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D.A.D.I.A.

Clotilde Tavares | 4 de novembro de 2011

Circula na Internet um e-mail engraçadíssimo que fala sobre a D.A.D.I.A. – Síndrome de Desordem da Atenção Deficitária na Idade Avançada. Em tom jocoso, o autor narra as desventuras de uma pessoa de mais de 40 anos que começa a padecer daquele esquecimento que vai se tornando natural com o aumento da idade. Natural, talvez, mas incômodo, fazendo com que a gente se pegue de pé, no meio da sala, sabendo que está vindo de um lugar onde estava fazendo algo e indo para outro, onde vai também fazer algo, mas não consegue se lembrar nem dos lugares nem dos “algos”. Vou dar um exemplo.

Estou sentada no computador escrevendo um artigo para uma revista, uma encomenda de grande responsabilidade com prazo para entregar. O telefone toca. Onde está? Ah, sim, ficou no sofá da sala onde atendi ao último telefonema. Saio do computador e vou até a sala, onde atendo e depois, como estou na sala, vejo uma planta que precisa de água. Na varanda, pego o regador e quando entro na cozinha para encher o regador na torneira, aproveito para tomar água. Coloco o regador no balcão, tomo a água e já que abri a geladeira tiro do congelador o peito de frango para descongelar até a hora do almoço. Aí vejo em cima do microondas a minha agenda, que há pouco procurei sem sucesso pelo escritório e pelo quarto. Como será que essa agenda veio parar aqui? É o que me pergunto, enquanto pego a agenda. Aí, com a agenda na mão, me lembro de marcar hora na manicure, minhas unhas estão horríveis. Talvez seja melhor tirar logo esse esmalte descascado e vou ao banheiro pegar a acetona. No banheiro, escovo o cabelo, e fico assim aérea, com aquela sensação de quem está perdida… onde era mesmo que eu estava? Ah, sim, ia marcar hora na manicure. Mas onde é que eu deixei a agenda? Ficou na cozinha. Ao voltar, vejo na sala a planta, que ainda não reguei. Onde foi que eu deixei o regador? E o que é que eu estava fazendo antes? Ah, sim, estava no banheiro procurando a acetona para tirar o esmalte das unhas… Vida boa essa de aposentada, onde não tenho nada para fazer, a não ser me preocupar com as unhas. Já que não tenho nada para fazer, e estou na sala, vou ligar a TV para as novidades do noticiário.

Afundo no sofá, distraio-me com a televisão por um tempo quando o telefone toca. Toca na varanda, onde o deixei quando fui pegar o regador, o qual ficou na cozinha, onde peguei a agenda, que não levei para o banheiro onde fui pegar a acetona… Atendo o telefone. É o editor da revista, que pergunta: “Clotilde, estou esperando o artigo, vai mandar ou não?”

O artigo! Meu Deus, tinha esquecido. É a D.A.D.I.A…

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Homenagem a um morto querido

Clotilde Tavares | 2 de novembro de 2011

Ao contrário da maioria das crianças, eu não comecei a ler Monteiro Lobato pelo primeiro livro da série, que é “Reinações de Narizinho”. Eu devia ter uns dez anos e havia acabado se sair do internato quando Papai me deu “Emília no País da Gramática”. Não era o meu primeiro livro, leio desde muito pequena, acho que desde os quatro ou cinco anos de idade, mas fiquei imediatamente apaixonada pela história das palavras e não esqueço das ilustrações, onde as palavras eram representadas por figuras humanas, com atitudes físicas que tinham a ver com o significado delas. Uma maravilha.

Depois papai trouxe “Viagem ao Céu”, e eu me apaixonei por Astronomia, mania que tenho até hoje. E em seguida veio “O Minotauro”, e nova paixão: a mitologia grega. Só aí então é que li – dessa vez eu pedi, e papai trouxe – “Reinações de Narizinho”. Li todos, depois desse. A coleção que eu tinha, já muito estragada, desapareceu no pó dos livros velhos, mofados e estragados que, quando eu saí de casa para estudar fora, sucumbiram à umidade de um daqueles rigorosos invernos de Campina Grande. Mas Monteiro Lobato mora no meu coração até hoje, como um tio velhinho, carinhoso, e cheio de histórias pra contar. Quando penso nelo, sou novamente menina, sempre.

Túmulo de Monteiro Lobato, no cemitério da Consolação, em São Paulo. Foto de novembro de 2007.

