professor de teatro para fazer “uma peça” sobre gravidez na adolescência, mas recomenda expressamente que a questão sexual não deve de jeito nenhum ser abordada de forma explícita.

O segundo: assistentes sociais escrevem e dirigem uma peça sobre alcoolismo no serviço de prevenção de um grande hospital. Na peça, o personagem chega bêbado às três horas da manhã, e esbraveja contra a esposa, quebrando as coisas dentro de casa; uma vizinha é assistente social, entra na casa do casal às três da manhã, e faz uma preleção sobre as consequências do abuso do álcool, enquanto os outros personagens – o alcoólatra e a esposa – escutam, atentos.

O terceiro: uma peça, representada por crianças, apresentada num festival escolar. As crianças, no papel de árvores, são derrubadas sumariamente por outra criança, no papel de machado. Uma das árvores se adianta para os proscênio e diz: “Vamos salvar a natureza!” As outras árvores dizem: “Vamos!”, e partem para cima do “machado” e o expulsam do palco. Depois, juntos, cantam uma canção.

Tudo isso é uma pequena amostra do que tem sido feito por aí em nome do teatro nas escolas ou nas instituições.

Peço que façam comigo uma pequena reflexão sobre esse tipo de peça que traz uma “mensagem”. Essas peças procuram responder a uma questão, que é “como podemos curar/evitar/prevenir/eliminar as drogas/alcoolismo/gravidez/na-adolescência/abuso-infantil/destruição-da-natureza/efeito-estufa?

Essas peças geralmente mostram uma situação que enfoca o problema e levam a pessoa que assiste a assumir uma atitude benevolente diante do problema, dizendo consigo mesmo: “Se eu estivesse nessa situação que estou vendo no palco, eu faria a escolha correta!” e quando há no palco o triunfo ou o fracasso do protagonista, o espectador diz, em tom superior: “Eu sabia que ele ia terminar assim!”

Na minha maneira de ver, essas peças, conduzidas desta forma são, em última análise, um processo de infantilização e manipulação do público. O autor/diretor se sente moralmente superior à plateia e – muito mais grave – permite que a plateia assuma uma superioridade moral para com as pessoas na peça que não aceitam os pontos de vista ali colocados como corretos.

Tal atitude afasta da atividade exatamente os alunos que estariam, digamos assim, em situação de risco, que seriam os alvos da ação educativa. Imagine comigo que você é um garoto de 13 anos, sedento de experiências, curioso de sexo e drogas. Obviamente não vai lhe interessar qualquer atividade que diga que você não pode ou não deve ter essas experiências.

As peças de mensagem, nesta análise, não atingem, por isso, os seus objetivos, pois contêm julgamentos e explicações, e quando você explica, ou julga, não está fazendo teatro. Está fazendo política, praticando a moral, ou divulgando a ciência. Mas não está fazendo teatro. Teatro é Arte, e Arte é feita de alegorias, simbologias, metáforas. Sem isso, é discurso, é proselitismo e – pior de tudo – é chato.

Essas peças são empobrecedoras do espírito, porque não dão opção à plateia. Nada resta ao público a não ser concordar com o castigo ou com a redenção do protagonista, contrariando um dos pressupostos básicos do teatro que é atingir a consciência, FAZENDO PENSAR.

Então, o que fazer para combater as drogas, a violência, a gravidez na adolescência, a destruição da natureza e todas essas questões que são importantes, que permeiam nosso cotidiano e a respeito das quais é fundamental que os jovens fiquem atentos?

Há muitas coisas que podem ser feitas, sem precisar envolver o teatro nisso. Vou citar algumas que me ocorreram aqui rapidamente, mas vocês provavelmente conseguirão imaginar muitas outras. Levem os meninos ao hospital psiquiátrico e à prisão, para que eles vejam onde vão parar os que se drogam. Levem-nos aos programas de apoio às mães adolescentes que há em toda a cidade, e deixem que eles escutem os depoimentos dessas mães e pais de 14 anos de idade. Levem-nos ao Pronto Socorro, para que vejam as vítimas da violência, gritando de dor, ou mortas na guerra das cidades.

