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Um desmantelo verde

Clotilde Tavares | 1 de abril de 2010

“Então pintei de azul os meus sapatos / por não poder de azul pintar as ruas…”

Assim Carlos Pena Filho, poeta enorme, enormíssimo, começa seu “Soneto do desmantelo azul” que ouvi tantas vezes recitado pela voz rouca e forte do meu pai. Carlos Pena Filho é um poeta pernambucano, e um dos meus dez poetas maiores, se eu fosse fazer uma lista. Aqui, em outra ocasião, já transcrevi poema dele muito inspirador nessa minha vida que agora se desenrola sob o delicado véu da terceira-idade.

Mas voltemos ao desmantelo azul.

Eu, doida por novidades, fui fazer as unhas terça-feira, antes de ontem. Aí inventei de pintar uma cor absolutamente escandalosa, diferente, que não tivesse nada a ver com aquilo que à primeira vista eu dou a impressão de ser.

E embarquei num desmantelo verde cintilante, pintando as unhas de uma cor tão berrante que ultrapassa qualquer tipo de mau-gosto. Minha filha odiou; mas fez a ressalva de que não gosta desse tipo de cor nem em adolescentes.

Mas eu fiz sucesso. Onde eu chego as pessoas se aproximam para olhar minhas unhas (ah, e também pintei as unhas dos pés). No supermercado ontem foi um auê, com todas as terceira-idades que encontrei dizendo que iam aderir ao verde.

A vida é boa por causa dessas coisas diferentes e malucas que a gente faz. E o melhor de tudo é que, quando finalmente me aborrecer do desmantelo verde, um algodão com acetona resolve o problema de forma rápida, fácil e indolor.

Fique então com o Soneto do Desmantelo Azul, e com a foto do desmantelo verde.

SONETO DO DESMANTELO AZUL, de Carlos Pena Filho

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas,

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.

Você encontra o soneto aqui.

E agora, o DESMANTELO VERDE…

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Carlos Pena Filho, soneto do desmantelo azul, terceira-idade, unhas cintilantes
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Big Brother Brasil – O manual de comportamento

Clotilde Tavares | 31 de março de 2010

Ontem acabou o BBB, o BigBrotherBrasil 2010.

Eu sei que acabou por causa do Twitter, onde algumas das pessoas que sigo ficam freneticamente comentando o que está acontecendo no BBB. Eu mesma não assisto nem ao BBB nem ao restante da programação da TV aberta, só eventualmente um ou outro noticiário.

O que me deixa de queixo caído é o grau de envolvimento com esse tipo de programa demonstrado por gente que eu conheço e que considero com bastante noção. Eu respeito muito as escolhas e as preferências dos meus amigos, mas não posso dizer que entendo.

Para mim, eu disse para mim, o BBB é a soma de tudo que existe de baixo nível na TV brasileira, e que veicula valores absolutamente deturpados, o que termina por reforçar nas pessoas esses valores. Um monte de gente sem instrução, sem saber falar direito, cuja energia gravita em torno de sexo e competição – nada contra um ou outro, somente contra a forma como as pessoas são manipuladas pela mídia para expressar isso.

Ainda tenho que ouvir meus amigos discutindo sobre o que Pedro Bial disse! Minha gente, o que Pedro Bial diz é um risco na água. Não tem a menor importância nem permanência.

Mais ainda uma coisinha, que tem tudo a ver com isso que estou dizendo..

Nesse verão, um dia desses, fui a uma praia um pouco distante da cidade. Fiquei impressionada com o comportamento das hordas de banhistas e veranistas quando o assunto é usar o espaço público, o espaço coletivo, o espaço que é de todos e que parece, em certos momentos, pertencer apenas àquele que o usa de forma a perturbar todo mundo, coisa que somente ele não chega a perceber.

Param o carro no meio das estreitas vias enquanto a mulher calmamente tira a areia dos pés, calça as sandálias, veste a camisa no menino, dobra a cadeira, a toalha… e a fila de carros se encompridando atrás enquanto o sujeito esta lá, parado, esperando que a madame venha até o carro.

A pessoa que estava comigo comentou que deveria haver um manual ensinando as pessoas a se comportarem em público. Respondi que, se houvesse esse manual, as pessoas não saberiam ler; se soubessem, não o compreenderiam; se o compreendessem, não se importariam com ele.

