Blogueiros, trolls e censura
Clotilde Tavares | 25 de novembro de 2009Um blogueiro do Ceará foi condenado a pagar uma indenização por danos morais a uma pessoa que se sentiu insultada por um comentário postado no blog dele. É significativo também o grande números de comentários e pronunciamentos sobre esse caso onde as pessoas reclamam “da falta de liberdade na Internet” e da “censura disfarçada que ainda existe no Brasil.” A história toda pode ser lida aqui, e pretendo tomar esse caso como ponto de partida para uma discussão sobre a liberdade que deve ser dada aos comentaristas de um blog.
Faz tempo que estou conectada. Desde o início da Internet, quando não havia sequer a Web, e se usavam computadores ligados à rede telefônica apenas para trocar arquivos e bater-papo on line que estou mergulhada nessa maravilha tecnológica. Desde esses inícios, sempre entendi a Internet como uma ampliação do mundo, uma dimensão virtual de um mundo que até então se caracterizava apenas como mundo presencial. Desde então, o mundo virtual se consolidou e hoje, considerando ambos igualmente reais, penso que as regras de convivência que valem no mundo presencial devem valer também no mundo virtual, ou, se não for o caso, se adaptarem às novas situações criadas por essa interface.
O mundo da Internet, dito assim de maneira genérica para determinar tudo que é incluído no raio de ação das redes telemáticas de comunicação, inclui a web, o email, o chat, o MSN, o orkut, o twitter e agora o novíssimo googlewave, que eu também já estou lá meio sem saber direito o que é nem como funciona; mas estou lá, como se estivesse num quarto escuro, vendo aqui acolá uma luz e tateando pra me locomover.
Mas tudo isso, tudo mesmo, não existe sozinho: é mediado pelo ser humano, por mim e por você. Em cada computador está uma pessoa: lendo, escrevendo, navegando, acessando, twittando, deixando mensagens no orkut, conversando pelo MSN e agora surfando nas ondas – ou nas waves – do google. Por isso nenhuma das regras de convivência entre pessoas pode ser violada.
E do jeito que tem todo tipo de gente no mundo, tem todo tipo de gente na frente de um teclado. Muita gente quando está ali fica poderosa, destemida, corajosa, atrevida, e escreve coisas que não teria coragem de dizer em alto e bom som, principalmente na frente da pessoa a quem se destina aquilo que escreve. Ficou mais fácil insultar, soltar palavrões, ser grosseiro, mediado pelo meio eletrônico. E é aí que chegamos na nossa questão inicial: do que deve ou não ser permitido num blog. Ou melhor: o que é um blog.
Um blog é um veículo de comunicação. Existem blogs de todo tipo: institucionais, empresariais, de jornais, e de pessoas assim como eu, que gostam de escrever, que querem se comunicar. No meu caso, o meu blog é como uma extensão da minha sala, onde eu convido as pessoas para virem conversar comigo. Se, no meu prédio, eu encher a sala do apartamento de gente para conversar em altas vozes, soltando palavrões e fazendo barulho, eu sou responsável perante o condomínio pela algazarra. Cabe a mim escolher meus convidados e impedir qualquer tipo de ato que incomode os vizinhos – e a mim também, é claro.
O blog é igualzinho. Há um mecanismo de controle dos comentários exatamente para prever esse tipo de coisa. E não é censura não. É apenas um filtro social, o mesmo filtro aplicado nas relações humanas, uma peneira para impedir que eu mesma ou pessoas que me lêem, e que vêm aqui para desfrutar de um momento sadio de leitura e troca de idéias sejam agredidos por palavras chulas e insultos.
Quando escrevi aquele post sobre o comercial das sandálias havaianas, permiti todos os comentários que tinham idéias contrárias às que expressei no post, desde que fossem expressos em linguagem adequada. Os comentários que não deixei passar continham xingamentos e agressões gratuitas, a mim e aos outros internautas que comentaram. Se eu deixar passar, estou endossando e permitindo, e me arrisco a ser processada por alguém que se sentiu ofendido no espaço do meu blog – foi isso que aconteceu com o blogueiro cearense.
Há blogueiros que permitem todo tipo de comentário; há aqueles que não só permitem como respondem aos insultos, e há os que permitem, respondem e estimulam, fazendo com que o terreno do blog se torne um campo de batalha, atraindo com isso todo tipo de “troll” que existe por aí e aumentando o rank de visitas. Eu não tenho esse interesse.