E não precisam dizer nada, pois o que esses jovens vão ver, de verdade, na frente deles, é mais contundente do que qualquer peça de teatro. E ensinem aos meninos caridade e compaixão com os que sofrem e se drogam, e cometem crimes, porque eles também são humanos e não cabe a nenhum de nós julgá-los nem sentir-se superior a eles.

E o teatro? Se optarmos por não realizar a tal “peça de mensagem”, o que vamos montar com nossos alunos?

Na escola, vamos nos juntar e explorar com eles a grande aventura do espírito humano, os mistérios, os problemas da alma! Vamos esquecer as calamidades do cotidiano e vamos nos reunir em torno do amor, da paixão, da ambição, da amizade, do sacrifício, da fantasia – e da morte também pois ela faz parte da vida!

Eu acredito que o caminho para atingir o coração dos homens é confrontá-los com a sua própria humanidade, mas de forma poética, respeitosa e amorosa. É preciso trazer à tona o mistério, mas sem desvendá-lo. E o espectador tem que levar o mistério consigo e ir desvendando-o na sequência. Em vez do dedo em riste, em vez da lição de moral, da sentença educativa, da frase edificante, é melhor e mais honesto contar uma história…

– Mas eu não vou lidar com homens, dirá você, jovem professor de teatro, ou o diretor preocupado de uma escola da periferia. São apenas crianças, adolescentes, carentes, em situação de risco.

E eu lhe respondo:

– Não, não, não! São homens e mulheres, sim! Cidadãos como eu e você, seres humanos em toda a sua plenitude. Tratá-los de outra forma é infantilizá-los, manipulá-los, considerá-los seres inferiores, privados da capacidade de entender as coisas, como bem pouco tempo atrás se fazia com as mulheres!

Com esses homens e mulheres em formação, vamos fazer o melhor que podemos fazer com o teatro. Os clássicos, as histórias eternas da humanidade, e a memória cultural da nossa região.

Vamos montar Shakespeare, por que não? Não o texto integral, mas os enredos, as histórias: a história do amor proibido de Romeu e Julieta, da ambição de Macbeth, do sofrimento existencial de Hamlet, das incertezas do amor em Sonho de Uma Noite de Verão, e da esperteza em O mercador de Veneza, do ciúme de Otelo. Essas histórias são eternas e seus protagonistas não são reis ou príncipes, mas homens e mulheres iguais a qualquer um de nós.

Vamos montar outros clássicos, como suas histórias imortais: a avareza e cobiça, em O avarento e a hipocrisia, em O tartufo, de Moliére; a corrupção n’O Inspetor geral, de Gogol, a incapacidade do homem em fugir ao seu destino no Édipo Rei, de Sófocles, a incomunicabilidade entre as pessoas n’A Cantora Careca, de Ionesco. Vamos montar Brecht, cujo teatro intensamente poético abre espaço para a reflexão e a discussão através do mecanismo do distanciamento.

Vamos montar autores brasileiros, como Martins Pena, Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Dias Gomes, Millor Fernandes.

Vamos montar os autores nordestinos: Ariano Suassuna, Paulo Pontes, Altimar Pimentel, Braulio Tavares, Lourdes Ramalho, Racine Santos.

E se nada disso bastar, ou for suficiente, temos ainda o universo inesgotável do romanceiro popular nordestino, dos folhetos da literatura de cordel, com suas histórias imorredouras; O Pavão Misterioso, O Cachorro dos Mortos, A Louca do Jardim, Juvenal e o Dragão, ou A História do Marido que Trocou a Mulher por uma Televisão a Cores.

O que funciona como prevenção à droga, à violência, ao abuso, na escola, é o teatro não na sua temática, mas na função agregadora e coletiva do fazer teatral propriamente dito, dando noção de objetivo, organização do tempo, horários, disciplina, sentido de grupo, de construção coletiva, elevação da autoestima, liberação da fantasia. Tudo isso que o teatro proporciona deve ser mais vantajoso para o jovem do que a lição de moral proposta pela peça de mensagem.

O teatro, minha gente, na escola, ou seja onde for, não é para ensinar nada a ninguém. O teatro é para levantar o véu que separa o visível do invisível que há em todos nós. O teatro é para fazer sonhar, instigar, emocionar, comover, fazer com que nos aproximemos, cada um, da nossa própria humanidade.