Depois, refleti melhor e vi que o manual já existe, as pessoas o lêem diariamente e se comportam segundo ele. São os programas como o Big Brother, as músicas que transmitem o desrespeito e a vulgaridade, e o noticiário da TV, que mostra a impunidade, a corrupção, a safadeza e a bandalheira que corre solta no país. O povo vê, e reproduz. Infelizmente.

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BBB, Big Brother, comportamento humano, Pedro Bial
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Estar pronto é tudo

Clotilde Tavares | 23 de março de 2010

Estou  fazendo umas aulinhas de inglês. Nada demais, apenas a velha “conversation class”, porque pretendo viajar daqui a algumas semanas e preciso perguntar às pessoas como pegar um ônibus, quanto custa tal produto, a que horas o museu fecha e onde posso encontrar comida sem glúten.

Desde os onze anos de idade que faço aulas de inglês. No colégio, fazendo parte do currículo de primeiro e segundo grau, foram oito anos. Fiz também Cultura Inglesa, quando adolescente. Ouvi (e ouço) muita música em inglês – o rock sempre fez parte da minha vida – e os  filmes e revistas nesse idioma sempre estiveram misturados com meu dia-a-dia. Depois, na Faculdade, estudei muito em livros em inglês e estudei o chamado “inglês instrumental” – que é aquele tipo de inglês voltado para termos e expressões dentro da minha profissão, no caso a Medicina, que exerci até 1990.

Com a Internet, que frequento assiduamente desde 1992, o idioma incorporou-se definitivamente ao meu cotidiano, de tal forma que muitas vezes me perguntam se determinado software que uso é em inglês ou português e eu não sei responder.

Mas toda essa prática sempre foi voltada para a leitura, para a compreensão e expressão da palavra escrita. Na hora de falar, ou pior, de entender o que me dizem, eu fico muito abaixo da média.

Quando tento conversar a coisa se complica e fica ao mesmo tempo muito engraçada. Isso porque, durante as aulas, eu não abro mão de dizer em inglês nada do que vem à cabeça, como se estivesse numa conversação livre na minha língua materna. Depois de uma meia hora disso, fico simplesmente extenuada, cansada mesmo, porque o processo exige de mim uma atenção, uma concentração, uma prontidão extrema.

É como aprender a dirigir: quando é no ínício, a gente precisa ficar atento à troca de marchas, pressão nos pedais e acionamento de luzes e sinaleiras que, na sequência, se tornam comportamentos automáticos e deixam de nos preocupar.

Por enquanto, a minha conversation class me exige extrema atenção, um estado permanente de alerta, de prontidão, de “readiness”, conceito tão bem traduzido na frase de William Shakespeare em Hamlet, Ato V, Cena 2.

“Not a whit, we defy augury; there’s a special Providencein the fall of a sparrow. If it be now, ‘tis not to come, if it be not to come, it will be now; if it be not now, yet it will come. The readiness is all.”

ou

De modo algum; nós desafiamos o agouro; há uma providência especial na queda de um pardal. Se tiver que ser agora, não está para vir; se não estiver para vir, será agora; e se não for agora, mesmo assim virá. O estar pronto é tudo. (Na tradução de Ana Amélia Carneiro de Mendonça)

Então, em busca do “estar pronto”, do falar sem precisar raciocinar escolhendo palavras e do pelejar para estropiar o mínimo possível o idioma de Shakespeare, fico por aqui, com um singelo “See ya!”

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aprendendo inglês, conversation class, estar pronto é tudo, Hamlet, prontidão é tudo, readiness is all, Shakespeare
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Pior do que o soneto

Clotilde Tavares | 19 de março de 2010

Nesta semana vimos nas telas da TV, nos noticiários, o caso da mulher que, segundo denúncias, esmolava usando a filha. Vimos como, através de uma denúncia anônima, a autoridade judicial ordenou o recolhimento da criança a um abrigo.

Vimos também que, entre a letra e o ato há diferenças, nesse caso nada sutis. A ordem judicial foi executada com extrema brutalidade, sem respeitar os sentimentos da criança e da mãe, separadas com força física e sem a presença de suporte psicológico para ambas. A policial que recolheu a menina usava uma arma na cintura, e penso – não sei se com razão – que qualquer pessoa que lidar com uma criança não pode estar ao mesmo tempo usando uma arma. Além disso, a policial entrou com a criança no colo no banco da frente do carro, e esse carro arrancou bruscamente, saindo em velocidade, contrariando frontalmente as leis de trânsito. A profissional da unidade que abrigou a criança condenou a forma como a ordem foi executada; e todo o Brasil ficou constrangido com a brutalidade.