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Lenine, o mameluco endiabrado

Clotilde Tavares | 30 de outubro de 2011

Acabo de ver o show de Lenine aqui em Natal, no Teatro Riachuelo. Um show redondo, sem muita conversa fiada, só com música, música boa, bem feita e bem executada. Uma beleza.

Depois do show, fiquei pensando e me transportando para o ano de 1978, quando eu fazia mestrado na UFPE e morava no Recife. Uma noite, fomos a um show no auditório do Colégio Vera Cruz em homenagem aos presos políticos, contra a ditadura – era um tipo de evento que acontecia muito naquela época. No palco, o poeta Thiago de Melo, e mais outras figuras famosas. Depois, “a prata da casa”, os artistas locais, a se apresentarem com duas ou três músicas cada. Aí sobe no palco um garoto de seus 18, 20 anos, alto, com pernas finas de palito num jeans justísimo, uma camisa amarela, a juba loura se derramando pelas costas, o olhar de louco e tomado pelo grandioso espírito do rock and roll, que também baixou sobre a platéia. A criatura pulava, cantava, e eu, com uma barriga de 6 meses (estava grávida de Ana Morena) pulava também, junto com outras 600 pessoas.

Foi assim, desde a primeira vez que o vi, que senti que aquele garoto tinha algo diferente dos outros. E hoje fico feliz de me sentar numa platéia lotada para ver, como na primeira vez, Lenine aumentar a pressão e mandar ver nas sonoridades que consegue arrancar do violão com uma puxada de cordas que se tornou sua marca registrada. Toma conta do palco. Dança, pula, faz cabriolas, faz que vai mais não vai, careteia, ora é galã enlouquecendo as moças que só faltam se atirar em cima do palco, ora é o velho faceta, de pernas tortas e sorriso de coringa.

Vi o show há pouco e garanto: a voz dele está cada vez melhor, respira que é uma beleza, a pegada segura, a nuance exata. Do repertório nem vou falar, sou suspeita. Acho lindas as músicas “Lá vem a cidade”, com letra de Bráulio, meu irmão; e “Magra”, de Ivan Santos.

Uma coisa que eu gosto de Lenine é que ele junta a musicalidade de Geraldo Azevedo com a doidice no palco de Alceu Valença, tocando música pra pular brasileira, com uma pegada segura de rock and roll e a bateria sustentando um baque de maracatu que ecoa lá no fundo da nossa alma.

Antes de ficar famoso, vinha pra Natal e ficava lá em casa. Com ele, meu filho Rômulo, ainda muito jovem e iniciante na música, ficava horas fazendo um som. Ele fez muitos shows aqui com Bráulio, show muitas vezes sem cachê, com pouco público, somente a estudantada. Depois desses shows, a gente saía para os circuitos dos bares da praia dos Artistas em cervejadas memoráveis, eu, ele, Bráulio e um ou dois aficcionados, tocando violão, cantando e farreando.

Quando gravou o “Olho de peixe”, seu primeiro disco, veio a Natal para um show no Bar do Buraco, em Ponta Negra, junto com o percussionista Marco Suzano. Somente duas pessoas compareceram para assistir ao show: eu e minha irmã Inês, que estava passando uns dias na minha casa. O bar vazio, nós duas sentadas em frente ao pequeno palco e Lenine e Suzano mandando ver no som.

Hoje, no camarim, matamos as saudades num encontro rápido, de cinco minutos, pois havia uma fila enorme de fãs, cada uma com sua câmera, à espera de um minuto com o ídolo.

Despedi-me dele e ameacei: “Assim que chegar em casa, vou escrever no meu blog sobre o show.” E ele: “De bom ou de ruim?” E eu: “Aí você só vai saber depois que ler…”

Pronto: escrevi. Menos que crítica, mais memória e declaração de amor do que qualquer outra coisa. E ponto final.

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Lula, e a doença da Humanidade

Clotilde Tavares | 29 de outubro de 2011

Sempre me espanto com o grau de veneno dos meus semelhantes, quando alguma pessoa da área política adoece, como acontece agora com o ex-presidente Lula.

O twitter está cheio de gente desejando que ele morra logo, que o câncer o consuma de uma vez, e outras aberrações semelhantes.

Eu não morro de amores por Lula como homem público. Não quero aqui entrar em análises políticas e econômicas porque não vem ao caso. Tenho uma certa antipatia por Lula por causa de características pessoais que ele tem, e que são certamente as mesmas que despertam o afeto e simpatia em quem gosta dele. Repito: não é por causa de política, porque gosto e admiro a presidente Dilma, do mesmo partido que ele.