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Este artigo foi escrito em 2008 e publicado no blog Teatro Vivo <http://teatrovivo.wordpress.com>
http://linktr.ee/ClotildeTavares
clotilde.sc.tavares@gmail.com
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Idade Média sem trevas

Clotilde Tavares | 11 de julho de 2023

Por que usamos os termos práticas medievais, prisões medievais, etc, em relação a coisas abomináveis, absurdas, atrasadas, reprováveis? Por que dizemos que a Idade Média é a “Idade das Trevas”? De onde saiu isso?

Quando estudamos, vemos que o medievo não é esse período obscuro e atrasado que habita nossa imaginação leiga, alimentada pela ficção cinematográfica e não por um conhecimento com base na ciência historiográfica. O que acontece é que visões negativas se cristalizaram e caíram no senso comum.

Então vejamos.

No século XVIII, surgiu na França o Iluminismo, movimento cultural baseado no racionalismo, feito pela elite intelectual europeia. Esse movimento tentou buscar um rompimento com a mentalidade medieval e acreditava na ideologia do progresso, na Razão, que iria iluminar as mentes das pessoas e expulsar as trevas da superstição e da ignorância que, no entender deles, vinha da Idade Média. Denominaram o século 18 como o Século das Luzes e passaram a chamar, por oposição, a Idade Média de Idade das Trevas. Hoje, essa denominação está sendo abandonada por ser considerada preconceituosa e sem fundamentação histórica.

Os estudiosos consideram que a passagem de uma idade a outra se dá através de uma continuidade, e não uma ruptura. Entre a Idade Média e a Idade Moderna, essa continuidade se deu através de processos lentos e graduais como o Renascimento, o Protestantismo, os Descobrimentos e a Centralização Política. Os elementos desses processos, concretizados na Idade Moderna, já estavam presentes no medievo.

Na Idade Média há o surgimento das corporações mercantis, das guildas de artesãos e comerciantes. Constroem-se de belas e suntuosas igrejas, e acontece também a reconstrução da ordem social a partir dos escombros do império romano. Os idiomas nacionais se consolidam, e surge a civilização ocidental cristã. Não houve trevas, mas a inauguração de um recomeço em uma Europa arrasada pela decadência. A própria democracia ocidental é muito mais de origem medieval do que grega, pois se baseia em esquemas contratuais e representativos nascidos nas monarquias feudais.

É ainda na Idade Média que surgem os governos representativos, o habeas corpus, os bancos, a contabilidade, a escrita musical, a imprensa e as universidades.

Também na Idade Média surgem os romances cantados, objeto do podcast ROMANCEIRO VIVO, em oito episódios, criado e narrado por esta locutora que vos tecla.

É só clicar aqui: https://youtube.com/playlist?list=PL2t2uTCTKKYEYQZVdREcvzctWuhy-Kta3

E a quem interessar possa, tem muito mais em FRANCO JUNIOR, Hilário. O Significado da Idade Média. In: A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo, Brasiliense, 1988, p 170-181.

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Este texto foi publicado originalmente no Facebook em 2 de março de 2023 <https://www.facebook.com/clotilde.tavares/>

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Dia Mundial do Trabalho

Clotilde Tavares | 11 de julho de 2023

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Alguns usos do livro

Clotilde Tavares | 11 de julho de 2023

Usos do livro? Como assim, pergunta você, meu razoável e esclarecido leitor. Livro é uma coisa que tem somente um uso, e que se resume à leitura do seu conteúdo. Você entende a importância da leitura, sabe que o livro é um veículo adequado à transmissão e à propagação do conhecimento; que é um objeto que tem muitas características, quanto a tamanho, aparência, número de páginas, e aos diferentes conteúdos, mas uso mesmo você não consegue imaginar outra coisa para fazer com o livro a não ser lê-lo, ou ignorá-lo, se for o caso em que o conteúdo não lhe desperte interesse. Nesse caso, coloca-se o livro em algum lugar e esquece-se dele.