Um detalhe não me escapou: a mãe é uma cigana, e também não me escapou toda a carga de preconceito que existe contra essa cultura, que não conhecemos, não entendemos e tememos. Associamos sempre os ciganos com ladrões e vagabundos, raptores de crianças e outras bobagens, percepção essa reforçada por uma literatura romântica e sem fundamento na realidade.

É claro que só estou falando de tudo isso porque havia, na hora, uma câmera para filmar o acontecido e em seguida colocar tudo em rede nacional de televisão. A minha pergunta é: quantos abusos desse tipo existem por aí, com ordens que na letra da lei parecem limpas e razoáveis mas que na prática são executadas de forma errônea, cruel, desastrosa, com mais prejuízo para os implicados do que se permanecer a situação original?

O Brasil está ainda engatinhando nessa área de proteção aos direitos de crianças, idosos, portadores de deficiência e outros grupos considerados vulneráveis. É preciso evitar que, na ânsia de resolver uma situação que aprece inaceitável não se crie outra mais inaceitável ainda. É preciso evitar que, nesses casos, a emenda se torne pior do que o soneto.

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Ô preguiça…

Clotilde Tavares | 16 de março de 2010

As pessoas gostam de dizer que a necessidade é a mãe da invenção. Ou seja: inventa-se algo porque se precisa desse algo. Mas tenho pra mim que outra sensação precede a necessidade, vindo antes, e que parece ser a real e determinante causa de todas as invenções da tecnologia que hoje dominam a nossa vida. Essa sensação é a preguiça.

Afirmo, sem medo de errar, que a invenção nasce diretamente do nosso desejo de facilitar as coisas, da nossa busca de fazer o máximo com o mínimo de esforço possível.

Cansado de caminhar de um lado para o outro, o homem primitivo descobriu que podia escorregar com pouco esforço sobre o solo, se a superfície fosse suficientemente lisa; surgiu daí o trenó, que deslizava maciamente sobre o gelo, não se adaptando porém a terrenos mais ásperos.

Para estes, aparece então a roda, com os diversos veículos que aumentavam a capacidade do pé, do passo humano. Todos os carros, carruagens, máquinas a vapor, locomotivas, trens, navios, patins, bicicletas, motocicletas, skates, elevadores, escadas e esteiras rolantes, naves espaciais, bem como pontes, estradas, viadutos, tudo, tudo, foi criado em seqüência, motivado pela preguiça inicial do nosso antepassado de ir de um lugar a outro pelos próprios pés. O curioso é que pelo uso exacerbado dessas “extensões” dos pés, nos tornamos sedentários e, para compensar, temos que caminhar horas sem sair do lugar, nas esteiras das academias de ginástica.

Quer ver outro exemplo? Cansados de gritar até ficarem roucos para se comunicar uns com os outros à distância, os nossos peludos bisavôs dos antigos tempos começaram a percutir um tronco oco com um bastão; daí, inventaram uma linguagem sonora que ia aonde o grito não alcançava. Vieram na seqüência os sinais de fumaça, as buzinas de chifre, os sinos, as cornetas e trombetas, o megafone, os faróis (que equivalem a um grito noturno), a escrita, o pombo-correio, o correio propriamente dito (que leva a voz nas palavras a lugares distantes), os diferentes sistemas de sinalização usando bandeiras, espelhos, e outros artefatos, até o telégrafo, o rádio, o jornal, o telefone, a televisão, o cinema, e esta espetacular junção dos computadores e telefones que constituem as redes telemáticas e que, através da Internet, envolvem o planeta, levando a voz de cada um de nós aonde queiramos que ela vá.

No escuro das noites antediluvianas, depois de se esforçar em vão para enxergar, o homem inventa então os meios artificiais de iluminação: a fogueira, a vela, a tocha, as lâmpadas a óleo, os lampiões, os diversos tipos de gás para iluminação, os óculos, o holofote, o telescópio o microscópio, a lente de aumento, a fotografia, o cinema e a televisão (de novo, junção de voz com imagem) e os espetaculares telescópios astronômicos que enxergam até onde a gente pensava que não existia mais nada.

