Pensamento lateral
Clotilde Tavares | 4 de agosto de 2010Eu estava um dia desses cá comigo pensando em como algumas manifestações da cultura popular, peincipalmente da literatura oral, contribuem para formar uma mente aguçada, com capacidade de pensar de forma criativa levando e facilitando a solução de problemas. São as adivinhas, os contos que propõem enigmas e charadas, as brincadeiras e jogos com números, os jogos de salão onde somos levados a supor, adivinhar, arriscar.
O pensamento é uma função cerebral como qualquer outra, e pode ser exercitado. O problema é que a gente tem muita preguiça de pensar. Sentamos diante da TV e ficamos passivos, estupidificados, recebendo tudo aquilo que nos mostram sem criticar, sem analisar, sem refletir. Temos preguiça de adivinhar, de tentar, de palpitar. Queremos saber da solução antes de termos sequer lido direito o enunciado do problema.
Ora, minha gente! Se o pensamento é uma função, pode ser exercitado. Se a gente se dedicar todo dia a atividades que nos façam usar essa capacidade, poderemos aprimorá-la, da mesma maneira que praticamos a habilidade em executar um instrumento musical ou a de caminhar oito quilômetros em uma hora. É uma simples questão de condicionamento.
Quando começamos a exercitar o pensamento, começamos também a descobrir outras formas de operações mentais, como o chamado pensamento lateral, considerado como uma excelente arma para descobrir soluções novas e criativas para problemas antigos.
Um exemplo do pensamento lateral é colocado pela adivinha “O que é que anda com os pés na cabeça?”, impossível de ser respondida enquanto a mente continuar pensando linearmente que os pés e a cabeça mencionados são da mesma criatura.
Quando a mente se liberta desse preconceito que é dela mesma, já que não está explícito na adivinha, a resposta vem simples e clara: “Piolho.” Os pés de uma criatura e a cabeça de outra. Isso é que é o pensamento lateral.
E vejam essa historinha:
Dizem que um homem devia muito dinheiro a um agiota, que aceitou receber em troca da dívida a filha do devedor. Lá foi então a moça, como quem ia para a morte. O agiota achou pouco e quis ainda se divertir às custas da pobrezinha.
– Minha jovem – disse ele, – tenho aqui nas minhas mãos fechadas duas pedrinhas: uma preta e outra branca. Você vai escolher uma delas. Se escolher a branca, eu lhe liberto do compromisso e perdôo a dívida do seu pai. Se tirar a preta, nada feito: terá que ser minha mulher.
É evidente que ele tinha colocado nas mãos fechadas duas pedrinhas pretas, porque queria ficar com a moça de qualquer jeito. Ela, muito viva, desconfiou da intenção do agiota mas pensou depressa, escolhendo uma das pedrinhas mas antes que se visse qual era deixou-a cair no chão, onde a pedra se perdeu entre o cascalho.
– Que desastrada sou! – falou a jovem. – Mas não há problema: o senhor me mostra a pedra que restou, cuja cor deverá ser oposta à cor daquela que escolhi, e que se perdeu.
O agiota então foi obrigado a mostrar a pedra que restava, que era preta. A moça, inteligente e ladina, foi salva e a dívida do seu pai perdoada graças a quê? A uma mente arguta, lúcida, ágil e esperta, dote e habilidade de que muitas vezes abrimos mão por preguiça, comodismo e falta de informação.