O que digo aqui é que, se Lula está doente, com câncer, o único sentimento que eu tenho por ele neste momento é a compaixão, e o desejo de que ele melhore e volte a se sentir bem, porque nessa hora somos todos iguais. Na hora da Doença, da Dor, da Morte, o ex-presidente Lula, eu e você que está lendo isto agora, somos todos iguais na nossa humanidade.

Todos somos iguais e pertencemos a um mesmo corpo, a uma mesma alma. Se um de nós está com fome, com frio, ou com medo da morte, todos estamos. Se existem pessoas que não entendem isso, e se alegram com a desgraça alheia, então, “cumpanheiros”, a Humanidade é quem está doente, muito, muito doente.

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Voltei!

Clotilde Tavares | 24 de outubro de 2011

Depois de “um longo e tenebroso inverno”, expressão que Mamãe usava para se referir a um longo período de inatividade em qualquer setor de sua vida, eu estou de volta. Pelo menos, penso que estou, porque após um bom período de preguiça, inatividade, ocupação em outras tarefas, realização de diversos projetos e o mais que você possa imaginar, hoje eu amanheci com aquela coceira na ponta dos dedos e aquela agonia na cabeça que sempre sinto quando vem a vontade de escrever, de me comunicar de forma mais extensa do que os 140 caracteres do Twitter, que tem sido ultimamente minha plataforma de comunicação

Nesses dias em que andei ausente fiz coisa que só.

Acrescentei um novo livro à minha produção. É O Verso e o Briefing: a Publicidade na Literatura de Cordel, editado pelos Jovens Escribas, uma editora jovem, inteligente e antenada aqui de Natal.

Trabalhei que só um bicho, em coisas que fazem parte da vida do escritor: palestras em escolas para divulgar os livros, jurada de concursos literários diversos, artigos para essa ou aquela publicação.

Li pra caramba e vi muitos filmes e séries na TV. Mergulhei no mundo maravilhoso e alucinante das Crônicas de Gelo e Fogo/Game of Thrones, de George R. R. Martin, do qual já li os três primeiros livros e vi a 1ª temporada da série que passou no HBO.

Aos poucos, estou conseguindo decifrar os segredos da leitura musical e acostumar meus dedinhos toscos a reproduzirem no piano as deslumbrantes melodias que estão aí, adormecidas nas partituras, à espera de que a gente descubra o seu encanto. Meu professor, Leandro Rocha (veja o blog dele, Em volta da arte) com quem estudo desde 28 de março, é um santo em figura de gente, paciente e todo musical.

Essa coisa da música também me levou ao canto coral, e faço parte agora do Coral Harmus, sob a regência de Leninha Campos, onde acrescentei minha voz grave ao naipe dos baixos. É isso mesmo, é lá onde eu canto, com os homens, na clave de fá.

Para “fechar o firo”, realizei o meu projeto para este ano de 2011 que era perder 10 kg até 31 de dezembro. Consegui isso no final de setembro, graças à reeducação alimentar e muita disciplina.

Enfim, é isso.

Voltei.

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Noites brancas

Clotilde Tavares | 28 de junho de 2011

Eu não gosto de forró eletrônico, de forró “universitário”, desse forró falso e mecânico que só sobrevive às custas de bailarinas de traseiro empinado. Eu não gosto de festa de São João com som amplificado, ensurdecedor. Eu não gosto de teclado no lugar da sanfona. Eu não gosto de pamonha e canjica feitas em série e vendidas nos supermercados em pratinhos de plástico. Eu não gosto daquela tapioca redonda, pequena e grossa, recheada de presunto ou chocolate.

Eu não gosto das roupinhas de matuto para crianças vendidas nas barracas que margeiam as avenidas. Eu não gosto das festas juninas que competem umas com as outras para ver quem faz a maior, obstruindo ruas, infernizando a vida dos moradores e enlouquecendo a vizinhança com o barulho. E, acima de tudo, eu abomino as tais quadrilhas estilizadas, invenção ridícula da indústria de massa, com suas coreografias imbecis e seus enredos absurdos. Mesmo assim o São João ainda é a festa mais bonita do Nordeste. Mas o que eu gosto no São João, minha gente, quase tudo que eu gosto não existe mais.