Uma viagem, meu caro leitor, essa de imaginar o que podemos inventar quando a preguiça bate e queremos fazer as coisas mais fáceis e mais agradáveis. Como eu, hoje, ainda convalescendo dos abalos à minha coluna vertebral, combalida pela idade, cheia de preguiça de escrever, que fui buscar inspiração num velho livro de infância, chamado “História das Invenções”, de Hendrik van Loon, da Editora Brasiliense, que, com a data de 1959, me acompanha até hoje. Lá, você encontra essa história toda, em detalhes e livre dos meus nem sempre sensatos comentários. Foi lá que pesquei essas idéias pra você. Por pura preguiça.

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Hendrik van Loon, invenção, preguiça
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Brincando de pobre

Clotilde Tavares | 26 de fevereiro de 2010

Hoje, trafegando pela Avenida Engenheiro Roberto Freire (para quem não mora em Natal, é uma das principais avenidas da cidade, que dá acesso à praia de Ponta Negra) fechei logo  o vidro do carro e fechei a cara, esperando o sinal abrir para que eu pudesse continuar sem ter contato com eles. Não adiantou. Dois deles, sujos, descalços, sem camisa, maiores do que eu e chegando mais perto do carro do que eu gostaria, bateram no vidro:

“Tia, tem um trocadinho aí?”

“Eu não sou tia de vocês”, respondi. “Se fosse, vocês não estariam se submetendo a esse papel ridículo e desrespeitoso com quem realmente precisa pedir esmolas para viver.”

Pois é, meu caro leitor. Os universitários “em trote” atacam novamente. Rapazes e moças, recém-aprovados no vestibular, estão espalhados pelos semáforos da Zona Sul a pedir uma “esmolinha”. Para isso, os colegas os despojam dos sapatos, os rapazes ficam sem camisa e todos têm os rostos e os braços sujos de tinta. Ombro a ombro com os pobres de verdade, que ali estão para limpar os parabrisas dos carros ou pedir esmolas, esses filhos da abundância riem, divertem-se e parecem estar tirando muito prazer da brincadeira.

Acredito que o fato se repita por muitas capitais brasileiras e já escrevi muito sobre isso, quando tinha coluna fixa nos jornais de Natal. Sempre critiquei essa atitude, esse “trote” de mau-gosto, essa falta de caridade com aqueles que precisam pedir de verdade. Causa-me espanto a naturalidade com que quase todo mundo encara uma coisa dessas. Causa-me espanto os pais desses jovens não se tocarem da crueldade da atitude deles, do acinte que ela representa frente àquelas pessoas que estão ali, lutando pela sobrevivência.

Será que os organizadores desses “trotes” não conseguem pensar em algo mais criativo? Se não querem doar sangue nem empregar parte do seu tempo em uma atividade comunitária qualquer, por que não realizam uma atividade artística ou cultural dentro da própria universidade? Se o espírito do trote é expor os calouros a uma situação vexatória, porque não os colocam para cantar, dançar ou representar, mesmo que não saibam fazer isso direito? Ou por que não pedem esmolas dentro do próprio recinto da universidade, onde os pobres de verdade não podem entrar?

Lembro-me dos trotes universitários em Campina Grande, na época pré-1964, onde era organizado um grande desfile pela cidade com críticas ao governo e às autoridades. Cartazes, faixas, estudantes fantasiados, tudo servia. Os “feras” eram conduzidos amarrados, dentro de um cercado, sujos e maltrapilhos. O desfile era cheio de criatividade, com paradas para apresentação de sketches teatrais e a cidade parava para vê-lo. Depois, a ditadura militar acabou com a farra e quando veio a abertura o costume não foi retomado. Nos últimos anos o que se vê nos trotes é isso: mau-gosto, grosseria e, em alguns casos, como já aconteceu em outras cidades, grandes orgias terminando em morte.

Sei que quem organiza esse tipo de brincadeira não é leitor deste blog. Mas quero mesmo assim sugerir duas opções como alternativa para a “brincadeira de pobre”.