Agora em abril contei os livros que tenho em casa. São cerca de 2.300, de todo tipo e gênero, e alguns eu tenho desde a minha mais antiga infância. Já tive mais, já tive mais de três mil, mas sempre estou doando. Pois bem: eu, que tenho livros em casa, vou lhe contar alguns usos deste objeto que você nem imagina, e que não têm nada a ver com o ato da leitura.

Quem tem TOC, mesmo na sua forma moderada, pode usar uma quantidade boa de livros para se distrair catalogando, colecionando, descobrindo formas de organizar o acervo. Organizar uma coleção de dois mil e tantos livros: supremo prazer. Isso requer toda uma operação prévia de planejamento, porque os métodos consagrados pela biblioteconomia jamais servem para os nossos próprios livros. A nossa forma não só é a melhor, como a mais funcional e produtiva, e a gente simplesmente não entende porque não é adotada ainda pelas grandes bibliotecas do país. E assim, começamos geralmente pelos critérios que iremos adotar para arrumá-los, como autor, estilo, ou gênero, clássicos ou contemporâneos, ensaio, poesia ou ficção, deixando juntos todos os de Cascudo, os de Borges, os de Suassuna, os de teatro – e agora, como fazer? O Auto da Compadecida fica junto com os de teatro ou com os de Suassuna? Devo comprar um segundo exemplar, para que nenhuma das categorias fique inferior à outra? E mergulhada nessas questões vejo passar a tarde, ou a noite, e a diversão é garantida.

Outro uso do livro é ocupar as mãos enquanto a cabeça precisa resolver um problema. Nesses casos, é preciso colocar uma mesinha auxiliar junto da estante, e ir tirando os livros da prateleira, com lentidão e carinho, um a um, folheando, revendo dedicatórias, procurando grifos antigos ou papeizinhos entre suas páginas, ou simplesmente tendo-os entre as mãos, distraída, como se alisasse o dorso de um gato ou brincasse com as orelhas de um cachorro. Os livros vão se amontoando sobre a mesa, a prateleira fica nua, pronta para o pano que vai tirar aquela poeira – e nada de pano úmido porque umidade não combina com livro. A cabeça, cercada pela afetuosa presença e manuseio dos livros queridos, fica relaxada, confortável, tranquila e de repente, voilá! Aparece a solução perfeita para aquilo que estava exigindo uma decisão, uma resposta, um encaminhamento.

Quando a leitora é jovem, os livros servem para assustar os namorados. Eu nunca compreendi porque aquelas criaturas cujos cérebros louros e bronzeados que só entendiam de marés e pranchas achavam que tinham que ler para poder namorar uma leitora. Entravam na minha casa e diziam: Mermão, vou ter que ler isso tudo? Era o comentário dos filhos de Poseidon, semideuses das ondas e dos ventos, ao se depararem com aquelas paredes cobertas de livros. Eu perguntava: Rapaz, eu vou ter que me equilibrar numa prancha e surfar? Claro que não, diziam. Aí eu encerrava: Então você não precisa ler tudo isso. Bora ali, bora conversar um assunto – e a gente ia brincar de Eduardo e Mônica.

Um dos meus usos preferidos para o livro é quando acordo de manhã e abro a porta do quarto para o resto do apartamento, cheio de livros, que passaram a noite ali, fechados, exalando e concentrando seu maravilhoso cheiro de madeira adocicada. Eu inspiro e encho o pulmão com o melhor perfume do mundo, odor de árvores antigas, de mel, de sementes doces, olhando aquelas lombadas amadas, berço de histórias lidas, relidas ou ainda não lidas, mas que já estão comigo, e que me cercam de doses de carinho e afeto cuja intensidade os humanos desconhecem.

Mas o melhor momento é quando paro a leitura porque um trecho me emocionou ou me fez refletir, e coloco o livro aberto sobre o peito, sincronizando meu coração com o dele. Desce sobre mim a calma dos abençoados, cerro devagar os olhos, e tenho a certeza de que, enquanto o mundo ferve lá fora, eles sempre estarão ali comigo e nunca, nunca, nunca irão embora, nunca me deixarão sozinha.

————-

***ALGUNS USOS DO LIVRO***
por Clotilde Tavares Publicado no dia 06/06/2023 no blog Típico Local <tipicolocal.com.br> e no Facebook

*A foto, feita na mesma data, mostra uma das minhas estantes.