Um desses “trolls”, chateado porque não publiquei seu comentário ofensivo, me enviou um email dizendo que eu era um “resquício da ditadura” e que não tinha “compromisso com a notícia e com a liberdade de expressão.” Eu vivi durante a ditadura militar e sei o que é censura e repressão. O que foi feito naquela época nem de longe se compara a moderar comentários agressivos enviados a um blog. Quanto ao “compromisso com a notícia” não tenho mesmo. Não sou jornalista, meu blog não é jornalístico.
“Compromisso com a liberdade de expressão” eu sempre tive e sempre terei, desde que tenha bem claro na minha mente – e isso todo mundo que escreve deveria ter – onde acaba a minha liberdade e começa a do outro. Quando falta o respeito e a cordialidade, perco todo o meu direito de defender e firmar qualquer opinião e fico igual a qualquer um desses “trolls” que estão soltos por aí, exercendo a “liberdade” do insulto gratuito e a “democracia” da cafagestice e da agressividade.
Clô, amada…
Como sempre, possuidora das palavras perfeitas para discorrer sobre temas que povoam nossos pensamentos, mas a gente não sabe como traduzí-los exatamente.
A este seu texto digo AMÉM!
Bjs..
A Quintavares está suspensa. E eu, seguindo princípios funcarteanos, avisei a todo mundo pelo twitter, que anda fazendo as vezes de jornal.
Quando tinha um blog (que Deus o conserve bem ao seu lado), minha regra para insultos era a seguinte: só valiam se fosse para mim! E palavras de baixo calão, ou médio ou subterrâneo, só se fossem como uma exclamação, ou algo do tipo: ‘c…!, que massa!’.
Marcelino Freire tinha uma definição ótima para invasão de trolls. Ele deixava rolar todo tipo de comentário no blog dele, até que rolou aquela baixaria quando ele passou uns dias sem aparecer para ver o que estava rolando. Ele disse que parecia que alguém tinha entrado na casa dele e ‘funcarteado’ no meio da sala.
É bem por aí mesmo.
Um abraço do seu leitor (e órfão das Quintavares).
Clotilde,
Todo o meu apoio a você. Também acho que na internet também precisamos respeitar do mesmo modo que respeitamos no real.
Vejo pessoas dizendo o que querem com outras e depois achando ruim quando são ameaçadas de processo, respaldando-se numa “pretensa” liberdade de expressão. Tudo tem limite e o outro, sendo ou não tudo aquilo que dele disseram, tem o direito constitucional de se defender e querer que o agressor prove o que diz.
Outra coisa que acho um horror são pessoas que copiam textos inteiros ou parte deles de outras na internet e colocam seus nomes como se delas fossem. Não se dão ao trabalho nem de dar o crédito a quem escreveu.
Abraços!
Essa é uma questão que me preocupa o tempo todo. Leio muitos blogs e vejo os absurdos que as pessoas escrevem nos comentários e que os blogueiros, por medo de parecerem “antidemocráticos” ou “censores”, deixam rolar. Grata pelo comentário.
Clotilde,
Você conseguiu colocar os “pingos nos is”. Essa questão posta acima merece todos os temperamentos possíveis: o social, o jurídico, o ético… Você conseguiu dimensionar bem todos eles.
Atenciosamente,
Lívio
Não concordo com o conceito de crítica construtiva, ou crítica destrutiva. Toda crítica é construtiva. Gostei, nao gostei, é fraco, é ruim, tudo isso é apenas opinião e é dessa maneira que deve ser vista. A crítica supõe argumentos e, dependendo da força e da adequação desses argumentos, ela contribui mais ou menos para melhorar o trabalho. Se você olhar os primeiros posts deste blog, pode notar que naquele tempo eu escrevia de um jeito que fui mudando aos poucos, por causa exatamente de críticas, que aceitei, assumi e vi que estavam certas. Na hora é meio chato, mas quem quer melhorar respira, relaxa, absorve e se corrige…
Oi, Clotilde! Tem tempo que não apareço por aqui, mas sempre leio os seus textos…
Eu tive que vir postar nesse porque achei perfeito. Um “touché” como exclamou o leitor acima.
É engraçado como as pessoas tratam o mundo virtual como real em várias coisas, mas no respeito ao outro não.
Outra coisa que acho falta de educação são pessoas que vão comentar apenas para avacalhar o trabalho da pessoa com frases como ruim, fraco, sofrível, etc e acham que isso é uma crítica construtiva e que deve ser aceita na boa, do contrário você é fresco e quer que todos só te aplaudam… Complicado.
Enfim, excelente texto!
Touché!