A primeira é que cada um desses jovens leve um pobre de verdade para “brincar de rico” pelo menos por um dia. Banho, roupa nova, uma volta no shopping, umas comprinhas, um cinema, uma volta de carro pela orla…

A segunda opção é a que me agrada mais, embora seja mais radical: pegar cada um desses mocinhos bonitos ou patricinhas deslumbradas que estão brincando de pobre, tirar deles o celular, o dinheiro, os documentos e a chave do carro e soltá-los numa favela, às dez horas da noite, pra ver eles se virarem em outro ambiente que não seja o deles.

Mas sei que de nada adianta tudo isso, caro leitor. Sempre que houver vestibular, vamos ter que apelar para a paciência e conviver com isso. Há alguns anos, quando comecei a observar esse fenômeno, eu ficava preocupada porque sentia que aquelas criaturas sem noção iriam estar futuramente ocupando cargos no poder, atuando na política, dirigindo as universidades, julgando nas cortes, dirigindo os hospitais, e – pior, muito pior – nas salas de aulas ensinando aos nossos filhos e netos.

Hoje, esse triste futuro já se tornou realidade e basta você observar direitinho as pessoas que estão em destaque no seu município ou estado, principalmente aqueles que estão na faixa dos 30 a 40 anos, para constatar que muito deles são os “sem-noção” que há dez anos pediam esmola nos sinais.

Quanto aos pobres de verdade, continuam lá, nos sinais, pedindo esmola o ano todo. E isso não é nenhuma brincadeira.

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"Self-self"

Clotilde Tavares | 24 de fevereiro de 2010

Volta e meia estou aqui de novo falando sobre as palavras, porque elas são para mim a coisa mais preciosa que existe. As palavras são meu ganha-pão, minha diversão, meu roçado, meu video-game, minha glória e a minha agonia. Tudo que faço, faço em torno delas e, para mim, seria o caos se eu não pudesse mais lidar com elas, de uma forma ou de outra. Sempre serei feliz se puder ler; se não puder ler, se não tiver livros, um lápis e um papel para escrever preencherão todos os meus desejos. E sem nem isso me for dado, tenho o juízo para inventar histórias e escrevê-las mentalmente, como o faziam e fazem os poetas populares da minha terra nordestina. E, finalmente, posso recitar mentalmente tudo que sei decorado, por horas e horas, para me distrair, como meu pai fazia depois que a velhice destruiu toda sua capacidade de ler e escrever.

Pois bem: sobre palavras, muitas vezes vejo coisas curiosas sobre a forma das pessoas se expressarem, principalmente aqueles que não fazem parte dessa nossa cultura letrada, aqueles que vivem e trabalham na área da oralidade. Num mundo oral, de comunicações não-escritas, quando se precisa escrever alguma coisa vemos coisas engraçadas e curiosas, mas também profundamente tocantes e enternecedoras.

“Seelf serfe 5,00 reais, com direito a 2 pedaço de carne outro pedaço 0,80”; “Ceja bemvindo e esprimente a lingüiça”; “Fexe o portão”, são frases que eu entendo, você entende e qualquer um entende mas que não se adequam à norma culta adotada e aceita pela cultura oficial. São pessoas comuns, pessoas do povo, tentando se incluir num meio onde o boca-a-boca não funciona mais e é preciso avisar à clientela os detalhes do negócio.

Antes não precisava de cartaz, não precisava de nada disso. O camarada chegava na bodega da esquina, onde, conversa vai, conversa vem, se falava que lá em Maria de seu Zé de Quinca tinha uma galinha torrada de dar água na boca. E era cada prato de comida que dava pra comer três pessoas. O freguês ia, pedia, Dona Maria trazia a galinha com todos os acompanhamentos e o trabalho era somente deliciar-se com a iguaria.

Mas os temos mudaram e veio a comida no peso, o auto-atendimento, o famoso “self-self”, como já vi escrito também em outro lugar. E as pessoas precisam se incluir nesse mundo mágico e misterioso dos letreiros e cartazes, complicado pelas palavras em língua estrangeira que permeiam nosso cotidiano. O cara que anuncia no balcão da lanchonete “We speak inglish” está se adaptando aos novos tempos, à penetração cada vez maior do turismo, e provavelmente fala inglês mesmo, e bem, e consegue se comunicar com os estrangeiros apesar de não dominar a língua escrita.