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Imagine um hipopótamo

Clotilde Tavares | 11 de julho de 2023

Pablo Escobar, o traficante colombiano de quem a maioria conhece a história, era doido por animal selvagem e montou um zoológico particular na sua propriedade, mandando buscar no continente africano girafas, zebras, elefantes, dromedários, búfalos, cangurus, flamingos, avestruzes e outros.
Trouxe também hipopótamos. Alguns acabaram por fugir e ao que parece já são cerca de 120 animais, habitando em liberdade e causando desequilíbrio ecológico ao longo do rio Magdalena. Se você teclar no |Google <hipopótamos de Pablo Escobar> vc vai encontrar muitos artigos e repoetangens que dão detalhes do caso.

No Spotify, no link a seguir, você também encontra a canção “A Hipótese do Hipopótamo Tartamudo”, criação genial de Braulio Tavares, que merece uma “oitiva” atenta. De tanto acompanhar as CPIs incorporei o termo oitiva ao meu vocabulário corriqueiro. <https://open.spotify.com/track/52BBz1rxn3WtslVR8XYldp?si=Mr-WDs0ySQKKmuvI6xkD6w&context=spotify%3Asearch%3Abraulio%2Btavares%2Bhipopotamo>

Eu queria muito falar mais sobre esses animais espetaculares, pelos quais tenho fascinação e encanto; mas meus poucos leitores vivem reclamando dos meus longos textos (ah, vou publicar algo sobre isso em breve); por isso vou economizar para transcrever abaixo um texto poético sobre o portentoso bicho, pescado diretamente do Livro de Jó, Capítulo 40, versículos 15 a 23, na tradução publicada na Bíblia do Peregrino (Editora Paulus, 3ª. edição, 2011), tradução que recomendo a quem, como eu, lê este livro espetacular pelo seu valor histórico, poético e literário..

“… Olha o hipopótamo,
que eu criei como a ti;
come erva como as vacas.
Olha a força de suas ancas,
a potência do seu ventre musculoso
quando ergue sua cauda como um cedro,
trançando os tendões das coxas.
Seus ossos são tubos de bronze,
sua ossatura, barras de ferro.
É a obra prima de Deus,
só seu criador pode aproximar dele a espada.
Os montes lhe trazem tributo,
os animais selvagens brincam junto a ele;
ele se deita debaixo dos lótus,
e se esconde entre os juncos do pântano;
cobrem-no os lótus com sua sombra,
envolvem-no os salgueiros da torrentes.
Embora o rio desça bravo, não se assusta,
está tranquilo, ainda que o Jordão
espume contra seu focinho. …”

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O teatro orgyástico e antropofágico de Zé Celso.