O bom do São João era o milagre dos grãos de milho se transformando pela magia das mãos habilidosas das cozinheiras em uma pasta amarela e saborosa que, mexida por horas ao fogo se transformava na canjica; ou a solução genial de cozer outra mistura na própria palha, criando a pamonha, enquanto as crianças, sentadas no chão, faziam bonecas loirinhas ou ruivas com as espigas de milho.

O bom do São João era a fogueira armada na frente da casa, os vizinhos chegando, as conversas, e o quarto de bode que depois de dormir o dia todo no tempero acordava em estalos sobre as brasas, prenunciando delícias de sabor. O bom do São João eram as estrelinhas cuidadosamente seguras nas pontas dos dedos que depois de acesas rebentavam em maravilhas luminosas, trazendo para o canto da sala todo o mistério do Big Bang original.

O bom do São João era o forró dançado nas latadas dos sítios, com sanfona, triângulo e zabumba, sem microfone nem amplificador, a poeira subindo e o chiado das chinelas marcando o tempo preciso do andamento, sem coreografias mirabolantes, mas misturando o suor nos corpos quentes, colados e excitados. O bom do São João era Jackson do Pandeiro, Marinês, Luiz Gonzaga, Elino Julião e o Trio Nordestino. O bom do São João eram os versos mais lindos que já se escreveu sobre essa festa: “Olha pro céu, meu amor/ vê como ele está lindo…”

Tudo isso já foi embora, tragado pelo tempo. Permanece somente o ar cortante e frio da Serra da Borborema e as noites brancas de Campina Grande, como que velando a casa do Alto Branco, solene e silenciosa, órfã da fogueira, dos risos e da festa.

Esse texto foi escrito em 2005 e faz parte do meu livro Coração Parahybano, que você pode baixar gratuitamente clicando no link que esta no alto da coluna da direita.

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Avental todo sujo de ovo

Clotilde Tavares | 8 de maio de 2011

Hoje é um dia em que as pessoas estão homenageando as suas mães. É almoço, é presente, é café da manhã com rosa vermelha na bandeja. Também é o dia daquelas ofertas surpreendentes do tipo: “Mãe, hoje você não pisa na cozinha. Eu mesmo vou fazer o almoço.” E a pobre mãe se resigna a entregar a cozinha ao filho ou à filha, mestre-cuca por um dia, mesmo sabendo que depois vai dar duro para limpar a bagunça que o cozinheiro improvisado certamente vai deixar atrás de si.

Aqui em casa a gente não liga muito para isso, principalmente depois que meus dois filhos casaram e vêm comemorando esse dia na casa das respectivas sogras, mais empenhadas do que eu no quesito “maternidade” e mais afeitas a esse tipo de comemoração.

Confesso que não me reconheço uma mãe exemplar. Sempre tive que trabalhar para criar meus dois rebentos, sem a ajuda de ninguém. Apaixonada pelo trabalho como sempre fui, muitas vezes me ausentei e não fui tão presente o quanto deveria. Também, com essa minha mania de ser artista, nunca assumi o modelo tradicional da santa que desdobra fibra por fibra o coração. Não sou rainha do lar, não sou nem nunca fui santa e jamais, jamais entrei na sala com o chinelo na mão e o avental todo sujo de ovo.

Meus dois filhos, Rômulo e Ana Morena, são adultos perfeitamente ajustados, produtivos, independentes financeiramente e muito saudáveis. Não se drogam, nem nunca se drogaram, nunca precisei mandar nenhum dos dois trabalhar ou estudar e, afora pequenas crises tão previsíveis quanto passageiras, nos damos muito bem e somos felizes juntos.

Não sei se eles são assim por sorte minha ou por causa de alguma coisa que eu fiz, sem saber direito o que estava fazendo, acertando por puro acaso como acho que sempre acaba acontecendo nessas coisas do coração.

Não sei o que fiz, mas sei o que não fiz: nunca transformei meus filhos em reféns do meu amor. Nunca exigi que eles renunciassem às suas vidas por minha causa e nunca renunciei à minha por causa deles, para no futuro não cobrar deles esse preço. Nunca menti aos meus meninos, nunca fui desonesta com eles, e sempre compartilhei todos os problemas que tive, qualquer que fosse a natureza dessas dificuldades. Criei-os sozinha, mas nunca aleguei isso em meu benefício nem nunca culpei ou responsabilizei o pai de um ou de outra por nada. Meus filhos sempre souberam que foram escolha minha, responsabilidade minha, para o que desse e viesse, incondicionalmente. E sempre tiveram a liberdade de conversar comigo sobre qualquer assunto. Então, sei que fui omissa no quesito do sacrifício, da devoção, da santidade. Mas procurei transformar a nossa vida em algo rico, criativo, ensinando-lhes a suprema qualidade do bom-humor, e a rir da vida e de si mesmos como requisitos para resolver qualquer problema.