Fazer o quê? É isso mesmo. Devagarinho, devagarinho, as coisas se equilibram, uns aprendem a escrever em inglês, outros colocam um anúncio “Sirva-se você mesmo”, que é uma tradução tão brasileira quanto adequada do “self-service”. Outros anunciam “almoço no peso”. E se for mesmo dona Maria quem estiver pilotando o fogão, o prazer gastronômico é garantido porque talento não tem idioma nem nacionalidade.

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Similia similibus

Clotilde Tavares | 22 de fevereiro de 2010

Na década de 1970, quando eu fiz Faculdade, a Homeopatia era considerada crendice, superstição ou, no máximo, em palavras muito favoráveis, conhecimento tradicional mas sem comprovação científica.

O tempo passou, as coisas foram mudando e hoje a Homeopatia é ensinada nas escolas e  considerada uma especialidade média. Os médicos que a praticam também não podem mais ser acusados de charlatanismo. Da mesma forma que a Homeopatia, outras práticas tradicionais como a Acupuntura, por exemplo, saíram da clandestinidade e hoje são aceitas e desenvolvidas.

Como professora do curso de Medicina, de 1976 a 1992, eu eventualmente fazia parte do Colegiado do Curso e lembro de uma ocasião em que foi discutido o assunto. O que se alegava era que os medicamentos homeopáticos, por serem excessivamente diluídos, não continham quantidade terapêutica da substância que supostamente causa a cura; e os padrões energéticos que os homeopatas alegam ser responsáveis pela cura não podem ser comprovados cientificamente.

Não quero entrar no mérito da discussão, isso mesmo porque na minha cabeça ela já está superada ao longo desses 30 anos em que vi a Homeopatia ser praticada sempre com responsabilidade e com sucesso.

O que me parece é que voltei esses mesmos 30 anos atrás no tempo quando assisti ao Jornal Nacional nesta segunda feira. Uma matéria mostrou que na Inglaterra, o parlamento britânico através de um relatório da sua Comissão de Ciência e Tecnologia afirma que os remédios homeopáticos não têm eficácia, são inócuos e, se curam, é por efeito psicológico, a exemplo dos placebos. Continua afirmando o relatório que as explicações cientificas que procuram referendar a homeopatia não são convincentes e recomenda que o governo não ofereça mais essa opção nos serviços públicos de saúde.

Parece que a tal comissão não levou em conta todos os estudos igualmente científicos que vem sendo realizados ao longo dos anos e que comprovam a eficácia da homeopatia. Eu, que já vivi muito, desconfio de quando vejo parlamentares subitamente interessados numa questão desse tipo, como essa levantada pelo parlamento britânico. Como a homeopatia é uma opção terapêutica barata e com nenhum efeito colateral, sinto cheiro de influência do lobby farmacêutico alopático por trás disso tudo.

Sou usuária eventual da homeopatia e considero que sua indicação é de primeira escolha em certos tipos de problemas de saúde. Como não faz mal, não vejo motivo para criticar seu uso a não ser, é claro, o motivo financeiro de quem sempre quer lucrar mais com a doença dos outros.

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Acabou o horário de verão!

Clotilde Tavares | 21 de fevereiro de 2010

Há uma anedota muito antiga que vi em um velho filme de caubói, não me lembro qual. A história era sobre um índio que, chateado porque seu cobertor era pequeno, cortou um pedaço dele e costurou na outra ponta, para que ficasse mais comprido.

Assim é que eu vejo o horário de verão, que felizmente acabou. O dia continua tendo as mesmas vinte e quatro horas; as coisas que precisam do claro ou do escuro para acontecerem continuam acontecendo do mesmo jeito, como aquelas pessoas que têm o costume de acorda cedinho quando o dia começa a clarear, não importa se é seis, cinco ou quatro horas da manhã. O perigo das ruas também continua atrelado à escuridão, não importando aquilo que o relógio está marcando.

No Brasil, há um horário muito importante que é o da nossa maior emissora de televisão. O horário global domina várias instâncias de nossas vidas, queiramos ou não. Marcamos compromissos depois do Jornal Nacional ou da novela das oito – que nunca começa às oito. Neste ano, a rede Globo alterou a ordem dos programas e, durante algum tempo, tivemos o Jornal Nacional, depois a novela das sete e só depois a novela das oito. Então aqui no Nordeste, onde não precisamos alterar o relógio, somos afetados do mesmo jeito por causa das mudanças na programação televisiva.