Clotilde Tavares | 8 de julho de 2023
JOSE CELSO MARTINEZ CORREIA (1937 – eternidade)
Dyoniso, o deus do teatro, veio entre chamas e arrebatou-o para o Olimpo. Meu coração sangra. Em 2007, após vê-lo numa apresentação, escrevi o texto abaixo, que consta das referencias sobre o dramaturgo na Wikipedia.
*** Os trechos entre-aspas foram tirados dos programas das peças,
Postado no Facebook em 6 de julho de 2023
——-
***O TEATRO ORGYÁSTICO E ANTROPOFÁGICO DE ZÉ CELSO***
Se a pessoa for a São Paulo e não sair para lugar algum, não for ao cinema, ao shopping, ao teatro, não encontrar ninguém, não ler um só jornal nem ver TV, e mesmo sem ter feito nada disso for assistir a uma peça de José Celso Martinez Correia, a vivência desse espetáculo lhe garantirá uma experiência total da cidade, dessa urbe cosmopolita e corrompida, inocente e safada, amordaçada pelos grilhões da grana mas com doses industriais de vida e tesão pulsando a cada arquejo. A experiência intelectual, artística, estética e, sobretudo, existencial, oferecida por um espetáculo de Zé Celso e seu grupo Uzyna Uzona, sediados no espaço do Teatro Oficina à rua Jaceguay, 520, Bixiga, é inigualável. Aliás, eu não entendo por que o pessoal de teatro das cidades não freta um ônibus, ou avião, ou seja lá o que for e não vai ver “Os Sertões”, da mesma forma que o povo de música se organiza para ir ver Rolling Stones, U2 ou Madonna.
Zé Celso é uma síntese. Ele simboliza a pulsão primitiva e orgiástica de uma cidade, uma urbe viva, que se vende e se curva ante a força da grana que ergue e destrói mas mantém a resistência surda dos seus guetos e muquifos, das suas favelas, vilas e cabeças-de-porco, com seus saberes e prazeres bem longe do cardápio dos deleites oficiais dos engravatados. Ou seja, o público de Zé Celso vai ao seu teatro porque sabe o que se passa ali dentro, porque assume participar – e há muitas formas de participação – daquele acontecimento teatral, onde nos reconhecemos como “… uma só nação de alvorotados, endividados, individuados, destroçados, solitários, no inferno de Dante Marcola Jabor.” Ao mesmo tempo, numa espécie de milagre interno, nos reconhecemos também como “células humanas que contagiam o organismo do país apodrecido aprontando-o para regeneração e crescimento.”
E que teatro é esse? O que propõe, o que quer fazer? Começa com o edifício teatral propriamente dito do Teatro Oficina que não é um teatro tradicional, modelo italiano, com platéia, camarotes, palco e cortina, como 90% das pessoas pensa que são todos os teatros existentes. O Oficina, a rigor, é um corredor de trinta metros de comprimento, com seis metros de largura, e uma altura total de uns dez a doze metros. Encostados às paredes mais compridas, bancos de madeira, com um balcão acima deles onde cabem mais bancos, tudo com um metro de largura, o que reduz o espaço cênico a um corredor comprido, de trinta metros por três. Os atores se deslocam acima e abaixo desse corredor, com piso de terra, que tem uma parte em declive. Há ainda uma fonte, com água corrente, lugar para os músicos num pequeno palco e todos os espaços podem e são utilizados pelos atores e pela cena.
Mas não pense que é um teatro tosco. Os espetáculos dispõem de moderníssimos aparatos tecnológicos, som perfeito, luzes espetaculares, projeção digital, e uma das paredes dessa estrutura, num trecho de uns dez metros, é de vidro, mostrando por transparência os prédios de São Paulo. Uma árvore imensa, com seus 15 metros de altura, também cresce no local e foi incorporada à estrutura do teatro. Mais do que o espaço, porém, é o que se passa ali dentro, colocando José Celso Martinez Correia na galeria dos grandes nomes do teatro brasileiro, com um poder quase metaplásico de renovação, de crescimento, de surpresa, de novidade.
O espetáculo “Os Sertões” demonstra isso. A rigor, não é “um espetáculo”: é um complexo, uma “pentalogia” de cinco espetáculos, cada um deles com seis horas de duração. O épico euclidiano se transforma num épico brasileiro/universal, dividido em “A Terra”, “O Homem I”, O Homem II”, “A Luta I” e “A Luta II”. Nessas trinta horas há uma síntese completa da nossa história como seres humanos, pertencentes à Humanidade, como brasileiros, e como seres pulsantes, cheios de tesão, de dores, de amores, de ambições e quimeras, de maldades e momentos de ternura. Há um sentido profundamente shakespeariano na obra, quando trata da luta do homem com o seu destino, essência da tragédia. Para quem conhece Shakespeare, é um prazer sem igual desfrutar das referências e interpolações, estabelecendo essa ponte viva entre o homem shakespeariano, hamletiano, renascentista, e o homem de hoje, proposto e desejado pelo teatro de Zé Celso, um homem renovado, refeito, renascido, “desmassacrado”. Zé Celso explica que, um dia, cansados, esgotados de trabalho, os atores pensavam que iam fazer um espetáculo fraco. Mas nada disso aconteceu. “Atingimos no ser-estar, serestando nos sertões nesta noite uma tranqüilidade na execução da peça, um estado de inocência criativa com o público junto que nos fez experimentar sem poder definir ainda o ‘desmassacre’, ou mais precisamente, o início do desmassacre. Dentro deste mundo sob o Terror, o nascimento de um sentimento novo, o fim absoluto da paranóia, do estresse, para a continuidade desta felicidade guerreira.”
E o “desmassacre” não acontece somente com os atores. O público que está ali, durante as seis horas que dura cada um desses espetáculos, é incorporado em uma experiência cheia de epifanias que faz o tempo voar. Começa às seis horas da tarde, e quando você vê é meia-noite, o espetáculo terminou, todo mundo dançando e celebrando, e você não quer ir para casa, quer ficar ali, morar ali, incorporar-se àquela trupe de loucos, como o vigia do estacionamento que virou ator e é uma das mais belas figuras do espetáculo. Uma “rave” movida a endorfinas, movida a Tesão, movida a Alegria, movida a Arte.
O público que vai a “Os Sertões” é completamente diferente daquele que vai a ver “Sweet Charity” o musical onde Claudia(canta-dança-sapateia-e-representa)Raia oferece às platéias de novos-ricos que pagam R$ 60,00 para ver esta edulcorada história de amor. No Teatro Oficina pagamos R$ 30,00 (eu, como sou da classe teatral, só paguei R$ 10,00) mas a quantia é irrelevante para a qualidade da vivência que temos ali. Nada tenho contra o teatro de entretenimento, sobretudo quando é de boa qualidade, como provavelmente deve ser o espetáculo de Cláudia Raia. Mas o teatro, enquanto Arte, tem outros objetivos. O teatro, em sua acepção mais profunda, tem como finalidade levantar o véu que separa o visível do invisível e deixar-nos ver dentro de nós mesmos, ainda que por um instante, quem somos, de que matéria somos feitos. Isso o teatro de Zé Celso faz com maestria.
Se quisermos, podemos sair do nosso banco e entrar em cena junto com os atores, como figurantes da construção do arraial de Canudos, ou situações outras propostas pela peça. Podemos entrar em cena, nos misturar à ação, experienciar com vividez o que está acontecendo, como no antigos rituais dionisíacos onde os homens experimentavam diversas alteridades, incluindo a divindade. Ser deus por um minuto, quem não gostaria de? Mas nada disso é obrigado. Se você, como público, quer ficar sentado no seu lugar, ninguém lhe aborrece, nem lhe obriga a nada. Mesmo assim, o véu se levanta e a pessoa que entra naquele espaço e comunga com aquela ação jamais sai dali a mesma. Sai se conhecendo mais, integrando suas experiências num outro nível, entendendo melhor seu semelhante, desfrutando mais dos seus momentos de Alegria e Tesão, sabendo-se homem, mulher, “demasiadamente humano… para a produção de uma paz sem pieguismo, uma paz de criação por devoração antropofágica e de vitória sobre o mais forte, não em poder de estrutura, dinheiro ou armas, mas em poder da presença trans-humana. Aqui se luta pelo apaixonamento da condição contraditória humana, através do re-apaixonamento pelos homens do seu planeta quase inviável, em sua Terra.”
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A convalescente