Fico feliz de tê-los criado tão sem culpa que podem me deixar sozinha nesse dia sem sofrerem e sem pensar que eu sofro; e parabenizo a mim mesma por, neste Dia das Mães, que para muitos é dia de obrigações, de cobrança e de chantagem emocional, estar perfeitamente à vontade para almoçar sozinha em casa ou em algum outro lugar, e depois ir ao cinema sem me lamentar e sem desdobrar fibra por fibra nem o meu coração, nem o deles.

Esta crônica foi escrita em maio de 2005 e publicada na Tribuna do Norte, jornal em que escrevi todos os domingos de 1998 a 2007 – quase dez anos. Mesmo tendo sido escrito há seis anos, o texto retrata exatamente o que sinto e penso ainda hoje. Rômulo e Ana: tenho certeza de que eles me amam todos os dias do ano.

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Beco da Quarentena: resistência cultural

Clotilde Tavares | 2 de maio de 2011

Beco da Quarentena, ontem à tarde.

‘Então, o beco não mais termina em aspereza,

Amanhece puro, como de surpresa.”

Sanderson Negreiros

Ontem eu participei de um evento que me deixou alegre, cheia de energia e esperançosa em relação à força da cultura do povo natalense: a lavagem do beco da Quarentena.

O beco é uma travessa de uns 25 metros que comunica a rua Frei Miguelinho com a rua Chile. Eu gosto de dizer que o beco quase comunica o Centro Cultural DoSol com a Casa da Ribeira, sendo essas duas iniciativas os baluartes principais de resistência e vida do bairro naquele trecho. A prova disso é que ambas comemoram neste ano dez anos de atividade.

Mas voltando ao Beco, a história de dele pode ser lida no blog de Sandro Fortunato.

É um lugar cheio de lixo, imundo, enlameado, esburacado e soturno, por onde muita gente passa de dia para encurtar caminho mas de noite a história é outra e não é qualquer um que tem coragem de se aventurar na travessia.

Ontem, na grande festa que colocou todos os espaços da Ribeira funcionando e lotados de gente, o beco voltou à vida, ressuscitado e renovado por uma celebração poderosa, invadido por grupos de percussão e por artistas de todos os naipes. Vi por lá as mulheres do Rosa de Pedra, vi Danúbio do Pau&Lata, vi grupos de afoxé e seus mestres. Esse cortejo saiu do Buraco da Catita, arrastado pela vibe poderosa dos tambores; babalorixás cantavam suas melodias rituais e as divindades vieram todas nesse final de tarde, nos arrastando pela rua das Virgens, atravessando a Tavares de Lira, entrando na frei Miguelinho até a esquina do Beco, onde nos aguardavam os performáticos bailarinos da Companhia GiraDança.

Naquela hora, os tambores pararam e o canto em língua africana subiu aos céus, numa celebração linda, que arrastou não somente os artistas mas o público que estava também misturado com o cortejo. Quando eu vi aquele beco onde já se passou tanta tragédia, onde já reinou a imundície, a desordem, a prostituição, que é usado como banheiro público e onde os seres humanos no último estágio da degradação vão se drogar, pois bem, quando eu vi aquele espaço iluminado, banhado com água de cheiro e perfumado com talco, com o cântico poderoso e ancestral se elevando e trazendo as energias da Paz, da Arte, da Alegria e da Cordialidade, eu senti que algo novo está acontecendo nessa cidade.

O Beco da Quarentena a partir de agora deve ser tomado como um símbolo da resistência cultural em nossa cidade. Graças a nós, artistas e produtores culturais, aquele espaço vive e deve continuar vivendo. Foi bonito ver os natalenses, pela música e pela força do canto, da celebração e da alegria, recuperando um espaço que deve e pode ser nosso, a despeito da incompetência oficial.

É curioso que muita gente diga nos jornais, blogs e entrevistas que “é caótica a situação da cultura em Natal” ou “a prefeitura (ou o estado, ou qualquer uma das fundações culturais) está acabando com a cultura” ou “a cultura na cidade está se acabando”.