Como gosto muito de Televisão e acompanho a programação da TV por assinatura, tenho por hábito, no início do horário, enquanto me acostumo às mudanças, manter na parede um relógio no horário de Brasília – ou seja, uma hora à frente – para não perder meus programas favoritos. Esse relógio adiantado também me ajuda quando preciso ligar para meus irmãos, que moram no Rio e em São Paulo, e também para outros telefonemas importantes. Por outro lado, o relógio uma hora adiantado criou algumas complicações, sendo a maior delas comigo mesma, que muitas vezes pulo de susto pensando que estou atrasada sem me lembrar de que eu mesma adiantei o relógio.

Isso me lembrou a casa de Mamãe, em Campina Grande. No horário de verão ela mantinha compromissos que seguiam o “horário velho” e outros que se baseavam no “horário novo”. Nunca compreendi de que forma ela conseguia se organizar, mas agora me vejo fazendo a mesma coisa! Deve ser da idade!

Enfim, nada é mais relativo do que essa entidade vaga e imponderável chamada Tempo. Fonte de estresse para uns, mas dobrável e manipulável para outros, o tempo é aquilo que é: uma invenção do homem, uma convenção, um acordo coletivo feito pelas pessoas para poderem organizar melhor sua vida.

São minutos que duram horas enquanto o dentista perfura o nosso dente com aquela famigerada broca, ou horas que parecem durar segundos quando estamos ao lado de alguém que amamos, e que precisa se despedir e ir embora. Horário de verão ou de inverno, tempo de amor ou despedida, horas de dor ou paixão, minutos de sofrimento ou de supremo deleite: disso é feita a Vida, essa é a matéria prima da Existência.

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"Toda vez que um juiz prende um ladrão…"

Clotilde Tavares | 11 de fevereiro de 2010

Hoje, com a notícia da prisão do governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, disseram logo:

– Não adianta! Rapidinho vem outro juiz e manda soltar!

Aí eu me lembrei de uma história que está lá no livro “Os Martelos de Trupizupe”, da autoria do meu irmão Braulio Tavares.

Braulio glosa em martelo em decassílabo o mote “Toda vez que um juiz prende um ladrão/  Chega outro juiz, manda soltar!”

O verso foi escrito há uns oito anos, mas parece que foi escrito hoje, não é, minha gente?

*     *     *

Glosa ao mote

Toda vez que um juiz prende um ladrão/ Chega outro juiz, manda soltar

Por Braulio Tavares – Do livro “Os Martelos de Trupizupe” (Natal, Engenho de Artes, 2004)

1.

Toda vez que um soldado de polícia

leva preso um filhinho-de-papai,

meia hora depois ele já sai

com propina na hora mais propícia…

Toda vez que um jornal dá a notícia

dos trambiques de algum parlamentar,

noutro dia precisa apresentar

desmentidos de toda a redação…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

2.

Quando algum promotor tem a coragem

de enfiar sua mão nesse vespeiro,

chega um fax e manda bem ligeiro

que ela mexa com outro personagem…

Se o Congresso descobre sacanagem

e promete depressa investigar,

muita gente começa a encomendar

uma pizza gigante pro salão…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

3.

Mesmo quando um ladrão endinheirado

por acaso pernoita na cadeia

ele tem boa cama e boa ceia

numa cela com ar refrigerado.

Sendo o caso de ser um magistrado,

tem direito a TV e frigobar;

tem cozinha francesa no jantar

e cobertas de seda no colchão…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

4.

Outro caso na história brasileira

é o juiz conhecido por Lalau

que roubou cem milhões dum tribunal

e escondeu do outro lado da fronteira.

O juiz vai em cana terça-feira

e na sexta já mandam libertar;

não tem homem que faça ele passar

sete dias seguidos na prisão…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

5.

No Brasil tem indústria madeireira

derrubando floresta em todo Estado,

e às vezes vem um advogado

traz a lei, e interrompe essa sujeira.

Mas aí um ricaço abre a carteira

compra a peso de ouro a liminar,

e na mata se volta a escutar

motosserra, machado e caminhão…

Toda vez que um juiz prende um ladrão,

chega outro juiz, manda soltar!

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corrupção, José Roberto Arruda, martelo agalopado, política brasileira, trupizupe
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