Clotilde Tavares | 8 de julho de 2023
Pode ser uma imagem de 1 pessoa
Nas três ultimas semanas
Andei daqui muito ausente
Sem postar, sem escrever
Nem uma linha somente
Nesse tempo decorrido
Eu que sou apenas gente
Feita de carne e de sangue
Como todo ser vivente
Contrário à minha vontade
Passei do status de gente
Para outra condição
De também ficar doente
Mas logo mais em seguida
Mais do que imediatamente
Fui promovida de novo
De doente a paciente
Os doutores me ajudaram
Com remédios competentes
Logo depois de alguns dias
Tornei-me convalescente
A doença se acalmou
Mas o corpo ainda sente
Parei tudo o que fazia
Até ficar mais potente
Mais disposta e mais feliz
Mais risonha e mais contente
Muito mais armorial
Muito mais inconsequente
Arengueira e atrevida
Isso é o que vem pela frente!
Você que está lendo isso
Me aguarde, que de repente,
Eu volto a ficar saudável
Curiosa, impertinente
Engraçada e encrenqueira
E escrever diariamente
Aqui deixo abraço e beijo
E voltarei brevemente.
*** Postado no Facebook em 4 de julho de 2023
*** Nessa foto eu era a cigana Gipsy, em performance solo na Casa da Ribeira.
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