Eu afirmo exatamente o contrário. A cultura está aí, pujante e viva. Os artistas – músicos, compositores, artistas plásticos, escritores, bailarinos, atores e outros – estão aí, produzindo, trabalhando, levando o nome do Rio Grande do Norte para outros lugares, atravessando fronteiras. Temos teatro, dança, música, literatura e artes visuais em estado de permanente criação e produção, e isso tudo sem falar na cultura popular, porque os brincantes de todos os naipes continuam na ativa. O que se viu no Beco da Quarentena ontem foi uma prova.

Todo o Circuito Cultural da Ribeira é feito por pessoas como eu e você. É feito com a garra dos artistas/produtores que estão à frente do Centro Cultural DoSol e da Casa da Ribeira, contando com o patrocínio da Conexão Cultural Vivo. Tudo iniciativa privada, essa iniciativa que levou ontem para a Ribeira cerca de 10.000 pessoas, que por lá circularam, distribuindo-se por seus vários espaços, porque tinha programa para todos os gostos, desde peça infantil na Casa da Ribeira até o jazz no Buraco da Catita, passando pelo rock and roll no centro cultural DoSol. Tinha brechó, venda de livros e CDs, projeção de filmes e vídeos, e gente, muita gente bonita, circulando na paz, sem uma briga, sem uma arruaça.

O que vai mal, minha gente, não é a cultura: é a gestão pública na área cultural. O que vai mal é a chamada política cultural, ou a ausência dela. O que vai mal é a atitude dos governantes e gestores em relação à cultura: não sabem o que é, parece que não querem saber e, pior ainda, parece que têm raiva de quem sabe porque não colocam nos cargos as pessoas que realmente são da área e sabem o que estão fazendo.

A Cultura, como a Ribeira, é nossa. Não é do estado, nem do município. É da Cidade, e a Cidade somos nós: você que me lê agora, e eu que escrevo. Pense nisso.

EM TEMPO: Como não queria deixar passar a energia, fiz logo essa postagem, mas não tenho fotos do que aconteceu mesmo porque, no calor e ritmo do cortejo, não tive como fotografar o que acontecia. Mas prometo a você algumas fotos. Aguardem.

EM TEMPO 2: Tenho outro blog, A Noiva do Sol, onde posto somente temas locais, porque acho que tais temas não interessam a muita gente de outros lugares que visita este blog. Mas tem dias que – talvez por obscuros motivos wordpressianos – não consigo acessá-lo. Então hoje vai por aqui mesmo.

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Vai um torresmo?

Clotilde Tavares | 22 de abril de 2011

Nas Minas Gerais, o torresmo está presente em tudo. Iguaria politica e nutricionalmente incorreta, gordura pura, colesterol em estado de exagero, mantive-me à distância; e muito embora o que excite minha gula são mesmo os doces, não posso negar o apelo irresistível do torresmo, crocante e saboroso, parede ideal para a cerveja como reza a foto.

A manhã hoje foi passada no Mercado Central de Belo Horizonte, vadiando por entre os boxes repletos de todo o tipo de coisa.

Depois, um bacalhau no tradicional Restaurante do Porto, na Espírito Santo com Aimorés, a uma quadra de onde estou hospedada.

Agora é jiboiar um pouco e arrumar as malas para voltar amanhã ao Rio Grande do Norte, para Natal, a Noiva do Sol, minha cidade querida (como gostava de dizer o mestre Câmara Cascudo).

Estou troncha de saudade.

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Na Praça da Liberdade

Clotilde Tavares | 21 de abril de 2011

No centro de Belo Horizonte, a Praça da Liberdade.

Imenso quadrilátero cortado por renque de palmeiras imperiais, tendo numa das faces o Palácio do Governo, e nas outras os antigos prédios das scretarias públicas da Fazenda, da Educação, da Viação e outras.

Nada disso funciona mais, pois as secretarias foram transferidas para o complexo arquitetônico do Centro Administrativo. Os prédios em estilo eclético estão sendo recuperados e abrigam ou irão abrigar museus e outros equipamentos culturais. É o Circuito Cultural Praça da Liberdade, que você pode ver em detalhe aqui. A poucos passos um do outro, vi o  Museu das Minas e do Metal, o Memorial Minas Gerais Vale e o Espaço TIM UFMG do Conhecimento. Uma experiência cultural avassaladora que me deixou tão cheia de insights que não sei nem para onde me virar.

Depois dos poderosos insights culturais, fui brincar com minha imagem numa instalação ao lado do Planetário do Espaço TIM.

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